A celebração de hoje, consta de duas
partes. A primeira corresponde à comemoração da entrada do Senhor em Jerusalém
como Messias (evangelho da benção dos ramos), despojado de todo triunfalismo e montando
um jumentinho em atitude humilde e pacífica.
A segunda parte corresponde à
celebração da Eucaristia e oferece, na liturgia da Palavra, uma porta de
entrada para a celebração da Paixão e Morte do Senhor, que se entregou à morte
pela vida e salvação da humanidade (evangelho), igualando-se a todos aqueles
que sofrem para dar-lhes uma palavra de ânimo e esperança (1ª leitura). Por
isso é que foi elevado sobre todas as coisas (2ª leitura, e toda língua sempre
proclamará Jesus como Senhor.
Evangelho (benção dos
ramos e procissão): Mateus 21, 1-11
A cidade de Jerusalém estava repleta de
peregrinos para celebrar a Festa da Páscoa. Também Jesus estava chegando com
seus discípulos e uma multidão o aclamava com vivas, palmas e ramos. Antes
havia surpreendido a todos pedindo um jumentinho para entrar montado nele.
Lembrando o que disse o profeta Zacarías 9,9 ( “grite de alegria, cidade de
Jerusalém, pois agora o seu rei está chegando, justo e vitorioso. Ele é pobre,
vem montado num jumento, num jumentinho, filho de uma jumenta.”), o povo
entende o gesto, reconhece-o como Messias e o aclama com entusiasmo como aquele
que traz o Reino da Verdadeira Justiça: “Bendito aquele que vem em nome do
Senhor!”.
Jesus é o Rei-Messias que vai
confrontar-se com o centro de poder da sociedade judaica, simbolizado pela
cidade de Jerusalém e pelo Templo, sede do poder econômico, político,
ideológico e religioso. Ele não entra na cidade de forma triunfal, como rei
guerreiro montado num vistoso cavalo, mas como simples homem, humilde e
pacífico, montado num jumento, animal de trabalho, e identificando-se com os
pobres. À diferença do Messias que esperavam, Ele traz consigo a inversão de um
sistema social apoiado na violência e na força, que defende os privilegiados e
despreza os humildes. Está claro que Ele não vem para dominar. Vem para servir!
1ª leitura: Isaias
50, 4-7
O Servo é a grande novidade preparada
por Deus: o missionário escolhido para fazer surgir, graças ao Espírito do
Senhor, uma sociedade conforme a justiça e o direito. Ele não submeterá os
fracos ao seu domínio, mas o seu agir acabará produzindo uma transformação
radical de forma que “os cegos passem a enxergar e os presos sejam libertados”.
A missão do Servo é aqui apresentada
como uma ação de encorajamento para os fracos e abatidos. Não recusa aceitá-la
e não recua diante das dificuldades em realizar aquilo que Deus lhe pede,
apesar dos ataques dos adversários. Seus adversários não triunfarão sobre ele
porque é Deus seu advogado defensor.
A tradição cristã reconheceu neste
“servo” a pessoa do Senhor pela semelhança com a vida e a morte de Cristo, a
obediência à vontade do Pai e a forma como levou à frente a sua missão até o
extremo de entregar sua vida pela salvação da humanidade. Esta foi a atitude de
Jesus e é, também, a característica fundamental de seus seguidores: a
fidelidade total à vocação que vem de Deus no sentido de “falar como discípulo”
que sempre está aprendendo dos fatos da vida, onde descobre a mão de Deus para,
depois, “ajudar os desanimados com uma palavra de coragem” e ser solidários com
eles.
2ª leitura:
Filipenses 2,6-11
Citando um hino conhecido na época,
Paulo apresenta Cristo como modelo de humildade. Embora tivesse a mesma
condição de Deus, Jesus se apresentou entre os homens como simples homem. Abriu
mão de qualquer privilégio, tornando-se apenas um homem obediente a Deus, filho
de um povo dominado, a serviço de toda a humanidade. Não bastasse isso, Jesus
se humilhou e se igualou a nós até o fim submetendo-se à experiência mais
difícil, que é a morte, e uma morte ignominiosa de cruz como se fosse um
criminoso. Desceu até os porões da humanidade.
Como resposta a este rebaixamento e
obediência, o Pai o ressuscita e o coloca no mais alto posto que possa existir
na criação, como “Kyrios”=“O Senhor” do universo e da história (título
atribuído somente a Deus).
Reconhecer e aceitar que “Jesus Cristo
é o Senhor” é a maior expressão de louvor (“para a glória de Deus Pai”). Para
não ficar só em palavras, este louvor deve traduzir-se na imitação prática do Senhor,
abrindo mão de todo e qualquer privilégio, até mesmo da boa fama, para
colocar-nos, sem reservas, a serviço dos irmãos.
Texto parcial
(selecionado e comentado aquí): Mateus 22,31-34.47-71
Impressiona a solidão de Jesus diante
da morte. Mais ainda depois da fuga e do abandono por parte dos discípulos.
Certamente foi um dos maiores sofrimentos da Paixão. Mas tem um outro aspecto
que contribuiu certamente a tornar dolorosa a Paixão e Morte do Senhor: a
injustiça e a mentira.
