Jesus Cristo veio para trazer-nos a luz da vida, mas, de nossa parte, também é preciso querer sair da escuridão das trevas.
"Quem me segue não andará em trevas, mas terá a luz da vida" (Jo 8, 12). Com essas palavras de Nosso Senhor se inicia a famosa obra, atribuída a Tomás de Kempis, Imitação de Cristo.
Sobreditas palavras podem ser subestimadas por quem as lê. Algumas
frases dos Evangelhos já foram tão escutadas por nós que acabamos não
lhes dando a devida atenção. Tudo o que diz o Autor Sagrado, no entanto,
é de uma profundidade que precisamos aprender a penetrar, para nosso
próprio proveito espiritual.
Depois do advento da energia elétrica e de tantas revoluções
tecnológicas, talvez tenhamos perdido um pouco do significado literal de
"andar em trevas". Para reproduzir a experiência, talvez seja
necessário ir para uma chácara, onde não existem postes de iluminação, e
fixar o olhar em direção ao breu que cobre o matagal. Quem viaja à
noite de avião também consegue ter alguma ideia do que seja "andar em
trevas", se olha pela janela e percebe quantas regiões mais distantes
das cidades estão simplesmente "apagadas". É por essa e por outras que
as pessoas que moram na zona rural tendem a ir para a cama mais cedo.
Apagadas as luzes do astro solar e adensadas as trevas ao redor, nada
mais natural que fechar os olhos e dormir. (Muito embora, se você mora
em um sítio e está lendo esse texto, certamente está sendo iluminado
pela tela do seu celular ou do seu computador.)
A experiência da luz e das trevas exteriores, no entanto, são apenas um
recurso de que Nosso Senhor se serve para iluminar as mentes e os
corações dos homens. Que estejamos sob as luzes da cidade ou sob o breu
de uma fazenda, pouco importa, contanto que tenhamos "a luz da vida".
Para apreciar com o devido cuidado o que seja a "luz da vida", é
preciso entender o que significa para a alma humana o seu contrário — as
trevas da morte. O autor da
Imitação, ainda comentando o versículo do Evangelho de São
João, diz que, pelas palavras de Cristo, "somos admoestados à imitação
de sua vida e de seus costumes, se queremos ser verdadeiramente iluminados e livres de toda cegueira de coração"
[1]. Primeiro, portanto, estávamos nas trevas e na cegueira de coração,
e só depois veio o Cristo para nos livrar das duas coisas. Antes o ser
humano experimentou o mal da doença para que, depois, Jesus viesse lhe
trazer o remédio.
Entendamos, então, o que quer dizer "ser iluminado" (illuminari) e "ser livre de toda cegueira de coração" (omni caecitate cordis liberari).
A luz está para os olhos do corpo assim como Cristo está para os olhos
da alma. E que são os olhos da alma, senão a inteligência, por meio da
qual conhecemos a Verdade? Santo Tomás de Aquino, ao comentar as
palavras de Jesus, "A vida eterna consiste em
que conheçam a Ti, único Deus verdadeiro" (Jo 17, 3), afirma que "a bem-aventurança do homem consiste no conhecimento de Deus,
que é um ato do intelecto" [2]. "Ser iluminado", portanto, nada mais é
do que conhecer a Deus. Assim, o primeiro mal de que veio nos livrar o
Salvador foi a ignorância, razão pela qual dizia o profeta Oséias: "O meu povo se perde por falta de conhecimento" (Os 4, 6).
Há, no entanto, um mal maior do que esse, que é a "cegueira do
coração". O órgão do coração sempre esteve ligado à virtude da caridade.
É por esse motivo, por exemplo, que a Igreja presta culto de adoração
ao Sagrado Coração de Jesus: existe nele "um símbolo e uma imagem
sensível do infinito amor de Jesus Cristo que nos move a amar-nos uns
aos outros" [3]. O amor, por sua vez, reside na vontade. Jesus Cristo
também veio nos livrar, portanto, da
malícia, e é muito fácil demonstrar por que essa cegueira é ainda pior do que as trevas da inteligência.
Tomemos o exemplo de um homem que mora na China e que nunca ouviu falar
de Cristo, mas, mesmo assim, procura cumprir por obras a vontade de
Deus, "conhecida por meio do ditame da consciência". O Catecismo ensina
que essa pessoa pode conseguir a salvação eterna [4]. Ele é ignorante,
mas pode ser salvo por sua boa vontade. Ao contrário, se uma pessoa
conhece a Deus mas teima obstinadamente em viver no pecado, é fácil
prever qual será o seu destino eterno. O seu conhecimento não lhe serviu
de nada, porque a sua vontade é má. Aplica-se a ela aquelas (duras)
palavras da Carta aos Hebreus, que diz que tais pessoas "
crucificam novamente o Filho de Deus e o expõem a injúrias" (Hb 6, 6).
O Doutor Angélico sugere a mesma ideia
quando fala, na Suma Teológica, sobre o pecado do ódio.
Uma das objeções a que ele responde é a seguinte: parece que o infiel,
que não conhece a Deus, está mais afastado d'Ele do que o crente que O
odeia, porque esse pelo menos O conhece. O santo, todavia, rebate
dizendo que "a própria infidelidade não é culpável senão na medida em
que é voluntária" [5], ou seja, a ignorância só é culposa se uma pessoa
tinha as condições de conhecer a Verdade e, mesmo assim, não o fez.
Aqui, as próprias trevas da inteligência não parecem tão densas quanto
as da malícia humana.
Muito pior do que a cegueira da mente, portanto, é a cegueira do coração, da pessoa que
não quer conhecer a Deus, não quer correr atrás das verdades da fé, não quer cumprir os Mandamentos, não quer
buscar a vida de santidade. Um comportamento desse tipo pode muito bem
ser comparado a uma "depressão espiritual", porque imobiliza o doente, a
ponto de fazê-lo recusar o remédio que, uma vez tomado, o levaria à
cura. Para continuar na analogia da luz e das trevas, seria mais ou
menos como um cego que não quer enxergar — como um Bartimeu que, ouvindo
de Cristo a pergunta, "Que queres que eu te faça?" (Mc 10,
51), respondesse, dando de ombros: "Nada, eu nasci assim", ou "Nada, eu
sou assim mesmo e quero continuar do jeito que estou".
Contra esse mal terrível — que alguns chamam de "síndrome da Gabriela" — só existe um remédio:
querer! Como é Deus mesmo quem inspira em nós o querer e o fazer (cf. Fl 2, 13), peçamos a Ele a graça de querer conhecê-Lo, querer buscá-Lo, querer mudar de vida, querer amá-Lo! Nada pode ser tão trágico quanto um cego que não quer ver.
Por Equipe Christo Nihil Praeponere
Sugestão
- RC. 197. Ainda vale a pena ler "A Imitação de Cristo"?
Referências
- Imitação de Cristo, I, 1, 1.
- Suma Teológica, I-II, q. 3, a. 4.
- Papa Leão XIII, Carta Encíclica Annum Sacrum (25 de maio de 1899), n. 8.
- Catecismo da Igreja Católica, n. 847.
- Suma Teológica, II-II, q. 34, a. 2, ad 2.
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