Se fomos criados para a felicidade, por que Deus permite que soframos?
A pessoa humana foi criada para a felicidade. Ninguém gosta de
tristeza, sofrimento ou dor. Porém, tais movimentos nos levam a pensar
sobre nossa atitude diante do sofrimento e da dor. É possível tomar
consciência de que o sofrimento está presente no mundo em múltiplas
formas e manifestações e, que não podemos fugir dele de forma alguma.
Sendo assim, resta-nos três caminhos: a revolta, a indiferença ou a
aceitação. A revolta leva a pessoa ao desespero; a indiferença nos torna
estáticos, deterministas, estoicos; a aceitação comunica-nos a paz e
alegria profundas próprias do cristãos: seguidores e imitadores de Jesus
Cristo.
O sofrimento na Biblia
O homem bíblico, desde o Gênesis ao Apocalipse, pergunta-se por que o
sofrimento e como libertar-se dele. Antes da vinda de Jesus o
sofrimento aparece como uma estrada sem saída, fruto do pecado e como
castigo de Deus pelo bem não realizado. O grito que perpassa toda a
Sagrada Escritura é o pedido a Deus que nos liberte da dor e que nos dê a
força necessária para suportá-la. Os salmos são o livro do homem
sofredor que, na sua breve existência, depara-se com todo tipo de dor:
física, moral, espiritual, a solidão, o abandono dos amigos, a lepra que
devasta, a perseguição dos inimigos…O livro de Jó, que podemos
considerar como o grande tratado antropológico da dor, faz-nos ainda
mais críticos diante do sofrimento.
O sentido de impotência que nos advém quando nos deparamos com a dor
deixa-nos ainda mais angustiados. O que fazer diante das pessoas que
sofrem, e como reagir diante do nosso próprio sofrimento? Se Deus-amor
não quer que o homem sofra, por que permite o sofrimento? São perguntas
que, provavelmente, nunca terão uma resposta que nos deixe totalmente
satisfeitos.
A repugnância à dor está inscrita no nosso coração e todos somos chamados a lutar contra ela. Superar a dor é caminho promissor para se chegar à felicidade plena.
A repugnância à dor está inscrita no nosso coração e todos somos chamados a lutar contra ela. Superar a dor é caminho promissor para se chegar à felicidade plena.
Jesus nos ensina a amar a cruz
O encontro com Jesus de Nazaré, o amor que tenho para com Ele, a
leitura do Evangelho e o desejo de imitar sua vida têm-me feito
compreender melhor o caminho da dor. Aliás, fora de Jesus, não creio que
encontremos resposta para coisa alguma. A vida tende para Jesus e por
Ele somos atraídos e seduzidos. Contemplando-o nos vários momentos de
sua existência terrena sabemos descobrir o caminho novo. A novidade
trazida por Jesus é que Ele encerra o tempo das promessas e abre o tempo
da realidade. Ele nos ensina como viver, amar, sofrer, morrer e
ressuscitar.
A grandeza de Jesus é que Ele, encarnando-se, assumiu a nossa
natureza humana plena, total, com todas as limitações, menos o pecado.
De fato, o pecado não faz parte da natureza humana, ele entrou no mundo
pela desobediência. Alguém como Jesus, que nunca desobedeceu ao projeto
do Pai, não poderia ter o pecado na sua humanidade. Ele “se fez pecado”
por nós e nos redimiu de todos os nossos pecados.
O projeto trazido por Jesus é libertar o homem do pecado, e para que
isso possa acontecer Ele iniciou a sua história entre nós através do
caminho da cruz e do sofrimento.
“Jesus tinha a condição divina, e não considerou o ser igual a Deus
como algo a que se apegar ciosamente. Mas esvaziou-se a si mesmo, e
assumiu a condição de servo, tomando a semelhança humana. E, achado em
figura de homem, humilhou-se e foi obediente até a morte, e morte de
cruz! Por isso Deus o sobre exaltou grandemente e o agraciou com o Nome
que é sobre todo o nome, para que, ao nome de Jesus, se dobre todo o
joelho dos seres celestes, dos terrestres e dos que vivem sob a terra,
e, para glória de Deus, o Pai, toda língua confesse: Jesus é o Senhor.”
(Fil 2,6-12).
O nascimento, a fuga ao Egito, o trabalho em Nazaré, as
incompreensões por parte do povo, dos seus seguidores e do poder
constituído em Israel, formam a história de dor de Jesus, que tem o cume
na morte de cruz. O caminho apresentado por Jesus aos seus seguidores
é: renúncia de si mesmo, carregar a cruz e seguí-lo no seu nomadismo,
onde não tem nem uma pedra para reclinar a cabeça… O amor à paixão de
Jesus não é opcional na vida cristã, mas necessário para poder
compreender o sentido da vida de Jesus.
