“Todos ficaram cheios do Espírito Santo e começaram
a falar em outras línguas, conforme o Espírito os inspirava”. Que Espírito é
este, que encheu hoje os apóstolos e a inteira Igreja de Cristo?
Ele é o Espírito do Ressuscitado, soprado pelo
Cristo Senhor: “Jesus disse: ‘Como o Pai me enviou (no Espírito Santo), eu
também vos envio (neste mesmo Espírito)!"Depois soprou sobre eles e disse:
Recebei o Espírito Santo!”
Nele, tudo fora criado desde o princípio: “O
Espírito do Senhor encheu o universo; ele mantém unidas todas as coisas e
conhece todas as línguas” (Sb. 1,7). Somente no Santo Espírito podemos
compreender que toda a criação e toda a história são penetradas pela vida de
Deus que nos vem pelo Cristo; somente no Santo Espírito podemos perceber a
unidade e bondade radicais da criação que nos cerca, mesmo com tantas trevas e
contradições. É o Santo Espírito, doce Consolador, que nos livra do desespero e
da falta de sentido!
Nele tudo se mantém, tudo tem consistência, tudo é
precioso: “Encheu-se a terra com as vossas criaturas: se tirais o seu respiro,
elas perecem e voltam para o pó de onde vieram. Enviais o vosso Espírito e
renascem e da terra toda a face renovais”. É por sua ação constante que tudo
existe e persiste no ser. Sem ele, tudo voltaria ao nada e nada teria
consistência real. Nele, tudo tem valor, até a mais simples das criaturas...
Sem ele, nada, absolutamente, podemos nós: “Sem a
luz que acode, nada o homem pode, nenhum bem há nele!” Por isso Jesus disse:
“Sem mim, nada podeis fazer (Jo 15,5)”, porque sem o seu Espírito Santo que nos
sustenta e age no mais íntimo de nós, tudo quanto fizéssemos não teria valor
para o Reino dos Céus. Jesus é a videira, nós, os ramos, o Espírito é a seiva
que, vinda do tronco, nos faz frutificar...
Ele é a nova Lei – não aquela inscrita sobre tábuas
de pedra, mas inscrita no nosso coração (cf. Ez. 11,19; Jr. 31,31-34), pois “o
amor de Deus foi derramado nos nossos corações pelo Espírito que nos foi dado”
(Rm. 5,5). A lei de Moisés, em tábuas de pedra, fora dada no Sinai em meio a
relâmpagos, trovões, fogo, vento e terremotos (cf. Ex 19); agora, a Nova Lei, o
Santo Espírito nos vem em línguas de fogo e vento barulhento e impetuoso, para
marcar o início da Nova Aliança, do Amor derramado no íntimo de nós!
Ele tudo perdoa e renova e, Cristo, pois é Espírito
para a remissão dos pecados: “A quem perdoardes os pecados, eles lhes serão
perdoados!” É, pois, no Espírito que a Santa Igreja anuncia a paz do Evangelho
do perdão de Deus para a humanidade em Cristo Jesus!
Ele nos une no Corpo de Cristo, que é a Igreja,
pois “fomos batizados num único Espírito para formarmos um só corpo...” – Neste
Corpo, ele nos enche de dons, carismas e ministérios, pois “a cada um é dada a
manifestação do Espírito para o bem comum”. É no Espírito que a Igreja é uma na
diversidade de tantos dons e carismas; uma nas diferenças de seus membros...
Ele faz a Igreja falar todas as línguas, fá
abrir-se ao mundo, procurar o mundo com “santa inquietude”, não para render-se
ao mundo ou imitá-lo ou perder-se nele, mas para “anunciar as maravilhas de
Deus” em Cristo Jesus, chamando o mundo à conversão e à vida nova em Cristo!
Enfim,
Ele torna Jesus sempre presente no nosso coração e no coração da Igreja e no
testemunha incessantemente, sempre e em tudo que Jesus é o Senhor, pois
“ninguém pode dizer: Jesus é o Senhor, a não ser no Espírito Santo!” – para a
glória de Deus Pai.
