1a Leitura - Daniel 13,1-9.15-17.19-30.33-62 ou 41-62
Leitura da profecia de Daniel.
Naqueles dias, 13 1 havia um homem chamado Joaquim, que habitava em Babilônia.
2 Tinha desposado uma mulher chamada Suzana, filha de Helcias, de grande beleza, e piedosa,
3 porque havia sido educada segundo a lei de Moisés por pais honestos.
4 Joaquim era sumamente rico. Junto à sua casa havia um pomar. Os judeus reuniam-se freqüentemente em casa dele, porque gozava de uma particular consideração entre seus compatriotas.
5 Haviam sido nomeados juízes, naquele ano, dois anciãos do povo, aos quais se aplicava bem a palavra do Senhor: "A iniqüidade surgiu, em Babilônia, de anciãos juízes que passavam por dirigentes do povo".
6 Esses dois personagens freqüentavam a casa de Joaquim, aonde vinham consultá-los todos aqueles que tinham litígio.
7 Lá pelo meio-dia, quando toda essa gente tinha ido embora, Suzana vinha passear no jardim de seu marido.
8 Os dois anciãos viam-na portanto todos os dias durante seu passeio, tanto que se apaixonaram por ela e,
9 perdendo a justa noção das coisas, desviaram os olhos para não ver mais o céu e não ter mais presente no espírito a verdadeira regra de comportamento.
15 Enquanto calculavam qual seria o momento propício, eis que Suzana chegou como de costume, com duas empregadas, e tomou a resolução de banhar-se, pois fazia calor.
16 Lá não havia ninguém, salvo os dois anciãos escondidos, que a espreitavam.
17 "Trazei-me", disse ela às duas empregadas, "óleo e ungüentos, e fechai as portas do jardim, para eu me banhar".
19 Apenas saíram, os dois homens precipitaram-se em direção de Suzana.
20 As portas do jardim estão fechadas, disseram-lhe, "ninguém nos vê. Ardemos de amor por ti. Aceita, e entrega-te a nós.
21 Se recusares, iremos denunciar-te: diremos que havia um jovem contigo, e que foi por isso que fizeste sair tuas servas".
22 Suzana exclamou tristemente: "Que angústias me envolvem por todos os lados! Consentir? Eu seria condenada à morte! Recusar? Nem assim eu escaparia de vossas mãos!
23 Não! Prefiro cair, sem culpa alguma, em vossas mãos, do que pecar contra o Senhor".
24 Suzana soltou grandes gritos, e os dois anciãos gritavam também contra ela.
25 E um deles, correndo às portas do jardim, abriu-as.
26 Com essa balbúrdia, os criados precipitaram-se pela porta do fundo para ver o que havia acontecido.
27 Os anciãos se puseram a falar, e os criados enrubesceram, pois jamais nada de semelhante fora dito de Suzana.
28 No dia seguinte, os dois anciãos, cheios de criminosas intenções contra a vida de Suzana, vieram à reunião que se realizava em casa de Joaquim, marido dela.
29 Disseram, diante da assembléia: "Mandem buscar Suzana, filha de Helcias, a mulher de Joaquim!" Foram-na buscar,
30 e ela chegou com seus pais, seus filhos e os membros de sua família.
33 Os seus choravam, assim como seus amigos.
34 Os dois anciãos levantaram-se à vista de todos, e pousaram a mão sobre sua cabeça,
35 enquanto ela, debulhada em lágrimas, mas com o coração cheio de confiança no Senhor, olhava para o céu.
36 Os anciãos disseram então: "Quando passeávamos pelo jardim, ela entrou com duas servas; depois fechou a porta e mandou embora suas acompanhantes.
37 Então, um jovem que se achava escondido ali, aproximou-se e pecou com ela.
38 Nós nos encontrávamos num recanto do jardim. Diante de tal desvergonhamento, corremos para eles e os surpreendemos em flagrante delito.
39 Não pudemos agarrar o homem, porque era mais forte do que nós, e fugiu pela porta aberta.
40 Ela, nós a apanhamos; mas quando a interrogamos para saber quem era o jovem, recusou-se a responder. Somos testemunhas do fato".