Logo no início desta leitura,
descobrimos duas atitudes contrapostas a respeito de Jesus: por um lado, a
traição de Judas transformando o gesto de amizade, usado entre os judeus, em
contrassenha para entregar o Senhor («Jesus é aquele que eu beijar; prendam»)
e, por outro lado, a atitude impulsiva de Pedro de puxar a espada para defender
seu Mestre (“feriu o empregado do sumo sacerdote, cortando-lhe a orelha”). A
resposta de Jesus em ambas situações é dada com a mesma serenidade. Dá a
entender a Judas que sabe das suas intenções e, sem ressentimento, lhe diz:
«Amigo, faça logo o que tem a fazer», ao tempo em que ensina a Pedro que a não
violência é sempre melhor: “Todos os que usam a espada, pela espada morrerão”
(violência, gera violência). Desta forma se entrega livremente para ser julgado
pelo sumo sacerdote e o Sinédrio que, em lugar de fazer justiça, “procuravam
algum falso testemunho... a fim de o condenarem à morte”.
Diante de tanta injustiça e
perversidade, a resposta mais eloquente de Jesus é o silêncio (“Jesus continuou
calado”). Uma atitude tão digna e desconcertante que obrigou o sumo sacerdote a
abrir o jogo e reconhecer, implicitamente, o que realmente lhes incomodava na
pessoa de Jesus: «Eu te conjuro pelo Deus vivo que nos digas se tu és o
Messias, o Filho de Deus.». Essa oportunidade de proclamar a verdade, Jesus não
podia perder. Ele só precisou concordar (“É como você acabou de dizer”) mesmo
sabendo que era o que eles esperavam para condená-lo a morte (“O sumo sacerdote
rasgou as próprias vestes, e disse: «Blasfemou!... É réu de morte!»).
A injustiça e a mentira triunfaram
aparentemente, mas o sumo sacerdote foi obrigado a pronunciar a palavra que não
queria (“tu és o Messias, o Filho de Deus”). Certamente Jesus não precisava de
advogado de defesa. Foi condenado a morte, mas venceu o julgamento.
Palavra de Deus na
vida
A celebração de hoje é de palavras e
sentimentos contraditórios: procissão festiva dos ramos e, ao mesmo tempo,
relato da Paixão do Senhor; alegria e tristeza; vida e morte. Mas, com tudo o
que tem de contraditório, este dia tem muito a ver com nossa vida de
contrastes, contradições e incoerências.
Foi Caifás, o Sumo Sacerdote daquele
ano, quem pronunciou aquela frase histórica que, mesmo sendo uma declaração
politicamente maldosa, envolve uma grande e terrível verdade teológica: “É
preciso que um homem morra pelo povo” (João 18,14).
Caifás era um bom político; sabia
dar-se bem com os romanos desde que eles não impedissem o cumprimento externo
dos preceitos da Lei de Moisés. A situação política também era conveniente para
os influentes saduceus, que eram colaboracionistas de Roma. A submissão ao
poder romano fazia prosperar o negócio do Templo e sustentava o status dos
Sacerdotes.
Se as propostas de Jesus prosperassem,
se o Templo perdesse importância, se a religião puramente exterior, os
sacrifícios, a hierarquia, deixasse de ter importância; se os pobres passassem
a ser importantes, si a verdadeira religião consistisse em dar de comer aos
famintos, se os samaritanos, os publicanos e as mulheres pudessem ser tão
importantes quanto os Sumos Sacerdotes, acabaria o poder deles e Caifás não via
isto com bons olhos.
Melhor seria Jesus morrer para que tudo
isto não viesse acontecer. Só que, falando assim, Caifás identificava seus
próprios interesses com os do povo. Não era o povo que estava em perigo, mas
seu status privilegiado. Seria matar Jesus “por razões de estado”, o qual era
conveniente para quem controlava a situação e se aproveitava dela: uma velha e
perversa estratégia de políticos sem compaixão.
“Convém que morra...”. Conveniente para
quem? Para os cegos, os leprosos, as viúvas, as pessoas honestas que esperam a
libertação? Que Jesus morra era a eles que convinha, e muito. Era uma questão
de vida ou morte para manter sua aliança espúria: a aliança do poder político,
o poder econômico e o poder religioso. Esta perversa aliança já matou mais
inocentes do que ninguém ao longo da historia.
O duplo julgamento, político e
religioso, que Jesus sofreu é a expressão completa da injustiça. O condenam a
morte simplesmente por estar colocando em risco a credibilidade do sistema
religioso, político e econômico. Não provocou revoltas populares, mas
apresentou um projeto de vida alternativo no qual as pessoas valem por si
mesmas e devem ser respeitadas por ter os mesmos direitos. É condenado como
tantos homens de bem que devem morrer para que o poder corrupto continue a
governar o mundo, impunemente, sem mais ideais do que o seu próprio proveito.
Jesus nos encomenda esta sua mesma
tarefa: fazer valer o direito das pessoas excluídas e empobrecidas. Baixar da
cruz aas pessoas crucificadas.
Pensando bem...
A Semana Santa é tão rica em conteúdo
que não tem desperdício. Confundi-la com um “feriado prolongado” é a maior
perda de tempo para qualquer pessoa que se diga católico, cristão ou seguidor e
discípulo de Jesus. Vamos animar as pessoas de nosso entorno para que façam uma
parada nestes dias, a fim de reativar a sua fé e restabelecer o seu contato com
Deus?
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