O tema deste domingo é, evidentemente, o Espírito
Santo. Dom de Deus a todos os crentes, o Espírito dá vida, renova, transforma,
constrói comunidade e faz nascer o Homem Novo.
O Evangelho apresenta-nos a comunidade cristã,
reunida à volta de Jesus ressuscitado. Para João, esta comunidade passa a ser
uma comunidade viva, recriada, nova, a partir do dom do Espírito. É o Espírito
que permite aos crentes superar o medo e as limitações e dar testemunho no
mundo desse amor que Jesus viveu até às últimas conseqüências.
Na primeira leitura, Lucas sugere que o Espírito é
a lei nova que orienta a caminhada dos crentes. É Ele que cria a nova comunidade
do Povo de Deus, que faz com que os homens sejam capazes de ultrapassar as suas
diferenças e comunicar, que une numa mesma comunidade de amor, povos de todas
as raças e culturas.
Na segunda leitura, Paulo avisa que o Espírito é a
fonte de onde brota a vida da comunidade cristã. É Ele que concede os dons que
enriquecem a comunidade e que fomenta a unidade de todos os membros; por isso,
esses dons não podem ser usados para benefício pessoal, mas devem ser postos ao
serviço de todos.
1ª leitura - AMBIENTE
Já vimos que o livro dos “Actos” não pretende ser
uma reportagem jornalística de acontecimentos históricos, mas sim ajudar os
cristãos – desiludidos porque o “Reino” não chega – a redescobrir o seu papel e
a tomar consciência do compromisso que assumiram, no dia do seu batismo.
No que diz respeito ao texto que nos é proposto e
que descreve os acontecimentos do dia do Pentecostes, não existem dúvidas de
que é uma construção artificial, criada por Lucas com uma clara intenção
teológica. Para apresentar a sua catequese, Lucas recorre às imagens, aos
símbolos, à linguagem poética das metáforas. Resta-nos decodificar os símbolos
para chegarmos à interpelação essencial que a catequese primitiva, pela palavra
de Lucas, nos deixa. Uma interpretação literal deste relato seria, portanto,
uma boa forma de passarmos ao lado do essencial da mensagem; far-nos-ia reparar
na roupagem exterior, no folclore, e ignorar o fundamental. Ora, o interesse
fundamental do autor é apresentar a Igreja como a comunidade que nasce de Jesus,
que é assistida pelo Espírito e que é chamada a testemunhar aos homens o
projeto libertador do Pai.
MENSAGEM
Antes de mais, Lucas coloca a experiência do
Espírito no dia de Pentecostes. O Pentecostes era uma festa judaica, celebrada
cinqüenta dias após a Páscoa. Originariamente, era uma festa agrícola, na qual
se agradecia a Deus a colheita da cevada e do trigo; mas, no séc. I, tornou-se
a festa histórica que celebrava a aliança, o dom da Lei no Sinai e a
constituição do Povo de Deus. Ao situar neste dia o dom do Espírito, Lucas
sugere que o Espírito é a lei da nova aliança (pois é Ele que, no tempo da
Igreja, dinamiza a vida dos crentes) e que, por Ele, se constitui a nova
comunidade do Povo de Deus – a comunidade messiânica, que viverá da lei
inscrita, pelo Espírito, no coração de cada discípulo (cf. Ez. 36,26-28)
Vem, depois, a narrativa da manifestação do
Espírito (At. 2,2-4). O Espírito é apresentado como “a força de Deus”, através
de dois símbolos: o vento de tempestade e o fogo. São os símbolos da revelação
de Deus no Sinai, quando Deus deu ao Povo a Lei e constituiu Israel como Povo
de Deus (cf. Ex. 19,16.18; Dt. 4,36). Estes símbolos evocam a força
irresistível de Deus, que vem ao encontro do homem, comunica com o homem e que,
dando ao homem o Espírito, constitui a comunidade de Deus.