41 Confiando nesses homens, que eram anciãos e juízes do povo, condenaram Suzana à morte.
42 Então ela exclamou bem alto: "Deus eterno, vós que penetrais os segredos, que conheceis os acontecimentos antes que aconteçam,
43 sabeis que isso é um falso testemunho que levantaram contra mim. Vou morrer, sem nada ter feito do que maldosamente inventaram de mim".
44 Deus ouviu sua oração.
45 Como a levassem para a morte, o Senhor suscitou o espírito íntegro de um adolescente chamado Daniel,
46 que proclamou com vigor: "Sou inocente da morte dessa mulher!"
47 Todo mundo virou-se para ele: "O que significa isso?", perguntaram-lhe.
48 Então, no meio de um círculo que se formava, disse: "Israelitas, estais loucos! Eis que condenais uma israelita sem interrogatório, sem conhecer a verdade!
49 Recomeçai o julgamento, porque é um falso testemunho a declaração desses dois homens contra ela".
50 O povo apressou-se em voltar. Os anciãos disseram a Daniel: "Vem sentar conosco e esclarece-nos, pois Deus te deu o privilégio da velhice!"
51 "Separai-os um do outro", exclamou Daniel, "e eu os julgarei". Foram separados.
52 Então Daniel chamou o primeiro e disse-lhe: "Velho perverso! Eis que agora aparecem os pecados que cometeste outrora em julgamentos injustos,
53 condenando os inocentes e absolvendo os culpados; no entanto, é Deus quem diz: ‘não farás morrer o inocente e o íntegro’.
54 Vamos! Se realmente a viste, dize-nos debaixo de qual árvore os viste juntos?" "Debaixo de um lentisco", respondeu.
55 "Ótimo!", continuou Daniel, "eis a mentira, que pagarás com tua cabeça. Eis aqui o anjo do Senhor que, segundo a sentença divina, vai dividir teu corpo pelo meio".
56 Afastaram o homem. Daniel mandou vir o outro e disse-lhe: "Filho de Canaã! Tu não és judeu: foi a beleza que te seduziu, e a concupiscência que te perverteu.
57 Foi assim que sempre fizeste com as filhas de Israel, as quais, por medo, entravam em relação convosco. Mas eis uma filha de Judá que não consentiu no vosso crime.
58 Vamos, dize-me sob qual árvore os surpreendeste em intimidade". "Sob um carvalho".
59 "Ótimo!", respondeu Daniel, "tu também proferiste uma mentira que vai te custar a vida. Eis aqui o anjo do Senhor, que empunha a espada, prestes a serrar-te pelo meio para te fazer perecer".
60 Logo a assembléia se pôs a clamar ruidosamente e a bendizer a Deus por salvar aqueles que nele põem sua esperança.
61 Toda a multidão revoltou-se então contra os dois anciãos os quais, por suas próprias declarações, Daniel provou terem dado falso testemunho.
62 De acordo com a lei de Moisés, aplicaram o tratamento que tinham querido infligir ao seu próximo: foram mortos. Assim, naquele dia, foi poupada uma vida inocente.
Palavra do Senhor.
Salmo - 22/23
Mesmo que eu passe pelo vale tenebroso,
nenhum mal eu temerei, estais comigo.
O Senhor é o pastor que me conduz;
não me falta coisa alguma.
Pelo prados e campinas verdejantes
ele me leva a descansar.
Para as águas repousantes me encaminha
e restaura as minhas forças.
ele me guia no caminho mais seguro,
pela honra do seu nome.
Mesmo que eu passe pelo vale tenebroso,
nenhum mal eu temerei.
Estai comigo com bastão e com cajado,
eles me dão a segurança!
Preparais à minha frente uma mesa,
bem à vista do inimigo;
com óleo vós ungis minha cabeça,
e o meu cálice transborda.
Felicidade e todo bem hão de seguir-me
por toda a minha vida;
e na casa do Senhor habitarei
pelos tempos infinitos.
Evangelho - João 8,1-11
Glória a vós, Senhor Jesus, primogênito dentre os mortos!
