A liturgia deste domingo apresenta-nos essa
comunidade de Homens Novos que nasce da cruz e da ressurreição de Jesus: a
Igreja. A sua missão consiste em revelar aos homens a vida nova que brota da
ressurreição.
Na primeira leitura temos, na “fotografia” da
comunidade cristã de Jerusalém, os traços da comunidade ideal: é uma comunidade
fraterna, preocupada em conhecer Jesus e a sua proposta de salvação, que se
reúne para louvar o seu Senhor na oração e na Eucaristia, que vive na partilha,
na doação e no serviço e que testemunha – com gestos concretos – a salvação que
Jesus veio propor aos homens e ao mundo.
No Evangelho sobressai a ideia de que Jesus vivo e
ressuscitado é o centro da comunidade cristã; é à volta d’Ele que a comunidade
se estrutura e é d’Ele que ela recebe a vida que a anima e que lhe permite
enfrentar as dificuldades e as perseguições. Por outro lado, é na vida da
comunidade (na sua liturgia, no seu amor, no seu testemunho) que os homens
encontram as provas de que Jesus está vivo.
A segunda leitura recorda aos membros da comunidade
cristã que a identificação de cada crente com Cristo – nomeadamente com a sua
entrega por amor ao Pai e aos homens – conduzirá à ressurreição. Por isso, os
crentes são convidados a percorrer a vida com esperança (apesar das
dificuldades, dos sofrimentos e da hostilidade do “mundo”), de olhos postos
nesse horizonte onde se desenha a salvação definitiva.
1ª leitura – At. 2,42-47 –
AMBIENTE
Depois de descrever a vinda do Espírito Santo sobre
os discípulos reunidos no cenáculo (cf. At. 2,1-13) e de apresentar (através de
um discurso posto na boca de Pedro) um resumo do testemunho dado pelos
primeiros discípulos sobre Jesus (cf. At. 2,14-36), Lucas refere o resultado da
pregação dos apóstolos: as pessoas aderem em massa (Lucas fala de três mil pessoas
que, nesse dia, se juntaram aos discípulos) e nasce a comunidade cristã de
Jerusalém (cf. At. 2,37-41). São os primeiros passos de um caminho que a Igreja
de Jesus vai percorrer, desde Jerusalém a Roma (o coração do mundo antigo).
O nosso texto faz parte de um conjunto de três
sumários, através dos quais Lucas descreve aspectos fundamentais da vida da
comunidade cristã de Jerusalém. Este primeiro sumário é dedicado ao tema da
unidade e ao impacto que o estilo cristão de vida provocou no povo da cidade
(os outros dois sumários tratam da partilha dos bens – cf. At. 4,32-35 – e do
testemunho da Igreja através da atividade miraculosa dos apóstolos – At.
5,12-16).
Naturalmente, este sumário não é um retrato
histórico rigoroso da comunidade cristã de Jerusalém, no início da década de 30
(embora possa ter algumas bases históricas). Quando Lucas escreve este relato
(década de 80), arrefeceu já o entusiasmo inicial dos cristãos: Jesus nunca
mais veio para instaurar definitivamente o “Reino de Deus” e posicionam-se no
horizonte próximo as primeiras grandes perseguições… Há algum desleixo, falta
de entusiasmo, monotonia, divisão e confusão (até porque começam a aparecer
falsos mestres, com doutrinas estranhas e pouco cristãs). Neste contexto, Lucas
recorda o essencial da experiência cristã e traça o quadro daquilo que a
comunidade deve ser.
MENSAGEM
Como será, então, essa comunidade ideal, que nasce
do Espírito e do testemunho dos apóstolos?
Em primeiro lugar, é uma comunidade de irmãos, que
vive em comunhão fraterna (“os irmãos” – v. 42). Essa fraternidade resulta da
identificação com Cristo e da vida de Cristo que anima cada crente – membros,
todos eles, do mesmo corpo – o Corpo de Cristo.
Em segundo lugar, é uma comunidade assídua ao
ensino dos apóstolos. Quer dizer, é uma comunidade empenhada em conhecer e
acolher a proposta de salvação que vem de Jesus, através do testemunho dos
apóstolos (e não através dessas doutrinas estranhas trazidas pelos falsos
mestres e que começam a invadir a comunidade). A catequese deve incidir sobre a
pessoa de Jesus, o seu projecto, os seus valores, a sua vida de doação e de
entrega. Os crentes são convidados a descobrir que o sentido fundamental da
vida está na obediência ao plano do Pai e na entrega aos irmãos; e que uma vida
vivida desse jeito conduz à ressurreição e à vida plena, mesmo que passe pela
experiência da cruz.
