O Reino anunciado por Jesus provocou as forças do mal, que reagiram de imediato. Sua pregação desmascarava a malignidade de tudo quanto redundava em escravidão para o ser humano e o impedia de se realizar e ser feliz. Jesus se sabia destinado a libertar os oprimidos e escravizados pelo poder do mal.
Evidentemente, o processo de libertação não era fácil. Por um lado, os opressores não queriam abrir mão de suas intenções e métodos. Por outro lado, os oprimidos acabavam por se acostumar à sua situação, já não fazendo mais caso dela.
A libertação começava quando o escravo do mal se insurgia contra sua situação, com a ajuda de Jesus. Tratava-se de uma terrível luta interior! Às vezes, se pensava que a presença de Jesus só servisse para perturbar. Ele, porém, não se deixava intimidar. Sua presença purificava o ser humano dos espíritos imundos que o flagelavam e contaminavam. Livres de toda escravidão, os que tinham sido beneficiados por Jesus tornavam-se sinal do poder efetivo do Reino.
Toda a vida de Jesus foi perpassada de luta contra as forças do mal. Com sua palavra, ele as desarticulava, fazendo o Reino dar seus frutos na história humana. Jesus não cruzava os braços ao se deparar com quem era vítima do mal e do pecado. Sua presença fazia o dinamismo libertador do Reino entrar em ação.
A liturgia do 4º domingo do tempo comum garante-nos que Deus não se conforma com os projetos de egoísmo e de morte que desfeiam o mundo e que escravizam os homens e afirma que Ele encontra formas de vir ao encontro dos seus filhos para lhes propor um projeto de liberdade e de vida plena.
A primeira leitura propõe-nos – a partir da figura de Moisés – uma reflexão sobre a experiência profética. O profeta é alguém que Deus escolhe, que Deus chama e que Deus envia para ser a sua “palavra” viva no meio dos homens. Através dos profetas, Deus vem ao encontro dos homens e apresenta-lhes, de forma bem perceptível, as suas propostas.
O Evangelho mostra como Jesus, o Filho de Deus, cumprindo o projeto libertador do Pai, pela sua Palavra e pela sua ação, renova e transforma em homens livres todos aqueles que vivem prisioneiros do egoísmo, do pecado e da morte.
A segunda leitura convida os crentes a repensarem as suas prioridades e a não deixarem que as realidades transitórias sejam impeditivas de um verdadeiro compromisso com o serviço de Deus e dos irmãos.
1ª leitura – Dt. 18,15-20 – AMBIENTE
O livro do Deuteronômio é aquele “livro da Lei” ou “livro da Aliança” descoberto no Templo de Jerusalém no 18º ano do reinado de Josias (622 a.C.) (cf. 2Re. 22). Neste livro, os teólogos deuteronomistas – originários do Norte (Israel) mas, entretanto, refugiados no sul (Judá) após as derrotas dos reis do norte frente aos assírios – apresentam os dados fundamentais da sua teologia: há um só Deus, que deve ser adorado por todo o Povo num único local de culto (Jerusalém); esse Deus amou e elegeu Israel e fez com Ele uma aliança eterna; e o Povo de Deus deve ser um único Povo, a propriedade pessoal de Jahwéh (portanto, não têm qualquer sentido as questões históricas que levaram o Povo de Deus à divisão política e religiosa, após a morte do rei Salomão). A finalidade fundamental dos catequistas deuteronomistas é levar o Povo de Deus a um compromisso firme e exigente com a Lei de Deus, proclamada no Sinai. É um convite firme ao Povo de Deus no sentido de abraçar a Aliança com Jahwéh e de viver na fidelidade aos compromissos assumidos.
Literariamente, o livro apresenta-se como um conjunto de três discursos de Moisés, pronunciados nas planícies de Moab. Pressentindo a proximidade da sua morte, Moisés deixa ao Povo uma espécie de “testamento espiritual”: lembra aos hebreus os compromissos assumidos para com Deus e convida-os a renovar a sua aliança com Jahwéh.
O texto que hoje nos é proposto apresenta-se como parte do segundo discurso de Moisés (cf. Dt. 4,44-28,68). Trata-se de um texto que integra um conjunto legislativo sobre as estruturas de governo do Povo de Deus (cf. Dt. 16,18-18,22). Em concreto, o nosso texto refere-se ao papel e ao significado do profetismo.
O texto que hoje nos é proposto apresenta-se como parte do segundo discurso de Moisés (cf. Dt. 4,44-28,68). Trata-se de um texto que integra um conjunto legislativo sobre as estruturas de governo do Povo de Deus (cf. Dt. 16,18-18,22). Em concreto, o nosso texto refere-se ao papel e ao significado do profetismo.