O Espírito (força de Deus) é apresentado em forma
de língua de fogo. A língua não é somente a expressão da identidade cultural de
um grupo humano, mas é também a maneira de comunicar, de estabelecer laços
duradouros entre as pessoas, de criar comunidade. “Falar outras línguas” é
criar relações, é a possibilidade de superar o gueto, o egoísmo, a divisão, o
racismo, a marginalização… Aqui, temos o reverso de Babel (cf. Gn. 11,1-9): lá,
os homens escolheram o orgulho, a ambição desmedida que conduziu à separação e
ao desentendimento; aqui, regressa-se à unidade, à relação, à construção de uma
comunidade capaz do diálogo, do entendimento, da comunicação. É o surgimento de
uma humanidade unida, não pela força, mas pela partilha da mesma experiência
interior, fonte de liberdade, de comunhão, de amor. A comunidade messiânica é a
comunidade onde a ação de Deus (pelo Espírito) modifica profundamente as
relações humanas, levando à partilha, à relação, ao amor.
É neste enquadramento que devemos entender os
efeitos da manifestação do Espírito (cf. At. 2,5-13): todos “os ouviam
proclamar na sua própria língua as maravilhas de Deus”. O elenco dos povos
convocados e unidos pelo Espírito atinge representantes de todo o mundo antigo,
desde a Mesopotâmia, passando por Canaã, pela Ásia Menor, pelo norte de África,
até Roma: a todos deve chegar a proposta libertadora de Jesus, que faz de todos
os povos uma comunidade de amor e de partilha. A comunidade de Jesus é assim
capacitada pelo Espírito para criar a nova humanidade, a anti-Babel. A
possibilidade de ouvir na própria língua “as maravilhas de Deus” outra coisa
não é do que a comunicação do Evangelho, que irá gerar uma comunidade
universal. Sem deixarem a sua cultura e as suas diferenças, todos os povos
escutarão a proposta de Jesus e terão a possibilidade de integrar a comunidade
da salvação, onde se fala a mesma língua e onde todos poderão experimentar esse
amor e essa comunhão que tornam povos tão diferentes, irmãos. O essencial passa
a ser a experiência do amor que, no respeito pela liberdade e pelas diferenças,
deve unir todas as nações da terra.
O Pentecostes dos “Actos” é, podemos dizê-lo, a
página programática da Igreja e anuncia aquilo que será o resultado da ação das
“testemunhas” de Jesus: a humanidade nova, a anti-Babel, nascida da ação do
Espírito, onde todos serão capazes de comunicar e de se relacionar como irmãos,
porque o Espírito reside no coração de todos como lei suprema, como fonte de
amor e de liberdade.
ATUALIZAÇÃO
• Temos, neste texto, os elementos essenciais que
definem a Igreja: uma comunidade de irmãos reunidos por causa de Jesus, animada
pelo Espírito do Senhor ressuscitado e que testemunha na história o projeto
libertador de Jesus. Desse testemunho resulta a comunidade universal da
salvação, que vive no amor e na partilha, apesar das diferenças culturais e
étnicas. A Igreja de que fazemos parte é uma comunidade de irmãos que se amam,
apesar das diferenças? Está reunida por causa de Jesus e à volta de Jesus? Tem
consciência de que o Espírito está presente e que a anima? Testemunha, de forma
efetiva e coerente, a proposta libertadora que Jesus deixou?
• Nunca será demais realçar o papel do Espírito na
tomada de consciência da identidade e da missão da Igreja… Antes do Pentecostes,
tínhamos apenas um grupo fechado dentro de quatro paredes, incapaz de superar o
medo e de arriscar, sem a iniciativa nem a coragem do testemunho; depois do
Pentecostes, temos uma comunidade unida, que ultrapassa as suas limitações
humanas e se assume como comunidade de amor e de liberdade. Temos consciência
de que é o Espírito que nos renova, que nos orienta e que nos anima? Damos
suficiente espaço à ação do Espírito, em nós e nas nossas comunidades?
• Para se tornar cristão, ninguém deve ser espoliado
da própria cultura: nem os africanos, nem os europeus, nem os sul-americanos,
nem os negros, nem os brancos; mas todos são convidados, com as suas
diferenças, a acolher esse projeto libertador de Deus, que faz os homens
deixarem de viver de costas voltadas, para viverem no amor. A Igreja de que
fazemos parte é esse espaço de liberdade e de fraternidade? Nela todos
encontram lugar e são acolhidos com amor e com respeito – mesmo os de outras
raças, mesmo aqueles de quem não gostamos, mesmo aqueles que não fazem parte do
nosso círculo, mesmo aqueles que a sociedade marginaliza e afasta?