Em terceiro lugar, é uma comunidade que celebra
liturgicamente a sua fé. Lucas aponta dois momentos celebrativos fundamentais:
a “fração do pão” e as “orações”.
A “fração do pão” parece ser uma expressão técnica
para designar o memorial da “ceia do Senhor”, ou “eucaristia”. Era a celebração
que resumia toda a vida do Senhor Jesus, feita doação da vida e entrega até à
morte. Acompanhada, em geral, de uma refeição fraterna, ela comportava ainda
orações, uma pregação e, talvez, gestos de comunhão e de partilha entre os
cristãos. Era um momento de alegria, em que a comunidade celebrava a sua união
a Jesus e a comunhão fraterna que daí resultava.
Temos, ainda, as “orações”. Os primeiros cristãos
continuaram a frequentar o Templo (“todos os dias frequentavam o Templo” – v.
46) e a participar da oração da comunidade judaica; no entanto, é bastante
provável que a comunidade cristã tenha começado a sentir a necessidade de se
encontrar para a oração tipicamente cristã, centrada na pessoa de Jesus; e é,
talvez, a esta oração comunitária cristã que Lucas se refere. A comunidade de
Jesus é, portanto, uma comunidade que se junta para rezar, para louvar o seu
Senhor.
Em quarto lugar, é uma comunidade que partilha os
bens. Da comunhão com Cristo, resulta a comunhão dos cristãos entre si; e isso
tem implicações práticas. Em concreto, implica a renúncia a qualquer tipo de
egoísmo, de auto-suficiência, de fechamento em si próprio e uma abertura de
coração para a partilha, para o dom, para o amor. Expressão concreta dessa
partilha e desse dom é a comunhão dos bens: “tinham tudo em comum; vendiam
propriedades e bens e distribuíam o dinheiro por todos, conforme as
necessidades de cada um” – v. 44-45). É uma forma concreta de mostrar que a
vida nova de Jesus, assumida pelos crentes, não é “conversa fiada”; mas é uma
libertação da escravidão do egoísmo e um compromisso verdadeiro com o amor, com
a partilha, com o dom da vida.
Finalmente, é uma comunidade que dá testemunho. Os
gestos realizados pelos apóstolos enchiam toda a gente de temor (v. 43) – quer
dizer, infundiam em todos aqueles que os testemunhavam a inegável certeza da
presença de Deus e dos seus dinamismos de salvação. Além disso, a piedade, o
amor fraterno, a alegria e a simplicidade dos crentes provocavam a admiração e
a simpatia de todo o povo; esse jeito de viver interpelava os habitantes de
Jerusalém e fazia com que aumentasse todos os dias o número dos que aderiam à
proposta de Jesus e à comunidade da salvação (v. 47).
A primitiva comunidade cristã, nascida do dom de
Jesus e do Espírito é verdadeiramente uma comunidade de homens e mulheres
novos, que dá testemunho da salvação e que anuncia a vida plena e definitiva. A
comunidade cristã de Jerusalém era, de fato, esta comunidade ideal?
Possivelmente, não (outros textos dos Atos falam-nos de tensões e problemas –
como acontece com qualquer comunidade humana); mas a descrição, que Lucas aqui
faz, aponta para a meta a que toda a comunidade cristã deve aspirar, confiada
na força do Espírito. Trata-se, portanto, de uma descrição da comunidade ideal,
que pretende servir de modelo à Igreja e às igrejas de todas as épocas.
ATUALIZAÇÃO
• A comunidade cristã é uma família de irmãos, reunida
à volta de Cristo, animada pelo Espírito e que tem por missão testemunhar na
história a salvação. Os homens do séc. XXI podem acreditar ou não na
ressurreição de Cristo; mas têm de descobrir a vida nova e plena que Deus lhes
oferece, através do testemunho dos discípulos de Jesus. A comunidade cristã tem
de ser uma proposta diferente, que mostra aos homens como o amor, a partilha, a
doação, o serviço, a simplicidade e a alegria são geradores de vida e não de
morte.
