Vaticano
aprova canonização de beatos assassinados em 1645, em duas igrejas do
Rio Grande do Norte, durante ocupação dos calvinistas holandeses.
Por José Maria Mayrink — O Estado de S. Paulo
O papa Francisco aprovou nesta quinta-feira, 23, a canonização de 30
beatos brasileiros que foram massacrados em 1645 nas localidades de
Cunhaú e Uruaçu, no Rio Grande do Norte, durante a ocupação holandesa do
Nordeste, por se negarem a abjurar da fé católica e aderir ao calvinismo, religião dos invasores.
Os futuros santos serão André de Soveral e Ambrósio Francisco Ferro,
sacerdotes diocesanos, Mateus Moreira e outros 27 companheiros leigos.
"Ficamos muito felizes, pois esta canonização é uma grande bênção para a
Igreja e com certeza vai reavivar a fé e a devoção dos fiéis", disse o
arcebispo de Natal, d. Jaime Vieira Rocha, após receber a notícia da
aprovação do papa. Os 30 brasileiros foram beatificados em março de 2000
por João Paulo II. O cardeal d. Cláudio Hummes, que foi arcebispo de
Fortaleza, ajudou a levar adiante a causa dos mártires e, no ano
passado, confidenciou a d. Jaime que Francisco estava interessado na
canonização.
Foram dois massacres coletivos: o primeiro em 15 de julho, em Cunhaú,
atualmente município de Canguaretama, e o segundo em 3 de outubro, em
Uruaçu, hoje município de São Gonçalo do Amarante. Segundo relatos da
época, mais de 70 pessoas foram assassinadas, mas a Congregação para as
Causas dos Santos reconhece apenas o martírio daqueles cujos nomes são
conhecidos. Na cerimônia de beatificação, João Paulo II chamou os novos
beatos de protomártires e disse que eles eram exemplos e defensores da
fé cristã.
Os massacres foram executados por índios tapuias e soldados holandeses,
sob comando de Jacob Rabbi, um alemão a serviço da Companhia das Índias
Ocidentais Holandesas. As vítimas foram mortas em um domingo, durante a
missa celebrada pelo padre Ambrósio Ferro. Após a consagração da hóstia
e do vinho, a tropa holandesa trancou as portas da igreja e, após um
sinal de Rabbi, os índios chacinaram os fiéis.
Com a notícia das atrocidades em Cunhaú, o medo se espalhou pelo Rio
Grande do Norte e capitanias vizinhas. Com razão. Outra vez sob as
ordens de Jacob Rabbi, um grupo de dezenas de pessoas, entre as quais o
padre André de Soveral, foi massacrado. Além dos padres André de
Sandoval e Ambrósio Ferro, foram mortos os leigos Mateus Moreira e seus
27 companheiros que serão transformados em santos. O camponês
Mateus Moreira teve o coração arrancado pelas costas, enquanto repetia a
frase "Louvado seja o Santíssimo Sacramento".
Emissários do governo holandês enviados para investigar os massacres
constataram a prática de violência, atrocidade e crueldade. Cronistas da
época relatam que em Uruaçu a crueldade foi maior. Os índios e a tropa
holandesa fecharam as portas da igreja e mataram os católicos
ferozmente. Arrancaram línguas, deceparam braços e pernas, cortaram crianças ao meio e degolaram corpos.
A história dos massacres foi pesquisada na Torre do Tombo, em Portugal,
e no Museu de Ajax, na Holanda. Segundo documentos levantados, os holandeses ofereceram aos católicos a opção de salvar a vida, se eles se convertessem ao calvinismo.
Data. D. Jaime pensou na hipótese de a canonização ser
em outubro deste ano, se Francisco viesse ao Brasil por ocasião da
comemoração dos 300 anos do encontro da imagem de Nossa Senhora
Aparecida. Como não virá, a cerimônia deverá ser celebrada no Vaticano,
em data a ser marcada. Milhares de devotos celebram a memória dos
mártires nos meses de julho e de outubro. Há celebrações frequentes
também nas quatro paróquias dedicadas aos beatos no Rio Grande do Norte.
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