sexta-feira, 24 de setembro de 2010

SEU TRONO POR UM DIA.

Aconteceu que o rei devia morrer. Era rico e poderoso, mas estava gravemente doente. Mandou chamar todos os médicos e feiticeiros do reino. O rei ameaçava a todos: queria saber por que ninguém conseguia curá-lo. A questão era que ele não tinha mais jeito, e todos fugiram por medo de perder a cabeça. Somente um velho médico ficou. O rei perguntou-lhe também o que devia fazer para ficar bom novamente.
- O senhor só poderá se curar com a condição de entregar o seu trono, por um dia, ao homem que lhe assemelha mais do que todos os outros. Ele morrerá no seu lugar - falou o velho sábio.
O rei mandou mensageiros para todos os recantos do país convocando todos os que tinham alguma semelhança com ele. Para quem não se apresentasse seria pena de morte. Muitos homens compareceram, mas o velho médico os descartava um por um. Às vezes porque eram mais baixos, ou porque eram mais gordos; ou ainda por faltar-lhe um dedo, um dente, os cabelos e assim por adiante. Passavam-se os dias, e o rei estava se acabando. De repente, uma tarde, quando o rei e o médico estavam passeando ao redor do palácio, o velho apontou para um mendigo aleijado, meio cego, sujo e cheio de feridas, e gritou:
- É ele! É ele, o homem que mais se assemelha com o senhor! Como é possível – reclamou o rei – há um abismo entre nós!
- Um rei que deve morrer – insistiu o velho sábio – se parece com o mais pobre, o mais desgraçado da cidade. Rápido! Troque suas roupas com ele, e o coloque no trono por um dia, assim será salvo! Mas o rei não quis absolutamente aceitar que era tão semelhante ao mendigo. Voltou ao palácio e morreu, naquela mesma noite, sentado no trono com a coroa na cabeça e o cetro na mão.

Uma história triste, de orgulho e preconceito para comentar um pouco a parábola do rico e do pobre Lázaro, que encontramos neste domingo. O Senhor dá a entender que o rico conhecia o pobre Lázaro, porque imediatamente o chama pelo nome no outro mundo, quando o vê perto de Abraão. O que me deixa triste na parábola é justamente a incapacidade do rico de socorrer o pobre. O que impedia ao rico de ajudar o menos favorecido? O que o deixava tão indiferente? Tenho medo de responder, mas penso que talvez o rico se achasse com todos os direitos de possuir e esbanjar, por ter uma idéia errada de Deus. Ele, rico, seria um abençoado por Deus. O outro, o pobre Lázaro, um amaldiçoado e esquecido por Deus. É como dizer: Deus me deu, é meu e uso disso tudo como eu quero. Não muito diferente, como resultado final, é a maneira de pensar de quem se acha com todos os direitos, porque “soube” administrar bem, ou aproveitar das próprias capacidades ou das circunstâncias favoráveis da vida para enriquecer. Terrível quando alguém declara que “sempre” foi assim, que o mundo sempre será dividido entre ricos e pobres, porque – vejam a blasfêmia – Deus assim o fez!

Grande engano. Qualquer bem, material e não, toda propriedade, toda capacidade traz em si um compromisso social. É-nos dado para que o usemos para o bem e este bem não é fazer negócios cada vez mais lucrativos para nós, mas ajudar a quem precisa, quem menos sabe se organizar, ou mesmo, menos consegue na vida. Praticar o bem é praticar a justiça e a fraternidade entre nós. Portanto o grande erro do rico da parábola, não foi, talvez, o fato de não ter socorrido o pobre. Foram as razões que, segundo ele, justificaram tal atitude de superioridade e de indiferença, que o condenaram. Afinal, por que ele, o rico, devia mudar uma situação injusta se assim Deus a tinha determinado? Chamar de vontade de Deus os nossos privilégios, jogar a culpa das nossas faltas de amor nas costas de Deus é a mais perversa das religiões. Aliás, não é nem religião, é idolatria.
O que o rico não fez quando ainda tinha tempo e condições de fazer, o pai Abraão fez, acolhendo o pobre na paz e na alegria. Deus quer isso tudo para todos. Porque não é o Deus que distribui injustiças, mas o Deus que ensina a amar, entregando até a própria vida.

A esta altura, é evidente que Jesus quis chamar a nossa atenção muito mais sobre esta vida do que sobre a outra. Em lugar de ficar imaginando e discutindo sobre os tormentos do inferno, deveríamos aprender a olhar os pobres que estão todos os dias a nossa frente, nas angústias da vida. Somos responsáveis uns pelos outros, mais do que pensamos. Podemos ser instrumentos do bem colaborando com o amor do Pai ou ser a negação do seu amor mantendo as injustiças ou criando novas exclusões.
Coragem! Ainda temos tempo para vestir a camisa do pobre, para colocá-lo no centro do nosso coração, onde está o trono do nosso egoísmo. Só por uma vez? Talvez mais. Tantas vezes quanto forem necessárias para reconhecê-lo nosso irmão e a nós, também, mortais como ele.

Dom Pedro José Conti
CNBB

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