• A comunidade cristã é uma comunidade de irmãos. A
minha comunidade cristã é uma comunidade de irmãos que vivem no amor, ou é um
grupo de pessoas isoladas, em que cada um procura defender os seus interesses,
mesmo que para isso tenha de magoar os outros? No que me diz respeito,
esforço-me por amar todos, por respeitar a liberdade e a dignidade de todos,
por potenciar as contribuições e as qualidades de todos?
• A comunidade cristã é, também, uma comunidade
assídua à catequese dos apóstolos. A minha comunidade cristã é uma comunidade
que se constrói à volta da Palavra de Deus, que escuta e que partilha a Palavra
de Deus? Da minha parte, procuro descobrir as propostas de Deus num diálogo
comunitário e numa partilha com os irmãos, ou deixo-me levar por pretensas
“revelações” pessoais, convicções pessoais, impressões pessoais – que muitas
vezes não são mais do que formas de manipular a Palavra de Deus para “levar a
água ao meu moinho”?
• A comunidade cristã é, ainda, uma comunidade que
celebra liturgicamente a sua fé. A celebração da fé comunitária dá-nos a
dimensão de um povo peregrino, que caminha unido, voltado para o seu Senhor e
tendo Deus como a sua referência. Da celebração comunitária da fé, sai uma
comunidade mais fortalecida, mais consciente da vida que une todos os seus
membros, mais adulta e com mais força para ser testemunha da salvação. O que é
que significa, para mim, a celebração comunitária da fé? A celebração
eucarística é um rito aborrecido, a que “assisto” por obrigação, ou uma
verdadeira experiência de encontro com o Jesus do amor e do dom da vida e uma
experiência de amor partilhado com os meus irmãos de fé?
• A comunidade cristã é uma comunidade de partilha.
No centro dessa comunidade está o Cristo do amor, do serviço, do dom da vida… O
cristão não pode, portanto, viver fechado no seu egoísmo, indiferente à sorte
dos outros irmãos. Em concreto, o nosso texto fala na partilha dos bens… Uma
comunidade onde alguns esbanjam os bens e onde outros não têm o suficiente para
viver dignamente será uma comunidade que testemunha, diante dos homens, esse
mundo novo de amor que Jesus veio propor?
2ª leitura – 1 Pedro 1,3-9 –
AMBIENTE
A primeira Carta de Pedro é uma carta dirigida aos
cristãos de cinco províncias romanas da Ásia Menor (a carta cita explicitamente
a Bitínia, o Ponto, a Galácia, a Ásia e a Capadócia – cf. 1 Pe 1,1). O seu
autor apresenta-se com o nome do apóstolo Pedro; no entanto, a análise
literária e teológica não confirma que Pedro seja o autor deste texto: em
termos literários, a qualidade literária da carta não corresponde à maneira de
escrever de um pescador do lago de Tiberíades, pouco instruído; a teologia
apresentada demonstra uma reflexão e uma catequese bem posteriores à época de
Pedro; e o “ambiente” descrito na carta corresponde, claramente, à situação da
comunidade cristã no final do séc. I. Se Pedro morreu em Roma durante a
perseguição de Nero (por volta do ano 67), não pode ser o autor deste escrito.
O autor da carta será, portanto, um cristão anônimo culto – provavelmente um
responsável de alguma comunidade cristã – e que conhece profundamente a
situação das comunidades cristãs da Ásia Menor. Ele escreve em finais do séc. I
(nunca antes dos anos 80), provavelmente a partir de uma comunidade cristã não
identificada da Ásia Menor.
Os destinatários desta carta são as comunidades
cristãs que vivem em zonas rurais da Ásia Menor. A maioria destes cristãos são
pastores ou camponeses que cultivam as propriedades das classes dominantes.
Também há, nestas comunidades, pequenos proprietários que vivem em aldeias, à
margem das grandes cidades. De qualquer forma, trata-se de gente que vive no
meio rural, economicamente débil, vulnerável a um ambiente que começa a
manifestar alguma hostilidade para com o cristianismo.
O autor da carta conhece as provações que estes
cristãos sofrem todos os dias. Exorta-os, no entanto, a manterem-se fiéis à sua
fé, apesar das dificuldades. Convida-os a olharem para Cristo, que passou pela
experiência da paixão e da cruz, antes de chegar à ressurreição; e exorta-os a
manterem a esperança, o amor, a solidariedade, vivendo com alegria, coerência e
fidelidade a sua opção cristã.