Não quero a morte do pecador, diz o Senhor, mas que ele volte, se converta e tenha vida (Ez 33,11).
Proclamação do Evangelho de Jesus Cristo segundo João.
Naquele tempo, 8 1 dirigiu-se Jesus para o monte das Oliveiras.
2 Ao romper da manhã, voltou ao templo e todo o povo veio a ele. Assentou-se e começou a ensinar.
3 Os escribas e os fariseus trouxeram-lhe uma mulher que fora apanhada em adultério.
4 Puseram-na no meio da multidão e disseram a Jesus: "Mestre, agora mesmo esta mulher foi apanhada em adultério.
5 Moisés mandou-nos na lei que apedrejássemos tais mulheres. Que dizes tu a isso?"
6 Perguntavam-lhe isso, a fim de pô-lo à prova e poderem acusá-lo. Jesus, porém, se inclinou para a frente e escrevia com o dedo na terra.
7 Como eles insistissem, ergueu-se e disse-lhes: "Quem de vós estiver sem pecado, seja o primeiro a lhe atirar uma pedra".
8 Inclinando-se novamente, escrevia na terra.
9 A essas palavras, sentindo-se acusados pela sua própria consciência, eles se foram retirando um por um, até o último, a começar pelos mais idosos, de sorte que Jesus ficou sozinho, com a mulher diante dele.
10 Então ele se ergueu e vendo ali apenas a mulher, perguntou-lhe: "Mulher, onde estão os que te acusavam? Ninguém te condenou?"
11 Respondeu ela: "Ninguém, Senhor". Disse-lhe então Jesus: "Nem eu te condeno. Vai e não tornes a pecar".
Palavra da Salvação.
Reflexão
Os mestres da Lei e os fariseus fizeram uma armadilha “para terem
motivo de o acusar”. Eles tinham certeza que Jesus não ia aprovar o
apedrejamento, pois sempre defendeu os mais fracos. E, não aprovando, iria
contra a Lei de Moisés e podia ser, por isso, condenado à morte.
Mas Jesus teve uma saída magistral. Jogou o problema nas próprias
autoridades que ali estavam, transformando-as de juízes em réus: “Quem dentre
vós não tiver pecado, seja o primeiro a atirar-lhe uma pedra”.
Assim, não só libertou a mulher, mas deixou para nós uma grande
mensagem: Deus ama os que erram, e quer que os amemos, pois todos nós erramos
também. O melhor estímulo para uma pessoa se recuperar é sentir-se amada e
perdoada do erro que fez.
Deus mesmo fez isso, quando a humanidade pecou. Ele nos mandou seu
Filho que veio com amor, para salvar e não para condenar. “Deus enviou o seu
Filho ao mundo, não para condenar o mundo, mas para que o mundo seja salvo por
ele” Jo 3,17). Admirada com esse gesto, a Igreja canta, no exultet da vigília
pascal: “Ó culpa tão feliz que há merecido a graça de um tão grande Redentor!”
Nós somos convidados a imitar esse gesto de Jesus, no nosso caso,
com mais razão, porque somos nós que fazemos a lama, na qual as pessoas escorregam
e caem. Foi isso que Jesus quis mostrar, quando disse: “Quem dentre vós não
tiver pecado, seja o primeiro a atirar-lhe uma pedra”. Nós também somos
pecadores, e temos parte de culpa nos erros que os outros cometem, pois são
frutos deste mundo pecador, que ajudamos a construir.
Em vez de jogar pedras, devemos abraçar a todos os que erram, desde
a criança que comete pequenas travessuras, até os que praticam grandes crimes.
Abraçar os que estão na lama, mesmo que fiquemos enlameados também.
Os jovens costumam dizer: “Estou na fossa”. Uma fossa cheira mal.
Mesmo assim, devemos abraçar os que estão lá dentro, e dar-lhes a mão para que
saiam. E sempre, sem perder a paciência, mesmo que caiam mil vezes.
“Podes ir, e de agora em diante não peques mais.” Jesus não disse
que a mulher era inocente, nem fez pouco caso do erro dela. O que fez a
diferença foi que Jesus não a condenou por que ela errou, mas a abraçou por que
ela errou, para ajudá-la a se levantar e ser feliz.
