Às vezes é difícil saber, já que a saúde mental e a espiritualidade estão intimamente ligadas. Mas uma psicóloga esclarece a questão
De vez em quando, aparecem histórias trágicas de suicídio nos
noticiários. Uma mulher faz o impensável a seus filhos e acaba tirando a
própria vida. Todo mundo está em choque. Eles não podem acreditar que
ela faria isso com seus próprios filhos. Eles estavam sempre tão bem
vestidos e cuidados. Iam à igreja todos os domingos. Eram vizinhos
calmos e agradáveis , todo mundo parecia muito feliz.
E, no entanto, um dia ela ligou o gás do fogão.
“É obra do diabo!”, dizem as pessoas.
Ou outra história: uma mulher jovem e sofredora deixou sua casa e
nunca mais voltou. Ela não disse uma palavra a ninguém. Apenas deixou
seu filho dormindo e saiu. Uma semana antes, ela tinha postado uma foto
de seu recém-nascido no Facebook. Parecia feliz. Ela planejou o batismo e
comprou as roupas. “O que aconteceu com ela? O que a fez agir assim?! ”
Atrás dessas manchetes sensacionalistas está uma profunda desordem
psicológica. As maiores desordens, porque muitas vezes as pessoas que
passam por isso são mal interpretadas.
Quando um paciente católico me diz que não acredita em psicoterapia, eu lhes digo que não se trata de fé, mas de habilidade.
O que elas fizeram de errado?
A mãe sofredora não pediu ajuda. Ela estava envergonhada. Ela estava
com medo de si mesma porque seus pensamentos pareciam estranhos. Ela via
coisas que os outros não viam. Ela ouvia vozes, mas outras pessoas não
respondiam. Ela parou de cuidar de si mesma, não procurou mais seus
amigos, e não falou para ninguém que estava muito cansada. Seu bebê
chorou, mas não por muito tempo.
Entre a insônia e a fadiga, algo perturbador se infiltrava. Memórias
estranhas e indesejadas, pensamentos perigosos. Algo lá dentro estava
dizendo a ela para deixar sua casa como uma forma de castigo.
“Sim, essa é a sua cruz, e ela tem que suportá-la. Ela não merece a felicidade ou seu bebê. Ela tem que se castigar.”
Muitos católicos estão convencidos de que têm problemas com sua fé, e
não com sua saúde mental. Eu explodo facilmente, perco a paciência com
meus filhos. Sinto vergonha e corro para a confissão; eu me arrependo e
prometo tentar uma vez mais, mas acontece de novo. Eu começo a me bater.
Em vez de tentar entender o que eu poderia estar passando, eu rejeito e
me castigo: eu me privo de tudo, não compro nada novo, não saio com
amigos. Mas isso tudo não ajuda. Eu perdi meu caminho? Eu sou fraca
porque me afastei de Deus. Eu estou na cama chorando, quando eu deveria
estar tentando ser mais santo.
A diferença entre problemas psicológicos e problemas espirituais
Essa linha de pensamento é perigosa. As pessoas não acreditam que
precisam de ajuda médica. Não há necessidade de um diagnóstico. Medo e
vergonha de ir a um psiquiatra ainda são generalizados. E se as orações
não ajudam e os problemas não são compreendidos, então será que um
exorcista vai ajudar?
Um padre ou um conselheiro espiritual pode desempenhar um papel
importante no apoio moral, mas ele não substitui um médico. Claro, uma
confissão tem um elemento de terapia. É uma forma de limpeza que permite
aliviar os sentimentos. Mas, muitas vezes, é uma solução de curto
prazo, porque os problemas voltam, as dificuldades se acumulam e a dor
não diminui.
A confissão é um ato de fé; terapia é trabalhar em si mesmo e é
sempre um processo. Entender por que, por exemplo, estou aterrorizada
pela ternura do meu marido? Por que eu amo possessivamente, ou por que
eu sou tão honesta que pareço quase agressiva para as pessoas próximas a
mim?
É importante diferenciar os problemas espirituais dos psicológicos.
Em vez de sentir culpa constante, permanecer na dor e lutar sem êxito
contra você mesma é crucial admitir que seu problema não é espiritual,
mas psicológico. Você não está perdida, você está doente. Você não tem
uma crise de fé, mas você tem um problema de saúde mental.
O pecado da gula pode se transformar em bulimia, o pecado da preguiça
pode ser a depressão e a vaidade pode ser um transtorno neurótico.
“Pensamentos impuros” repetitivos, às vezes, são diagnosticados como
transtornos obsessivo-compulsivos.
Os católicos precisam de psiquiatra ou psicólogo?
Claro que sim! Assim como qualquer outra pessoa que já não é capaz de
lidar com seus sentimentos e pensamentos e sente que seus eles podem
representar um risco para si ou para seus entes queridos. Sempre que ele
ou ela ouve a pergunta: “Então, o que está acontecendo com você?”, eles
podem não entender a preocupação. Afinal, nada está acontecendo; é uma
coisa privada. É a minha cruz, e vou suportar, de alguma forma.
Quando seu dente dói, você não deve procurar um par de alicates; você
deve ir a um dentista. Quando nos afastamos da vida cotidiana e nos
sentimos tristes e sem esperança sem razão, quando temos pensamentos
suicidas, obsessões, comportamentos chamando a atenção dos outros
devemos ir ao médico.
Um psiquiatra não é um deus; não precisamos acreditar nele para usar
seu conhecimento médico. Neurose ou doença mental não é algo de que se
deve ter vergonha, mas negar o conhecimento e os recursos do campo da
psiquiatria é. Um médico não ficará surpreso, ele vai entender. Seu
trabalho é descobrir o que está acontecendo com você e o motivo.
Um bom católico não tem de escolher entre ajuda espiritual e médica.
As práticas religiosas e terapêuticas não precisam competir ou lutar.
Elas podem se complementar. É bom dizer ao seu confessor sobre o seu
tratamento. Tais informações afetam a confissão, ajudam a promover uma
nova compreensão da culpa, do arrependimento e da punição pelo que você
pode ter feito.
Um bom psiquiatra não luta contra a fé do paciente. Ele sabe que para
ele é um valor fundamental, e o apoio moral de um padre ou de um grupo
de oração ajuda muito. O paciente e seus entes queridos não se sentem
estigmatizados, excluídos ou piores. Às vezes, os transtornos mentais
contêm elementos de natureza religiosa e pode haver uma necessidade de
uma conversa direta entre os médicos e o padre do paciente.
O melhor conselho para pessoas de fé que estão passando por um sofrimento psicológico? Reze e consulte um médico!
Zyta Rudzka é graduada pela Academia de Teologia
Católica, com pós-graduação em Psicologia. Ela ganhou o Prêmio Drama
Gdynia pelo seu drama “Cold Buffet”. A versão para televisão de sua
peça, “The Sugar Bra”, ganhou uma medalha de ouro no prestigioso
Worldfest Independent Film Festival em Houston. Suas obras foram
traduzidas para o alemão, russo, inglês, croata, italiano, tcheco,
francês e japonês.
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