MENSAGEM
O texto que nos é proposto é uma ação de graças, ao
estilo das bênçãos judaicas. No entanto, apresenta, desde logo, os temas
principais que, depois, vão ser desenvolvidos ao longo da carta.
O autor lembra aos crentes que, pelo batismo, se
identificaram com Cristo; e isso significa, desde logo, renascer para uma vida
nova – de que a ressurreição de Cristo é modelo e sinal. Conscientes de que
Deus oferece a salvação àqueles que se identificam com Jesus, os crentes vivem
na alegria e na esperança: eles sabem que – aconteça o que acontecer – lhes
está reservada a vida plena e definitiva.
É verdade que a caminhada dos crentes pela história
é uma experiência de sofrimento, de provações, de perseguições. Os sofrimentos,
no entanto, são uma espécie de “prova”, durante a qual a fé dos crentes é
purificada, decantada de interesses mesquinhos, fortalecida; e, nesse processo,
o crente vai sendo transformado pela ação do Espírito, até se identificar com
Cristo e chegar à vida nova (para exemplificar o processo, o autor lembra que o
próprio ouro tem de ser purificado pelo fogo, antes de aparecer em todo o seu
esplendor).
De qualquer forma, o percurso existencial dos
crentes – cumprido simultaneamente na alegria e na dor – é sempre uma caminhada
animada pela esperança da salvação definitiva.
O grande apelo do autor da primeira carta de Pedro
é este: identifiquemo-nos com aquele a quem amamos sem o termos visto (Cristo)
– nomeadamente com a sua entrega por amor ao Pai e aos homens – a fim de
chegarmos, com Ele, à ressurreição.
ATUALIZAÇÃO
• Antes de mais, a Palavra de Deus convida-nos a
tomar consciência de que, pelo batismo, nos identificamos com Cristo. A nossa
vida tem de ser, como a de Cristo, vivida na obediência ao Pai e na entrega aos
homens nossos irmãos: é esse o caminho que conduz à ressurreição. A lógica do
mundo diz-nos que servir e dar a vida é um caminho de fracos e perdedores; a
lógica de Deus diz-nos que a vida plena resulta do amor que se faz dom. Em quem
é que acreditamos? De acordo com que lógica é que conduzimos a nossa vida e
fazemos as nossas opções?
• A questão do sentido do sofrimento (sobretudo do
sofrimento que atinge o justo) é tão antiga como o homem; as respostas que o
homem foi encontrando para essa questão foram sempre parciais e
insatisfatórias… A Palavra de Deus que hoje nos é proposta não esclarece
definitivamente a questão, mas acrescenta mais uma achega: o sofrimento
ajuda-nos, muitas vezes, a crescer, a amadurecer, a despirmo-nos de orgulhos e
auto-suficiências, a confiar mais em Deus… Somos convidados a tomar consciência
de que o sofrimento pode ser, também, um caminho para ressuscitarmos como homens
novos, para chegarmos à vida plena e definitiva.
• De qualquer forma, somos convidados a percorrer a
nossa vida com esperança, olhando para além dos problemas e dificuldades que
dia a dia nos fazem tropeçar e vendo, no horizonte, a salvação definitiva. Isto
não significa alhearmo-nos da vida presente; mas significa enfrentar as
contrariedades e os dramas de cada dia com a serenidade e a paz de quem confia
em Deus e no seu amor.
Evangelho – Jo 20,19-31 –
AMBIENTE
Anúncio do Evangelho (Jo 20,19-31)
— O Senhor esteja convosco.
— Ele está no meio de nós.
— PROCLAMAÇÃO do Evangelho de Jesus Cristo + segundo João. — Glória a vós, Senhor.