Muitos chamam os que praticam crimes de “bandidos”. Esta palavra
tem uma conotação farisaica, porque quem a usa divide a sociedade em dois
grupos: os “bons”, entre os quais a pessoa se coloca, e os que não são bons.
Jesus condenou essa divisão, pois colocou uma pedra nas mãos desses que se
consideram “bons”.
Todos somos um pouco bandidos. Talvez os que tiveram boa formação e
boa família são mais bandidos do que os coitados e coitadas que nunca
aprenderam o caminho certo. “Eu sou pior do que ele ou ela”, é o que devíamos
pensar com humildade, ao ouvir falar de crimes e pecados. Se não chegamos a
fazer aquilo, é por pura graça e misericórdia de Deus.
A grande imprensa é como urubu, só procura carniça. E, ao se
referir aos que praticam os crimes, comporta-se exatamente como aqueles mestres
da Lei e fariseus. E quantos de nós vão na onda, pegando em pedras para
apedrejar aquele criminoso!
A Lei de Moisés, citada pelos mestres da Lei e fariseus, está em Dt
22,22, e em Lv 20,10. Segundo ela, a mulher adúltera devia ser apedrejada. Mas
não só ela, também o homem com quem ela adulterou (Cf caso da Susana, em Dn
13). Acontece que os fariseus, que eram machistas, aplicavam a Lei somente para
as mulheres.
Certa vez, uma senhora foi se confessar com S. João Vianney, e
contou que tinha falado mal de uma vizinha. O padre deu-lhe a seguinte
penitência: “A senhora vá a sua casa, pegue uma galinha, mate-a, coloque as
penas dela em uma vasilha, depois suba na torre da igreja quando estiver
ventando e jogue as penas para baixo. Depois volte aqui”.
A mulher fez tudo direitinho, em seguida voltou ao padre. Este lhe
disse: “Agora a senhora vai recolher todas as penas e trazê-las aqui para mim”.
“Impossível” – respondeu a mulher – “o vento já levou para muito longe as
penas!” O padre então concluiu: “Assim é a fofoca; ela se espalha de forma
incontrolável, e não conseguimos saber o tamanho do mal que fizemos à pessoa. E
depois de feita a fofoca, é impossível voltar atrás, pois não sabemos quais as
pessoas a quem ela chegou, a fim de procurá-las e desmentir”.
Acredito que essa mulher nunca mais vai querer falar dos outros. A
maledicência é também uma pedra jogada em alguém. Vamos depositar as nossas
pedras aos pés de Cristo, antes de jogá-las, pois elas poderão voltar em nós.
Campanha da fraternidade. Freqüentemente estamos sendo informados
da existência de trabalho escravo no Brasil. Em 1993, a Organização
Internacional do Trabalho (OIT) disse que o Brasil era um dos nove países do
mundo com problemas sérios de escravidão, sob a forma de “cativeiro da dívida”.
Na maioria dos casos os trabalhadores são obrigados a contrair dívidas que
nunca podem pagar e, por causa dessas dívidas, são obrigados a trabalhar de
graça, num regime de quase escravidão.
Juntamente com a escravidão de adultos, emerge a iniqüidade do
trabalho infantil. Segundo a OIT, havia no Brasil em 1996 7,5 milhões de
crianças e adolescentes trabalhando como adultos.
Não se trata de uma ajuda normal e até educativa que crianças podem
dar à família. Existem ajudas que não impedem as crianças de freqüentar a
escola, não tiram os direitos inerentes à infância, como brincar, e até podem
contribuir para a sua educação e integração social.
Geralmente são pais que já trabalham quase como escravos e, por
exigência de empresas, são obrigados a submeter seus filhos e filhas ao mesmo
drama, por falta de perspectivas melhores. Como disse um pai: “Às vezes, eu via
minha caçula fazendo aquele serviço e pensava que aquilo não era vida. Mas a
gente precisava do dinheiro e não tinha outra alternativa”.
Que Maria Santíssima, a imaculada, nos ajude a olhar para dentro de
nós mesmos, antes de atirar pedras!
Pe Antonio Queiroz
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