2ª leitura - AMBIENTE
A comunidade cristã de Corinto era viva e
fervorosa, mas não era uma comunidade exemplar no que diz respeito à vivência
do amor e da fraternidade: os partidos, as divisões, as contendas e rivalidades
perturbavam a comunhão e constituíam um contra-testemunho. As questões à volta
dos “carismas” (dons especiais concedidos pelo Espírito a determinadas pessoas
ou grupos para proveito de todos) faziam-se sentir com especial acuidade: os
detentores desses dons carismáticos consideravam-se os “escolhidos” de Deus,
apresentavam-se como “iluminados” e assumiam com freqüência atitudes de
autoritarismo e de prepotência que não favorecia a fraternidade e a liberdade;
por outro lado, os que não tinham sido dotados destes dons eram desprezados e
desclassificados, considerados quase como “cristãos de segunda”, sem vez nem
voz na comunidade.
Paulo não pode ignorar esta situação. Na primeira
carta aos Coríntios, ele corrige, admoesta, dá conselhos, mostra a incoerência
destes comportamentos, incompatíveis com o Evangelho. No texto que nos é
proposto, Paulo aborda a questão dos “carismas”.
MENSAGEM
Em primeiro lugar, Paulo acha que é preciso saber
ajuizar da validade dos dons carismáticos, para que não se fale em “carismas” a
propósito de comportamentos que pretendem apenas garantir os privilégios de
certas figuras. Segundo Paulo, o verdadeiro “carisma” é o que leva a confessar
que “Jesus é o Senhor” (pois não pode haver oposição entre Cristo e o Espírito)
e que é útil para o bem da comunidade.
De resto, é preciso que os membros da comunidade
tenham consciência de que, apesar da diversidade de dons espirituais, é o mesmo
Espírito que atua em todos; que apesar da diversidade de funções, é o mesmo
Senhor Jesus que está presente em todos; que apesar da diversidade de ações, é
o mesmo Deus que age em todos. Não há, portanto, “cristãos de primeira” e
“cristãos de segunda”. O que é importante é que os dons do Espírito resultem no
bem de todos e sejam usados – não para melhorar a própria posição ou o próprio
“ego” – mas para o bem de toda a comunidade.
Paulo conclui o seu raciocínio comparando a
comunidade cristã a um “corpo” com muitos membros. Apesar da diversidade de
membros e de funções, o “corpo” é um só. Em todos os membros circula a mesma
vida, pois todos foram batizadas num só Espírito e “beberam” um único Espírito.
O Espírito é, pois, apresentado como Aquele que
alimenta e que dá vida ao “corpo de Cristo”; dessa forma, Ele fomenta a coesão,
dinamiza a fraternidade e é o responsável pela unidade desses diversos membros
que formam a comunidade.
ATUALIZAÇÃO
• Temos todos consciência de que somos membros de
um único “corpo” – o corpo de Cristo – e é o mesmo Espírito que nos alimenta,
embora desempenhemos funções diversas (não mais dignas ou mais importantes, mas
diversas). No entanto, encontramos, com alguma freqüência, cristãos com uma
consciência viva da sua superioridade e da sua situação “à parte” na comunidade
(seja em razão da função que desempenham, seja em razão das suas “qualidades”
humanas), que gostam de mandar e de fazer-se notar. Às vezes, vêem-se atitudes
de prepotência e de autoritarismo por parte daqueles que se consideram
depositários de dons especiais; às vezes, a Igreja continua a dar a impressão –
mesmo após o Vaticano II – de ser uma pirâmide no topo da qual há uma elite que
preside e toma as decisões e em cuja base está o rebanho silencioso, cuja
função é obedecer. Isto faz algum sentido, à luz da doutrina que Paulo expõe?
• Os “dons” que recebemos não podem gerar conflitos
e divisões, mas devem servir para o bem comum e para reforçar a vivência
comunitária. As nossas comunidades são espaços de partilha fraterna, ou são
campos de batalha onde se digladiam interesses próprios, atitudes egoístas,
tentativas de afirmação pessoal?