19Ao anoitecer daquele dia, o primeiro da semana, estando fechadas, por medo dos judeus, as portas do lugar onde os discípulos se encontravam, Jesus entrou e, pondo-se no meio deles, disse: “A paz esteja convosco”. 20Depois dessas palavras, mostrou-lhes as mãos e o lado. Então os discípulos se alegraram por verem o Senhor. 21Novamente, Jesus disse: “A paz esteja convosco. Como o Pai me enviou, também eu vos envio”. 22E, depois de ter dito isso, soprou sobre eles e disse: “Recebei o Espírito Santo. 23A quem perdoardes os pecados, eles lhes serão perdoados; a quem os não perdoardes, eles lhes serão retidos”. 24Tomé, chamado Dídimo, que era um dos doze, não estava com eles quando Jesus veio. 25Os outros discípulos contaram-lhe depois: “Vimos o Senhor!” Mas Tomé disse-lhes: “Se eu não vir a marca dos pregos em suas mãos, se eu não puser o dedo nas marcas dos pregos e não puser a mão no seu lado, não acreditarei”. 26Oito dias depois, encontravam-se os discípulos novamente reunidos em casa, e Tomé estava com eles. Estando fechadas as portas, Jesus entrou, pôs-se no meio deles e disse: “A paz esteja convosco”. 27Depois disse a Tomé: “Põe o teu dedo aqui e olha as minhas mãos. Estende a tua mão e coloca-a no meu lado. E não sejas incrédulo, mas fiel”. 28Tomé respondeu: “Meu Senhor e meu Deus!” 29Jesus lhe disse: “Acreditaste, porque me viste? Bem-aventurados os que creram sem terem visto!” 30Jesus realizou muitos outros sinais diante dos discípulos, que não estão escritos neste livro. 31Mas estes foram escritos para que acrediteis que Jesus é o Cristo, o Filho de Deus, e, para que, crendo, tenhais a vida em seu nome.
— PROCLAMAÇÃO do Evangelho de Jesus Cristo + segundo João. — Glória a vós, Senhor.
19Ao anoitecer daquele dia, o primeiro da semana, estando fechadas, por medo dos judeus, as portas do lugar onde os discípulos se encontravam, Jesus entrou e, pondo-se no meio deles, disse: “A paz esteja convosco”. 20Depois dessas palavras, mostrou-lhes as mãos e o lado. Então os discípulos se alegraram por verem o Senhor. 21Novamente, Jesus disse: “A paz esteja convosco. Como o Pai me enviou, também eu vos envio”. 22E, depois de ter dito isso, soprou sobre eles e disse: “Recebei o Espírito Santo. 23A quem perdoardes os pecados, eles lhes serão perdoados; a quem os não perdoardes, eles lhes serão retidos”. 24Tomé, chamado Dídimo, que era um dos doze, não estava com eles quando Jesus veio. 25Os outros discípulos contaram-lhe depois: “Vimos o Senhor!” Mas Tomé disse-lhes: “Se eu não vir a marca dos pregos em suas mãos, se eu não puser o dedo nas marcas dos pregos e não puser a mão no seu lado, não acreditarei”. 26Oito dias depois, encontravam-se os discípulos novamente reunidos em casa, e Tomé estava com eles. Estando fechadas as portas, Jesus entrou, pôs-se no meio deles e disse: “A paz esteja convosco”. 27Depois disse a Tomé: “Põe o teu dedo aqui e olha as minhas mãos. Estende a tua mão e coloca-a no meu lado. E não sejas incrédulo, mas fiel”. 28Tomé respondeu: “Meu Senhor e meu Deus!” 29Jesus lhe disse: “Acreditaste, porque me viste? Bem-aventurados os que creram sem terem visto!” 30Jesus realizou muitos outros sinais diante dos discípulos, que não estão escritos neste livro. 31Mas estes foram escritos para que acrediteis que Jesus é o Cristo, o Filho de Deus, e, para que, crendo, tenhais a vida em seu nome.
— Palavra da Salvação.
— Glória a vós, Senhor.
Continuamos na segunda parte do Quarto Evangelho,
onde nos é apresentada a comunidade da Nova Aliança. A indicação de que estamos
no “primeiro dia da semana” faz, outra vez, referência ao tempo novo, a esse
tempo que se segue à morte/ressurreição de Jesus, ao tempo da nova criação.
A comunidade criada a partir da ação de Jesus está
reunida no cenáculo, em Jerusalém. Está desamparada e insegura, cercada por um
ambiente hostil. O medo vem do fato de não terem ainda feito a experiência de
Cristo ressuscitado.
MENSAGEM
O texto que nos é proposto divide-se em duas partes
bem distintas.
Na primeira parte (vs. 19-23), descreve-se uma
“aparição” de Jesus aos discípulos. Depois de sugerir a situação de insegurança
e de fragilidade em que a comunidade estava (o “anoitecer”, as “portas
fechadas”, o “medo”), o autor deste texto apresenta Jesus “no centro” da
comunidade (v. 19b). Ao aparecer “no meio deles”, Jesus assume-se como ponto de
referência, fator de unidade, videira à volta da qual se enxertam os ramos. A
comunidade está reunida à volta d’Ele, pois Ele é o centro onde todos vão beber
essa vida que lhes permite vencer o “medo” e a hostilidade do mundo.
