As últimas conversas de Santa Terezinha antes de sua morte, Publicado em Artigos da Montfort.
A publicação dos relatos dos últimos dias de Santa Teresa do Menino Jesus e da Sagrada Face procura dar a conhecer algo daquela que São Pio X chamou “a maior santa dos tempos modernos”.
Amilton Lagos
Introdução
Santa Teresa do Menino Jesus e da Sagrada Face, popularmente conhecida como Santa Terezinha, é conhecida principalmente pela sua grande obra “A História de uma Alma” onde conta sua vida e suas reflexões religiosas. Neste artigo, reproduziremos alguns trechos dos textos recolhidos em um “carnê amarelo” (retirado das “Oeuvres complètes de sainte Thèrese de Lisieux”) com as conversas que as carmelitas tiveram com Santa Terezinha certo tempo antes de sua morte, quando já se tinha detectado a presença da tuberculose, que não possuía tratamento na época, assim como o relato de seus últimos momentos.
As irmãs carmelitas já percebiam que Santa Terezinha tinha um comportamento acima da média e, por isso, aproveitavam as oportunidades que tinham para conversar com a irmã doente para tentar obter algo de edificante para si mesmas. Santa Terezinha não podia falar muito (para não se fatigar e agravar a doença), deste modo cada pequena conversa corresponde a um dia determinado.
Pequenas pérolas da pequena Teresa
Sua resignação à vontade de Deus transparece claramente nos seus pensamentos, quando diz, no dia 15 de maio do ano de seu falecimento (1897), que gostaria de ir até Hanoï (que ela imaginava como uma ilha longínqua, abandonada de tudo e de todos) para sofrer bastante pelo bom Deus e ficar completamente sozinha sem ter consolação alguma na terra. E quanto à idéia de ser útil nesse lugar, tal não lhe passava pela cabeça, pois considerava que nada de útil haveria para fazer.
Ao perguntarem a Santa Terezinha como ela suportava todas as dores que vinham de sua tuberculose, ela respondia que não conseguia mais sofrer, pois que todo sofrimento lhe era então doce, pois compreendia o porquê do sofrimento (29 de maio).
Ao meditar as frases do livro “Imitação de Cristo”, Santa Terezinha não teme em dizer que Lamennais, personagem que já sabia ter más idéias – na encíclica Mirari Vos de Gregório XVI podemos encontrar algumas de suas idéias liberais condenadas – tinha dito algo de bom ao explicar como Nosso Senhor no Horto das Oliveiras sofria enormemente, mesmo podendo gozar de todas as delícias da Trindade ao mesmo tempo (6 de julho).
Certas irmãs, ansiosas para acharem significações místicas a tudo, buscam prever a data da morte de Santa Terezinha de modo que ela ocorresse numa data especial, uma festa de Nossa Senhora p.ex., mas ela, mais sóbria, dizia: “Corram atrás de datas quanto quiserem, por mim eu não quero mais… já corri muito atrás de datas… ” (9 de julho). Alguns dias mais tarde, no dia 15 de julho, uma irmã lhe diz: “Você morrerá talvez amanhã (festa de Nossa Senhora do Carmelo) após a Comunhão” ao que Santa Terezinha responde: “Oh! Tal não se assemelha à minha pequena via. Eu sairia (do quarto onde estava doente) para morrer? Morrer de amor após a Comunhão é belo demais para mim. As pequenas almas não poderiam imitar isso”.
Ao ajudá-la a se preparar para a confissão, em 8 de julho, e receber a Extrema-Unção, uma irmã a ajuda a lembrar os pecados cometidos por cada sentido do corpo e, ao tratar do olfato, Santa Terezinha mostra a sutileza de sua alma: “Eu me lembro que em minha última viagem de Alençon até Lisieux, eu utilizei uma garrafa de água de Colônia que Madame Tifenne me tinha dado e fiz isso com prazer”.
No dia 13 de julho, algumas irmãs sugerem reunir dinheiro para comprar coroas de rosas para colocarem em Santa Terezinha após sua morte, mas ela, relutante, diz que prefere que tal dinheiro seja gasto para resgatar alguns selvagens na África.
