UM LEITOR ANÔNIMO enviou-nos algumas questões interessantes, no seguinte comentário ao post "A morte, o Juízo Particular e o Juízo Final":
“O texto é bem esclarecedor, como todos os artigos deste blog. Parabéns pelo excelente trabalho. Porém, gostaria que, se possível, uma dúvida minha fosse sanada, relacionada à uma objeção apresentada ontem por um protestante. Em diversos artigos postados em sites católicos, notei que o relato do "bom ladrão", situado em Lucas 23,39-43, é utilizado como prova de que a alma permanece inconsciente após a morte. Porém, me foram apresentadas três objeções:
1- A Bíblia diz que Jesus estabelecerá o seu Reino no fim dos tempos. Portanto, o relato é uma promessa futura, e não imediata.
2- O Evangelho narra que os soldados quebraram as pernas dos malfeitores, mas não as de Jesus, pois ele já estava morto. Portanto, o ladrão estava ainda vivo, o que atesta que tal promessa ocorrerá no futuro somente.
3- Jesus ressuscitou ao terceiro dia, e diz que não havia subido ao Pai. Portanto, seria impossível que o termo "hoje" fosse empregado no sentido defendido pelos católicos.
Gostaria de uma resposta. Obrigado!"
Em primeiro lugar, agradecemos ao leitor pelas gentis e encorajadoras
palavras. Nosso único objetivo com este trabalho é o de contribuir, –
não na medida de nossas estreitas capacidades, mas pela Graça do Bom
Deus, – no esclarecimento da fé católica aos que a buscam.
A tradição deu ao "bom ladrão" o nome Dimas |
Isto posto, devo dizer que não estudei nada diretamente relacionado a
estes temas muito específicos que você propõe. Em todo caso, preciso
dizer que não vejo aí dificuldade alguma, pois o que estudei e aprendi é
mais que suficiente para dissolver os aparentes problemas. Vejamos
então as suas questões, uma por vez.
A Bíblia diz que Jesus estabelecerá o seu Reino no fim dos tempos; logo, o relato é uma promessa futura e não imediata
Como eu sempre digo por aqui, e como todo católico deve saber (e ter
sempre essa resposta 'na ponta da língua', para dá-la a quem
questioná-lo), as Sagradas Escrituras precisam ser compreendidas no
todo, no seu conjunto, e este conjunto precisa convergir, tem que ser
coeso. Se assim não fosse, não poderíamos crer nelas como divinamente
inspiradas, pois o Espírito de Deus não poderia dizer algo numa passagem
e contrariá-lo em alguma outra.
Muito bem. A partir daí, é sempre muito fácil responder ao protestante
que acena com uma passagem bíblica que lhe parece dizer determinada
coisa, usando uma outra passagem bíblica que demonstra uma realidade
diferente. Por isso é que devemos, enquanto católicos, "criarmos
vergonha na cara" e começarmos a estudar mais as Sagradas Escrituras, e
com mais empenho e interesse. O católico comum, via de regra, parece ter
pouco interesse na compreensão da própria fé, atendo-se a uma
religiosidade mais prática e afetiva, ligada ao sentimento mas não à
razão. A razão, entretanto, não é estranha à fé, porque procede da mesma
Verdade Eterna (Deus), como ensinou o titã da fé Santo Tomás de Aquino.
Fé e razão, portanto, não devem andar separadas: são como que as duas
"pernas" da alma no Caminho da salvação. Se usarmos apenas uma perna,
vamos mancando neste longo Caminho, e o nosso avanço será lento...
Certamente nos atrasaremos, se é que conseguiremos chegar ao final.
Estudemos mais a Bíblia, meus irmãos católicos! Se os "cursos livres" oferecidos pelas nossas paróquias e mesmo boa parte das publicações populares atuais são fracos e até inconsistentes com a autêntica fé católica, pesquisem por si mesmos, procurem ajuda, esforcem-se! Um primeiro bom passo na direção certa, que eu aconselho, é adquirir um exemplar da Bíblia de Jerusalém e ler um capítulo por dia (ou um a cada dois ou três dias, ou pelo menos um por semana, conforme a disponibilidade de cada um), lendo também e com muita atenção as introduções e as notas de rodapé; compre um caderno, faça anotações, consulte o dicionário, aprofunde a pesquisa na internet... E reze! Suplique a Luz do Espírito Santo, com fé, amor e confiança antes de cada sessão de estudos. – Garanto que isto será de mais valia do que a conclusão de muitos "cursos" que hoje se oferecem por aí. Acredite: com boa vontade se progride muito!
Estudemos mais a Bíblia, meus irmãos católicos! Se os "cursos livres" oferecidos pelas nossas paróquias e mesmo boa parte das publicações populares atuais são fracos e até inconsistentes com a autêntica fé católica, pesquisem por si mesmos, procurem ajuda, esforcem-se! Um primeiro bom passo na direção certa, que eu aconselho, é adquirir um exemplar da Bíblia de Jerusalém e ler um capítulo por dia (ou um a cada dois ou três dias, ou pelo menos um por semana, conforme a disponibilidade de cada um), lendo também e com muita atenção as introduções e as notas de rodapé; compre um caderno, faça anotações, consulte o dicionário, aprofunde a pesquisa na internet... E reze! Suplique a Luz do Espírito Santo, com fé, amor e confiança antes de cada sessão de estudos. – Garanto que isto será de mais valia do que a conclusão de muitos "cursos" que hoje se oferecem por aí. Acredite: com boa vontade se progride muito!