A esta comunidade fechada, com medo, mergulhada nas
trevas de um mundo hostil, Jesus transmite duplamente a paz (vs. 19 e 21: é o
“shalom” hebraico, no sentido de harmonia, serenidade, tranquilidade,
confiança, vida plena). Assegura-se, assim, aos discípulos que Jesus venceu
aquilo que os assustava (a morte, a opressão, a hostilidade do mundo); e que,
doravante, os discípulos não têm qualquer razão para ter medo.
Depois (vers. 20a), Jesus revela a sua
“identidade”: nas mãos e no lado trespassado, estão os sinais do seu amor e da
sua entrega. É nesses sinais de amor e de doação que a comunidade reconhece
Jesus vivo e presente no seu meio. A permanência desses “sinais” indica a
permanência do amor de Jesus: Ele será sempre o Messias que ama e do qual
brotarão a água e o sangue que constituem e alimentam a comunidade.
Em seguida (v. 22), Jesus “soprou” sobre os
discípulos reunidos à sua volta. O verbo aqui utilizado é o mesmo do texto
grego de Gn 2,7 (quando se diz que Deus soprou sobre o homem de argila,
infundindo-lhe a vida de Deus). Com o “sopro” de Gn 2,7, o homem tornou-se um
ser vivente; com este “sopro”, Jesus transmite aos discípulos a vida nova que fará
deles homens novos. Agora, os discípulos possuem o Espírito, a vida de Deus,
para poderem – como Jesus – dar-se generosamente aos outros. É este Espírito
que constitui e anima a comunidade de Jesus.
Na segunda parte (vs. 24-29), apresenta-se uma
catequese sobre a fé. Como é que se chega à fé em Cristo ressuscitado?
João responde: podemos fazer a experiência da fé em
Cristo vivo e ressuscitado na comunidade dos crentes, que é o lugar natural
onde se manifesta e irradia o amor de Jesus. Tomé representa aqueles que vivem
fechados em si próprios (está fora) e que não faz caso do testemunho da
comunidade, nem percebe os sinais de vida nova que nela se manifestam. Em lugar
de se integrar e participar da mesma experiência, pretende obter (apenas para
si próprio) uma demonstração particular de Deus.
Tomé acaba, no entanto, por fazer a experiência de
Cristo vivo no interior da comunidade. Porquê? Porque no “dia do Senhor” volta
a estar com a sua comunidade. É uma alusão clara ao Domingo, ao dia em que a
comunidade é convocada para celebrar a Eucaristia: é no encontro com o amor
fraterno, com o perdão dos irmãos, com a Palavra proclamada, com o pão de Jesus
partilhado, que se descobre Jesus ressuscitado.
A experiência de Tomé não é exclusiva das primeiras
testemunhas; todos os cristãos de todos os tempos podem fazer esta mesma
experiência.
ATUALIZAÇÃO
• A comunidade cristã gira em torno de Jesus,
constrói-se à volta de Jesus e é d’Ele que recebe vida, amor e paz. Sem Jesus,
estaremos secos e estéreis, incapazes de encontrar a vida em plenitude; sem
Ele, seremos um rebanho de gente assustada, incapaz de enfrentar o mundo e de
ter uma atitude construtiva e transformadora; sem Ele, estaremos divididos, em
conflito, e não seremos uma comunidade de irmãos… Na nossa comunidade, Cristo é
verdadeiramente o centro? É para Ele que tudo tende e é d’Ele que tudo parte?
• A comunidade tem de ser o lugar onde fazemos
verdadeiramente a experiência do encontro com Jesus ressuscitado. É nos gestos
de amor, de partilha, de serviço, de encontro, de fraternidade, que encontramos
Jesus vivo, a transformar e a renovar o mundo. É isso que a nossa comunidade
testemunha? Quem procura Cristo, encontra-O em nós?
• Não é em experiências pessoais, íntimas, fechadas
e egoístas que encontramos Jesus ressuscitado; mas encontramo-l’O no diálogo
comunitário, na Palavra partilhada, no pão repartido, no amor que une os irmãos
em comunidade de vida. O que é que significa, para mim, a Eucaristia?
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