Através da leitura do Evangelho, compreendemos que Jesus não queria
sofrer e que em momento algum provocou o sofrimento, seu ou dos outros, e
que fez o possível para aliviar a dor dos outros. Ele mesmo “gemeu e
suplicou” ao Pai que o libertasse da cruz, do beber o cálice e da morte.
Mas, consciente que era possível salvar a humanidade por este caminho,
Ele assume a dor com a alegria interior de quem realiza na fidelidade a
vontade do Pai.
Tenho encontrado muitas pessoas esmagadas pela dor e interiormente
felizes. Uma das frases que ajudam-me a compreender o sentido da dor é
de Santa Teresinha: “Cheguei a um ponto em que o sofrimento me dá
alegria”. A alegria de participar ativamente da paixão de Jesus. É o
amor que leva a dar toda a vida pelo outro. É o amor do Pai que envia
seu Filho Jesus. É o amor do Espírito Santo que consagra Jesus na sua
missão e o amor de Jesus que dá toda a sua vida para nossa libertação e
salvação. A força do amor é sempre maior do que qualquer sofrimento e,
no amor, o sofrimento se faz alegria e vida.
O amor por Jesus gera os mártires da Igreja em todos os tempos e em
todos os lugares do mundo. O sofrimento é possível entender na dimensão
do amor: “Não há maior amor do que dar a vida por aquele que se ama”. O
servo sofredor de Javé, o Cordeiro manso levado ao matadouro apresentado
por Isaías se faz realidade na pessoa do Verbo encarnado que, por amor,
não volta atrás, mas oferece o seu rosto para que lhe arranquem a
barba. Quando o peso das minhas “cruzinhas” se faz pesado aos meus
frágeis ombros, o que mais gosto é de contemplar o crucifixo e saber que
Ele, o Cristo, por amor morreu por mim. É nesse momento que a dor se
faz leve e fonte de uma alegria imensa e incompreensível.
“O sofrimento não me é desconhecido. Nele encontro a minha alegria, porque na cruz se encontra Jesus e Ele é amor. E que importa sofrer quando se ama?” (Santa Teresa de los Andes)
À luz de Jesus se entende a dor como fruto de amor e presente de
Deus. Todos os santos, os grandes místicos nascidos do encontro com
Jesus, pedem a dor como participação do sofrimento. A purificação é
consequência do amor. Deus nos purifica porque nos ama, e existe em nós o
desejo de nos purificar para “vermos desde já a Deus”. O concílio
Vaticano II, na constituição Gaudium et Spes, coloca em destaque como
não é possível resolver os problemas existenciais, como o sofrimento,
sem Jesus.
“Na verdade, os desequilíbrios que atormentam o mundo moderno se
vinculam com aquele desequilíbrio mais fundamental radicado no coração
do homem. Com efeito, no próprio homem muitos elementos lutam entre si.
Enquanto, de uma parte, porque criatura, experimenta-se limitado de
muitas maneiras, por outra parte, porém, sente-se ilimitado nos seus
desejos e chamado a uma vida superior. Atraído por muitas solicitações, é
ao mesmo tempo obrigado a escolher entre elas renunciando a algumas.
Pior ainda: enfermo e pecador, não raro faz o que não quer, não fazendo o
que desejaria. Em suma, sofre a divisão em si mesmo, da qual se
originam tantas e tamanhas discórdias na sociedade. Certamente
muitíssimos, cuja vida se impregnou de materialismo prático, afastam-se
da percepção clara deste estado dramático, ou, oprimidos pela miséria,
são impedidos de considerá-lo. Muitos pensam encontrar tranquilidade nas
diversas explicações do mundo que lhes são propostas. Outros porém
esperam uma verdadeira e plena libertação da humanidade somente pelo
esforço humano. Estão persuadidos de que o futuro reino do homem sobre a
terra haverá de satisfazer todos os desejos de seu coração. Não faltam
os que, desesperados do sentido da vida, louvam a audácia daqueles que,
julgando a existência humana desprovida de qualquer significado
peculiar, esforçam-se por lhe atribuir toda significação só do próprio
engenho. Contudo, diante da evolução atual do mundo, cada dia são mais
numerosos os que formulam perguntas primordialmente fundamentais ou as
percebem com nova acuidade. O que é o homem? Qual é o significado da
dor, do mal, da morte que, apesar de tanto progresso conseguido,
continuam a subsistir? Para que aquelas vitórias adquiridas a tanto
custo? O que pode o homem trazer para a sociedade e dela esperar? O que
se seguirá depois desta vida terrestre?” (Gaudim et Spes, 10).
(via Shalom)
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