Quanto à generosidade do sofrimento, dizia Santa Terezinha que “seria feliz de suportar os maiores sofrimentos, mesmo que apenas para fazer Deus sorrir uma só vez” (16 de julho).
Sobre o assunto da alimentação do convento, Santa Terezinha conta que lhe serviam um prato que tinha um gosto horrível, mas achavam que ela gostava pois que comia sem reclamar, todavia ela pede, agora que se aproxima da morte, que esse prato não seja dado às outras pobres irmãs, mostrando que para si não se deve fazer caso de tal coisa, mas para servir aos outros se deve buscar dar algo de bom (24 de julho).
Na conversa do dia 25 de julho, Santa Terezinha conta uma história pessoal que lhe ensinou a não dar grande importância ao que os outros acham de nós: “um dia após a minha tomada de hábito, um senhor me vê junto à nossa Madre Superiora e diz: ‘Oh! Como é forte essa moça! Como ela é robusta!’ e eu saí toda humilhada do elogio recebido quando a irmã Madalena me para diante da cozinha e me diz: ‘Mas o que ocorre com você, minha pobre irmãzinha Tereza do Menino Jesus? Você está cada vez mais magra! Se continuar assim, com esse rosto que faz tremer, você não seguirá por muito tempo a regra!’ Após escutar apreciações tão opostas, eu não podia mais dar qualquer importância à opinião das criaturas, seja de elogios, seja de reprovações”. Ainda nesse dia de 25 de julho, uma irmã lhe diz que acabava por desejar a morte de Santa Terezinha para não vê-la mais sofrer tanto ao que responde a Santa: “Não se deve dizer isso, pois sofrer é precisamente o que me agrada na vida”.
Ao falar de suas meditações sobre o Evangelho, Santa Terezinha dizia: “o que me agrada ao pensar na Sagrada Família é de imaginá-la numa vida toda comum. Não tudo aquilo que nos contam, tudo aquilo que supomos. Por exemplo, contam que o Menino Jesus depois de ter petrificado as aves da terra, assoprava sobre elas para lhes dar a vida. Ah! De modo algum! O pequeno Jesus não fazia milagres inúteis desse tipo, mesmo que fosse para agradar a sua Mãe (…) tudo na vida deles ocorria como na nossa. Quanta penas, quantas decepções! Quantas vezes criticavam o bom São José! Quantas vezes recusamos de pagar-lhe seu trabalho! Oh! Como nos espantaríamos ao saber tudo o que ele sofreu!” (20 de agosto). No dia seguinte (21 de agosto), Santa Terezinha continua suas meditações sobre o Evangelho: “para que um sermão sobre a Virgem Maria me agrade e me faça algum bem, é preciso que eu a veja na sua vida real, não na sua vida de suposições; e estou certa que sua vida real devia ser toda simples. Nós a mostramos inalcançável, mas precisaríamos mostrá-la imitável, mostrar suas virtudes, mostrar que ela vivia da fé como nós (…) É bom falar de suas prerogativas, mas não se deve parar nisso, e se ocorrer, em um sermão, de sermos obrigados do começo ao fim a exclamar: ‘Oh! Oh!’, uma hora basta! Quem sabe se alguma alma não irá mesmo até sentir um certo afastamento de uma criatura tão superior e diga ‘Se é assim, então irei brilhar como puder num canto escondido’ O que a Virgem tem a mais que nós, é que ela não podia pecar, que ela era isenta de toda mancha original, mas por outro lado, ela tinha menos sorte que nós, pois que ela não tinha uma Nossa Senhora para amar”.
Em uma alusão a Santa Teresa d’Avila, a Madre Superiora pergunta à Santa Terezinha em 4 de setembro: “Você prefere, apesar de tudo, morrer que a viver?” e ela responde: “Oh minha Mãezinha, eu não prefiro uma coisa ou outra, eu não poderia dizer como nossa mãe Santa Tereza (d’Avila): ‘eu morro por não morrer’. O que o bom Deus preferir e escolher para mim, eis o que me agrada mais.”