• É preciso ter consciência da presença do
Espírito: é Ele que alimenta, que dá vida, que anima, que distribui os dons
conforme as necessidades; é Ele que conduz as comunidades na sua marcha pela
história. Ele foi distribuído a todos os crentes e reside na totalidade da
comunidade. Temos consciência da presença do Espírito e procuramos ouvir a sua
voz e perceber as suas indicações? Temos consciência de que, pelo fato de
desempenharmos esta ou aquela função, não somos as únicas vozes autorizadas a
falar em nome do Espírito?
Evangelho - AMBIENTE
Proclamação do Evangelho de Jesus Cristo segundo João.
20 19 Na tarde do mesmo dia, que era o primeiro da semana, os discípulos tinham fechado as portas do lugar onde se achavam, por medo dos judeus. Jesus veio e pôs-se no meio deles. Disse-lhes ele: "A paz esteja convosco!"
20 Dito isso, mostrou-lhes as mãos e o lado. Os discípulos alegraram-se ao ver o Senhor.
21 Disse-lhes outra vez: "A paz esteja convosco! Como o Pai me enviou, assim também eu vos envio a vós".
22 Depois dessas palavras, soprou sobre eles dizendo-lhes: "Recebei o Espírito Santo.
23 Àqueles a quem perdoardes os pecados, ser-lhes-ão perdoados; àqueles a quem os retiverdes, ser-lhes-ão retidos".
Palavra da Salvação.
20 19 Na tarde do mesmo dia, que era o primeiro da semana, os discípulos tinham fechado as portas do lugar onde se achavam, por medo dos judeus. Jesus veio e pôs-se no meio deles. Disse-lhes ele: "A paz esteja convosco!"
20 Dito isso, mostrou-lhes as mãos e o lado. Os discípulos alegraram-se ao ver o Senhor.
21 Disse-lhes outra vez: "A paz esteja convosco! Como o Pai me enviou, assim também eu vos envio a vós".
22 Depois dessas palavras, soprou sobre eles dizendo-lhes: "Recebei o Espírito Santo.
23 Àqueles a quem perdoardes os pecados, ser-lhes-ão perdoados; àqueles a quem os retiverdes, ser-lhes-ão retidos".
Palavra da Salvação.
Este texto situa-nos no cenáculo, no próprio dia da
ressurreição. Apresenta-nos a comunidade da nova aliança, nascida da ação
criadora e vivificadora do Messias. No entanto, esta comunidade ainda não se
encontrou com Cristo ressuscitado e ainda não tomou consciência das implicações
da ressurreição. É uma comunidade fechada, insegura, com medo… Necessita de
fazer a experiência do Espírito; só depois, estará preparada para assumir a sua
missão no mundo e dar testemunho do projeto libertador de Jesus.
Nos “Atos”, Lucas narra a descida do Espírito sobre
os discípulos no dia do Pentecostes, cinqüenta dias após a Páscoa (sem dúvida
por razões teológicas e para fazer coincidir a descida do Espírito com a festa
judaica do Pentecostes, a festa do dom da Lei e da constituição do Povo de
Deus); mas João situa no anoitecer do dia de Páscoa a recepção do Espírito
pelos discípulos.
MENSAGEM
João começa por pôr em relevo a situação da
comunidade. O “anoitecer”, as “portas fechadas”, o “medo” (v. 19a), são o
quadro que reproduz a situação de uma comunidade desamparada no meio de um
ambiente hostil e, portanto, desorientada e insegura. É uma comunidade que
perdeu as suas referências e a sua identidade e que não sabe, agora, a que se
agarrar.
Entretanto, Jesus aparece “no meio deles” (vers.
19b). João indica desta forma que os discípulos, fazendo a experiência do
encontro com Jesus ressuscitado, redescobriram o seu centro, o seu ponto de
referência, a coordenada fundamental à volta do qual a comunidade se constrói e
toma consciência da sua identidade. A comunidade cristã só existe de forma
consistente se está centrada em Jesus ressuscitado.
