Quanto mais você mente, mais fácil fica, demonstra estudo inédito.
Seja para sonegar impostos ou trair alguém, as pequenas mentiras que
contamos podem rapidamente se transformar em grandes, assegura um estudo
divulgado na segunda-feira que descreve a desonestidade como uma
“ladeira escorregadia”.
Mentiras em série, além disso, provocam uma redução da resposta
emocional no cérebro, relataram pesquisadores na revista científica
Nature Neuroscience.
Na verdade, a ligação bioquímica é tão forte que os cientistas
poderiam prever com precisão em experimentos o quão grande é uma mentira
que alguém está prestes a contar só de olhar para os exames cerebrais
das suas mentiras anteriores.
“Este estudo é a primeira evidência empírica de que o comportamento
desonesto aumenta quando é repetido”, disse o autor principal do estudo,
Neil Garret, pesquisador do Departamento de Psicologia Experimental da
Universidade College de Londres.
Compreender como as pessoas passam de contar pequenas mentiras para
contar mentiras deslavadas, apesar das normas sociais ou morais que
desencorajam a desonestidade, é de grande interesse acadêmico,
argumentam os autores.
Quer se trate de “infidelidade, doping em esportes, inventar dados
científicos ou fraude financeira, os enganadores com frequência recordam
que pequenos atos de desonestidade cresceram como uma bola de neve ao
longo do tempo”, observou o coautor Tali Sharot, também da Universidade
College London.
“De repente eles se viram cometendo crimes bastante grandes”, acrescentou.
Nos experimentos, cerca de 80 voluntários foram convidados a avaliar
individualmente fotos de alta resolução de frascos de vidro cheios com
diferentes quantidades de moedas de um centavo.
Em seguida, através de um computador, eles foram instruídos a
aconselhar um parceiro à distância olhando para uma imagem de baixa
resolução do mesmo frasco sobre quanto dinheiro continha.
Esses parceiros eram, na verdade, atores trabalhando para os cientistas, mas os voluntários não sabiam disso.
No primeiro teste, os voluntários receberam um incentivo para serem honestos.
“Eles foram informados de que quanto mais precisa fosse a estimativa
do seu parceiro, mais dinheiro ambos receberiam”, explicou Garrett em
uma coletiva de imprensa.
Isto definiu um ponto de referência para outros cenários em que os voluntários receberam um incentivo para mentir.
Em um experimento, uma mentira deliberada resultou em ganhos tanto
para o conselheiro quanto para o aconselhado. Em outro, o voluntário
sabia que uma mentira teria bons resultados para ele às custas do
parceiro.
“As pessoas mentem mais quando isso é bom para elas e para a outra pessoa”, disse Sharot.
“Quando é bom só para elas, mas fere outra pessoa, elas mentem menos”, acrescentou.
Os participantes diferiram extremamente em relação a quanto eles se
desviaram da verdade e à taxa em que sua desonestidade aumentou.
E aqueles previamente identificados nos questionários como menos
francos também eram mais propensos a mentir durante o experimento.
Mas a maioria dos voluntários não apenas caiu facilmente em um padrão
de dissimulação – eles também incrementaram a intensidade das suas
mentiras ao longo do tempo.
Vinte e cinco dos participantes foram submetidos a exames de
ressonância magnética – varreduras do cérebro – durante os experimentos.
A parte do cérebro que processa as emoções, a amígdala, respondeu fortemente quando as mentiras ocorreram.
Pelo menos foi isso o que aconteceu inicialmente.
Conforme as mentiras ficavam mais ousadas, a amígdala iluminava cada
vez menos, um processo que os pesquisadores chamaram de “adaptação
emocional”.
“A primeira vez que você trapaceia nos seus impostos, por exemplo,
você pode se sentir muito mal com isso”, disse Sharot. “Esse sentimento
ruim inibe a sua desonestidade”.
“Mas da próxima vez que você enganar, você já terá se adaptado, e haverá menos reações negativas para te deter”, acrescentou.
Ainda não está claro se a atividade reduzida no centro de comando
emocional do cérebro ajudou a impulsionar o deslize em direção à
desonestidade, ou se era simplesmente um reflexo dela.
Mas uma conclusão do estudo parece inevitável: quanto mais você mente, “melhor” você fica nisso.
“Se a excitação emocional diminui, é possível que as pessoas sejam menos propensas a serem pegas em uma mentira”, disse Sharot.
(Com AFP)
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