No dia 14 de setembro, Santa Terezinha ao perguntarem se preferia escolher agonizar ou não na hora da morte, responde de um modo diferente, mas de mesmo princípio, daquela sua conhecida frase “Eu escolho tudo” dizendo: “Eu não escolheria nada (nem agonizar, nem não agonizar)”.
Últimas horas
Para terminarmos e mostrar como ela edificava todos os que a rodeavam até no último momento de sua vida, traduzimos aqui o relato do seu último dia na terra, numa quinta-feira do dia 30 de setembro de 1897, feito pela irmã Inês de Jesus:
“Durante a manhã eu (irmã Inês) a (Santa Terezinha) vigiava durante a Missa. Ela não me dizia nada. Ela estava esgotada, ofegante; seus sofrimentos, eu presumia, eram inexprimíveis. Num determinado momento, ela juntou as mãos e olhando à estátua da Virgem Maria disse:
- Oh! Eu rezei a ela com grande fervor! Mas é uma agonia pura, sem mistura alguma de consolação.
Eu lhe disse algumas palavras de compaixão e de afeição e acrescentava que ela tinha bem me edificado durante sua convalescência.
- E você, as consolações que tinha me dado! Ah! Como elas são enormes!
Durante todo o dia, sem um instante de trégua, ela permaneceu, podemos dizer sem exageros, sob verdadeiros tormentos. Ela parecia estar no fim de suas forças e, todavia, para nosso espanto, ela podia se mexer, se sentar no seu leito.
- …Veja, nos dizia ela, como tenho forças hoje! Não, eu não vou morrer! Eu ainda tenho forças por vários meses, talvez até mesmo vários anos!
E se o bom Deus o quisesse, diz a Nossa Madre, você o aceitaria?
Ela começou a responder, na sua agonia:
- Seria bem necessário…
Mas se corrigindo na mesma hora, ela diz com um tom de resignação sublime e caindo novamente sobre seu travesseiro:
- Eu quero com certeza!
Eu pude recolher essas exclamações, mas é bem difícil de transmitir o seu tom:
- Eu não creio mais na morte para mim… Eu creio apenas no sofrimento… melhor assim!
- Ó meu Deus!… Eu amo o bom Deus! O minha boa Virgem Maria, venha em meu socorro!
- Se isso é a agonia, o que é então a morte?!…
- Ah! Meu bom Deus!… Sim, ele é muito bom, eu o vejo muito bom…
E olhando para a Virgem Maria:
- Oh! A senhora sabe que estou me sufocando!
Para mim:
- Se você soubesse o que é se sufocar!
O bom Deus vai ajudá-la, minha pobrezinha, e terminará logo mais.
- Sim, mas quando?
- …Meu Deus, tenha piedade de vossa pobre menina! Tenha piedade!
Para Nossa Madre:
- Ó minha Madre, eu vos garanto que o cálice está cheio até a boca!…
- …Mas o bom Deus não vai me abandonar, certamente… …Ele nunca me abandonou.
- …Sim, meu Deus, tudo o que quiser, mas tenha piedade de mim!
- …Minhas irmãzinhas! Minhas irmãzinhas rezem por mim!
- …Meu Deus! Meu Deus! Vós que sois tão bom!!!
- …Oh! Sim, vós sois bom! Eu o sei…
Depois do ofício de Vésperas, Nossa Madre colocou sobre seus joelhos uma imagem de Nossa Senhora do Monte Carmelo. Ela olhou por um instante e disse o quanto Nossa Madre lhe tinha garantido que ela logo mais iria acariciar Nossa Senhora como também o Menino Jesus nessa imagem:
- Ó minha Madre, apresentai-me logo à Virgem Maria, eu sou um bebê que não agüenta mais! … Prepare-me para bem morrer.
Nossa Madre lhe respondeu que tendo sempre compreendido e praticado a humildade, sua preparação já estava feita. Ela refletiu por um instante e pronunciou humildemente essas palavras:
- Sim, me parece que nunca busquei outra coisa senão a verdade; sim, eu compreendi a humildade de coração… parece-me que sou humilde.