Jesus começa por saudá-los, desejando-lhes “a paz”
(“shalom”, em hebraico). A “paz” é um dom messiânico; mas, neste
contexto, significa, sobretudo, a transmissão da serenidade, da tranqüilidade,
da confiança que permitirão aos discípulos superar o medo e a insegurança: a
partir de agora, nem o sofrimento, nem a morte, nem a hostilidade do mundo
poderão derrotar os discípulos, porque Jesus ressuscitado está “no meio deles”.
Em seguida, Jesus “mostrou-lhes as mãos e o lado”.
São os “sinais” que evocam a entrega de Jesus, o amor total expresso na cruz. É
nesses “sinais” (na entrega da vida, no amor oferecido até à última gota de
sangue) que os discípulos reconhecem Jesus. O fato de esses “sinais”
permanecerem no ressuscitado, indica que Jesus será, de forma permanente, o
Messias cujo amor se derramará sobre os discípulos e cuja entrega alimentará a
comunidade.
Vem, depois, a comunicação do Espírito. O gesto de
Jesus de soprar sobre os discípulos reproduz o gesto de Deus ao comunicar a
vida ao homem de argila (João utiliza, aqui, precisamente o mesmo verbo do
texto grego de Gn. 2,7). Com o “sopro” de Deus de Gn. 2,7, o homem tornou-se um
“ser vivente”; com este “sopro”, Jesus transmite aos discípulos a vida nova e
faz nascer o Homem Novo. Agora, os discípulos possuem a vida em plenitude e
estão capacitados – como Jesus – para fazerem da sua vida um dom de amor aos
homens. Animados pelo Espírito, eles formam a comunidade da nova aliança e são
chamados a testemunhar – com gestos e com palavras – o amor de Jesus.
Finalmente, Jesus explicita qual a missão dos
discípulos (v. 23): a eliminação do pecado. As palavras de Jesus não significam
que os discípulos possam ou não – conforme os seus interesses ou a sua
disposição – perdoar os pecados. Significam, apenas, que os discípulos são
chamados a testemunhar no mundo essa vida que o Pai quer oferecer a todos os
homens. Quem aceitar essa proposta será integrado na comunidade de Jesus; quem
não a aceitar, continuará a percorrer caminhos de egoísmo e de morte (isto é,
de pecado). A comunidade, animada pelo Espírito, será a mediadora desta oferta
de salvação.
ATUALIZAÇÃO
• A comunidade cristã só existe de forma
consistente, se está centrada em Jesus. Jesus é a sua identidade e a sua razão
de ser. É n’Ele que superamos os nossos medos, as nossas incertezas, as nossas
limitações, para partirmos à aventura de testemunhar a vida nova do Homem Novo.
As nossas comunidades são, antes de mais, comunidades que se organizam e
estruturam à volta de Jesus? Jesus é o nosso modelo de referência? É com Ele
que nos identificamos, ou é num qualquer ídolo de pés de barro que procuramos a
nossa identidade? Se Ele é o centro, a referência fundamental, têm algum
sentido as discussões acerca de coisas não essenciais, que às vezes dividem os
crentes?
• Identificar-se como cristão significa dar
testemunho diante do mundo dos “sinais” que definem Jesus: a vida dada, o amor
partilhado. É esse o testemunho que damos? Os homens do nosso tempo, olhando
para cada cristão ou para cada comunidade cristã, podem dizer que encontram e
reconhecem os “sinais” do amor de Jesus?
• As comunidades construídas à volta de Jesus são
animadas pelo Espírito. O Espírito é esse sopro de vida que transforma o barro
inerte numa imagem de Deus, que transforma o egoísmo em amor partilhado, que
transforma o orgulho em serviço simples e humilde… É Ele que nos faz vencer os
medos, superar as covardias e fracassos, derrotar o ceticismo e a desilusão,
reencontrar a orientação, readquirir a audácia profética, testemunhar o amor,
sonhar com um mundo novo. É preciso ter consciência da presença contínua do
Espírito em nós e nas nossas comunidades e estar atentos aos seus apelos, às
suas indicações, aos seus questionamentos.
P. Joaquim Garrido, P. Manuel Barbosa, P. José Ornelas Carvalho
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