domingo, 26 de fevereiro de 2012

DOMINGO I DA QUARESMA


“O Espírito Santo impeliu Jesus para o deserto.” Mc 1, 12

Ir de novo ao deserto?

Ser impedido pelo Espírito a entrar, de novo, no deserto não parece nada agradável. Não bastam os desertos que já vivemos? O deserto da economia tão frágil e do desemprego tão avassalador. O deserto destes dias frios mas secos, com os campos e os animais à míngua de umas gotas de água. E os deserto que não se vêem, mas que avançam por dentro das almas, a criar distância, indiferença, solidão? Quero lembrar-me do que dizia o Principezinho de Saint-Exupéry: “O que torna belo o deserto, é que ele esconde uma fonte nalgum lugar”.

Jesus nasce num povo e numa terra habituados ao deserto. Nos passos dos patriarcas, de Moisés, da história de Israel o deserto é uma presença constante. Sempre como lugar de passagem, lugar de experiência para aprender que o essencial pede despojamento e entrega, que a fidelidade é um dos nomes da felicidade. Deserto rima com tentação, com a provação que marca as grandes escolhas, com a nudez tão amiga da verdade e reveladora das forças escondidas. Mas é sempre um lugar provisório. Onde o definitivo se experimenta e ganha raízes dentro de nós, para dar fruto no entrelaçar dos dias. Não estranhemos por isso este convite que a escola da liturgia nos faz para entramos de novo no deserto.

Não precisamos de ir para longe. Felizes os que podem dispor de alguns dias para um retiro. Mas todos podemos viver estes dias em atitude de deserto. Que não é fuga nem isolamento dos outros (talvez até o que o Espírito nos pede é para criar mais disponibilidade para habitar as relações que deixamos esmorecer e secar, simplificar o que habitualmente complicamos). Um tempo em que deixamos Jesus ser o centro da vida, em que fazemos da oração um diálogo de amor, simples e caloroso, confiado e amigo. Longe de uma obrigação que sirva o orgulho de tarefa bem cumprida! Um tempo para saborear a alegria do perdão e a maravilha de fazer e ser eucaristia. Um tempo para descobrir a fonte que é a Palavra de Deus e como ela enche de luz esta nossa vida por vezes tão escura. Um tempo para gestos inesperados que o Espírito Santo não se cansa de nos propor: gestos como milagres pequenos e aparentemente insignificantes que enchem de festa a vida de outros; gestos, palavras, olhares que se revelam fontes nos desertos mais áridos.

Não podemos viver no deserto. Mas passar por ele pode fortalecer-nos. Se aprendermos uma lição essencial: não o atravessemos sozinhos, não deixemos de aceitar o guia que é o Espírito Santo, que tantas vezes toma o rosto de amigos e desconhecidos, não esqueçamos os laços baptismais que fazem de nós Povo de Deus. Não tem mais sabor a água bebida das fontes inesperadas quando a partilhamos com alguém?




P. Vítor Gonçalves

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