Ela repetiu ainda:
- Tudo o que escrevi sobre meus desejo de sofrimento. Oh! É bem verdadeiro!
- Eu não me arrependo de me ter entregado ao Amor.
Com insistência:
- Oh! Não, eu não me arrependo, muito pelo contrário!
Um pouco depois:
- Eu nunca teria crido que era possível sofrer tanto [nota: nunca aplicamos nela injeção alguma de morfina]! Nunca! Nunca! Eu não posso compreender tal coisa senão pelos desejos ardentes que tive de salvar as almas.
Por volta das 5 horas, eu estava sozinha perto dela. Seu rosto mudou de repente, compreendi que era a última agonia. Quando a Comunidade entrou na enfermaria, ela acolheu todas as irmãs com um doce sorriso. Ela segurava seu Crucifixo e o olhava constantemente. Durante mais de duas horas, a respiração rouca arranhava seu peito. Seu rosto estava congestionado, suas mãos roxas, ela tinha os pés congelados e tremia todos seus membros. Um suor abundante caia em gotas enormes sobre seu rosto e inundava suas bochechas. Ela estava sob uma opressão cada vez maior e lançava às vezes pequenos gritos involuntários para respirar.
Durante esse tempo tão cheio de agonia para nós, escutávamos pela janela – e eu sofria bastante – o canto de vários pássaros, mas tão fortemente, de tão perto e durante tanto tempo! Eu rezava para o bom Deus de os fazer calar, esse concerto me perfurava o coração e tinha medo que ele cansasse nossa Terezinha.
Durante outro momento, ela parecia ter a boca tão ressecada que a irmã Genevieve, achando que a aliviaria, lhe colocava nos lábios um pequeno pedaço de gelo.Ela o aceitou lhe fazendo um sorriso que nunca me esquecerei. Era como um supremo adeus.
Às 6 horas o Angelus soou, ela olhou longamente para a estátua da Virgem Maria.
Enfim, às 7 horas e pouco, Nossa Madre tendo despedido a Comunidade, ela suspirou:
- Minha Madre!? Não é isso a agonia?… Não irei morrer?…
Sim, minha pobrezinha, é a agonia, mas o bom Deus quer talvez prolongá-la por algumas horas. Ela retoma com coragem:
- Ora bem!… Vamos!… Vamos!… Oh! Eu não quereria sofrer menos tempo…
E olha seu Crucifixo:
- Oh! Eu o amo!…………………………. Meu Deus… Eu vos amo………………………….
De uma hora para outra, após ter pronunciado essas palavras, ela caiu suavemente para trás, com a cabeça inclinada para a direita. Nossa Madre fez soar imediatamente o sino da enfermaria para chamar a Comunidade. “Abram-se todas as portas” dizia a Madre no mesmo instante. Essas palavras tinha algo de solene, e me fizeram pensar que no Céu o bom Deus o dizia também a seus anjos.
As irmãs tiveram o tempo de se ajoelhar em torno do leito e foram testemunhas do êxtase da pequena Santa que morria. Seu rosto tinha tomado a cor de uma flor-de-lis que tinha quando em plena saúde, seus olhos estavam fixados no alto, brilhantes de paz e de alegria. Ela fazia alguns movimentos de cabeça, como se Alguém a tivesse divinamente ferido com uma flecha de amor, depois retirado a Flecha para a ferir novamente… A irmã Maria da Eucaristia se aproximou com uma vela para ver de mais perto seu olhar sublime. Diante da luz dessa vela, não houve movimento algum de suas pálpebras. Esse êxtase durou o tempo de um “Credo”, e ela deu seu último suspiro.
Após sua morte, ela conservou um sorriso celeste. Ela estava com uma beleza encantadora. Ela segurava tão forte seu Crucifixo que foi necessário arrancá-lo de suas mãos para enterrá-la. A irmã Maria do Sagrado-Coração e eu fizemos tal serviço, com a irmã Amada de Jesus, e notamos que ela não parecia ter mais do que 12 ou 13 anos. Os membros do seu corpo permaneceram flexíveis até o dia do seu enterro, numa segunda-feira, no dia 4 de outubro de 1897.”
Aarão.
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