Retomando a linha de raciocínio nesta resposta, eu desafiaria este
protestante que o questiona, anônimo, a mostrar onde e quando é que
Jesus falou, assim tão categoricamente, do Reino dos Céus como um evento
futuro. Esta é uma interpretação particular dada como certa, já que os
Evangelhos dizem muito claramente:
“Interrogado pelos fariseus sobre quando havia de vir o Reino de Deus, (Jesus) respondeu-lhes, e disse: O Reino de Deus não vem com aparência exterior. Nem dirão: 'Ei-lo aqui', ou: 'Ei-lo ali'; porque eis que o Reino de Deus está entre vós'." (Lc 17, 20-21)
O Senhor não diz que o Reino de Deus virá num futuro distante,
mas sim que já está presente, como uma realidade já atuante. Ainda mais
interessante é lembrar que outra tradução perfeitamente possível (usada
em algumas versões) para o texto original em grego (ἐντὸς ὑμῶν) é: "O
Reino de Deus está dentro de vós".
Vemos então que esta primeira contestação parte de uma confusão entre o
Reino de Deus ou Reino dos Céus, propriamente dito, e o advento do Dia
do Juízo, quando o Reino de Deus será definitivamente consumado e
consolidado, para todas as almas e definitivamente. O Reino de Deus é
uma realidade; o dia do Juízo Final, no qual o mesmo Reino se tornará
tudo em todos, é outra.
O Evangelho narra que os soldados quebraram as pernas dos malfeitores, mas não as de Jesus, pois ele já estava morto. Portanto, o ladrão estava ainda vivo, o que atesta que tal promessa ocorrerá no futuro somente
Quanto a esta segunda objeção, com toda a honestidade e humildade, devo
dizer que não merece sequer ser considerada, porque é totalmente
desprovida de sentido. Quem foi que disse que, para que a promessa de
Cristo fosse cumprida, os dois (o Senhor e o ladrão) teriam que morrer
juntos, no mesmo instante? Ou que o Senhor precisaria morrer depois? O
fato de Jesus ter morrido primeiro invalidaria a sua promessa? Por
quê? Tolice pura e mais nada, passemos a próxima questão porque não
temos tempo a perder.
Jesus ressuscitou ao terceiro dia, e diz que não havia subido ao Pai. Portanto, seria impossível que o termo 'hoje' fosse empregado no sentido defendido pelos católicos
Quanto a esta terceira objeção, creio que já está bem respondida nesta mesma postagem ('A morte, o Juízo Particular e o Juízo Final').
Ora, como visto ali, o tempo de Deus não é o nosso tempo e, como
dissemos no seu último parágrafo, a partir da perspectiva da eternidade
não existe ondem nem amanhã, mas apenas o eterno "hoje", o eterno
"agora".
Aliás, é exatamente esta perspectiva que explica e torna possível uma outra questão teológica considerada das mais difíceis para a nossa razão: a existência do Inferno. Por não haver "amanhã" é que aquelas almas jamais alcançarão o perdão. Não é que sofrerão "para sempre", numa sucessão de dias e noites, sem jamais obter a misericórdia divina. É que por terem adentrado a eternidade como inimigas de Deus, por sua decisão consciente, aquelas almas permanecerão nesta mesma condição no infinito "hoje" que é a eternidade, num lugar ou realidade onde não há tempo e, por isso mesmo, para elas não haverá a esperança de um amanhã melhor. Não há tempo, não haverá amanhã.
Ao contrário, mas da mesma maneira, para os que merecerem o Céu não haverá a possibilidade de novas tentações e quedas num "amanhã" incerto. Viveremos (valha-nos Deus!) numa realidade perene de bem-aventurança sem fim, na plenitude do Amor divino.
Aliás, é exatamente esta perspectiva que explica e torna possível uma outra questão teológica considerada das mais difíceis para a nossa razão: a existência do Inferno. Por não haver "amanhã" é que aquelas almas jamais alcançarão o perdão. Não é que sofrerão "para sempre", numa sucessão de dias e noites, sem jamais obter a misericórdia divina. É que por terem adentrado a eternidade como inimigas de Deus, por sua decisão consciente, aquelas almas permanecerão nesta mesma condição no infinito "hoje" que é a eternidade, num lugar ou realidade onde não há tempo e, por isso mesmo, para elas não haverá a esperança de um amanhã melhor. Não há tempo, não haverá amanhã.
Ao contrário, mas da mesma maneira, para os que merecerem o Céu não haverá a possibilidade de novas tentações e quedas num "amanhã" incerto. Viveremos (valha-nos Deus!) numa realidade perene de bem-aventurança sem fim, na plenitude do Amor divino.
Assim, o "ainda hoje" de Jesus Cristo demonstra com clareza que, logo
após a morte física, o "bom ladrão" e Jesus estão juntos, sim, de um
modo que não somos capazes de compreender a partir do intelecto
meramente humano, em um nível e numa existência que agora não podemos
inteligir. Após esta vida, não estaremos mais limitados pela nossa atual
experiência e noção do tempo (passado, presente, futuro), mas viveremos
sempre no agora sem fim.
Rezamos para que esta reposta possa ajudar, a tantos quantos queira Deus, a compreender algo de sua Glória infinita.
Fiel Catolico
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