O fenômeno profético não é exclusivo de Israel, mas é um fenômeno relativamente conhecido entre os povos do Crescente Fértil. Entre os cananeus, os movimentos proféticos apareciam com relativa frequência, normalmente ligados à adivinhação, ao êxtase, a convulsões, a delírios (habitualmente provocados por instrumentos sonoros, gritos, danças, etc.). A multiplicidade de experiências proféticas obriga, exatamente, a pôr o problema do discernimento entre a verdadeira e a falsa profecia… O que é que caracteriza o verdadeiro profeta? Quando é que um profeta fala, realmente, em nome de Deus? Este problema devia pôr-se, particularmente, no Reino do Norte, na época de Acab (874-853 a.C.) e de Jezabel, quando os profetas de Baal dominavam. As tradições sobre o profeta Elias (cf. 1Re. 17 - 2Re 13,21) traçam esse quadro de confronto diário entre a verdadeira e a falsa profecia.
O catequista deuteronomista refere-se, precisamente, a esta questão. Ele apresenta, aqui, o quadro do verdadeiro profeta, oferecendo assim ao seu povo os critérios para distinguir o verdadeiro do falso profeta.
MENSAGEM
Para os teólogos deuteronomistas, Moisés é o exemplo e o modelo do verdadeiro profeta. O que é que isso significa?
Significa, em primeiro lugar, que na origem e no centro da vocação de Moisés está Deus. Não foi Moisés que se candidatou à missão profética, por sua iniciativa; não foi Moisés que conquistou, pelas suas ações ou pelas suas qualidades, o “direito” a ser “profeta”. A iniciativa foi de Deus que, de forma gratuita, o escolheu, o chamou e o enviou em missão. Se Moisés foi designado para ser um sinal de Jahwéh, foi porque Deus assim o quis. A consagração do “profeta” resulta de uma ação gratuita de Deus que, de acordo com critérios muitas vezes ilógicos na perspectiva dos homens, escolhe aquela pessoa em concreto, com as suas qualidades e defeitos, para o enviar aos seus irmãos.
Em segundo lugar, Moisés disse sempre e testemunhou sempre as palavras que Deus lhe colocou na boca e que lhe ordenou que dissesse. A mensagem transmitida não era a mensagem de Moisés, mas a mensagem de Deus. O verdadeiro profeta não é aquele que transmite uma mensagem pessoal, ou que diz aquilo que os homens gostam de ouvir; o verdadeiro profeta é aquele que, com coragem e frontalidade, testemunha fielmente as propostas de Deus para os homens e para o mundo.
As palavras do profeta devem ser cuidadosamente escutadas e acolhidas, pois são palavras de Deus. O próprio Deus pedirá contas a quem fechar os ouvidos e o coração aos desafios que Deus, através do profeta, apresenta ao mundo.
ATUALIZAÇÃO
A vocação profética é uma vocação que surge por iniciativa de Deus. Ninguém é profeta por escolha própria, mas porque Deus o chama. O profeta tem de ter consciência, antes de mais, que é Deus quem está por detrás da sua escolha e do seu envio. O profeta não pode assumir uma atitude de arrogância e de auto-suficiência, mas tem de se sentir um instrumento humilde através do qual Deus age no mundo.
Ao tomar consciência de que é apenas um instrumento através do qual Deus age no meio da comunidade humana, o profeta descobre a necessidade de levar muito a sério a missão que lhe foi confiada. O testemunho profético não é um passatempo ou um compromisso para as horas vagas; está fora de causa o cruzar os braços e deixar correr. Trata-se de um compromisso que deve ser assumido e vivido com fidelidade absoluta e total empenho.
Se o profeta é designado para tornar presente no meio dos homens o projeto de Deus, ele não pode utilizar a missão em benefício próprio; não deve ceder à tentação de se vender aos poderes do mundo e pactuar com eles, a fim de concretizar a sua sede de poder e de protagonismo, não pode “vender a alma ao diabo” para daí tirar algum benefício, não deve utilizar o seu ministério para se exibir, para ser admirado, para conseguir sucesso, para promover a sua imagem e obter os aplausos das multidões. A missão profética tem de estar sempre ao serviço de Deus, dos planos de Deus, da verdade de Deus, e não ao serviço de esquemas pessoais, interesseiros e egoístas.
2ª leitura – 1Cor. 7,32-35 – AMBIENTE
A comunidade cristã de Corinto é uma comunidade tipicamente grega, que mergulha as suas raízes numa cultura-ambiente marcada por grandes contradições. As diversas escolas filosóficas que existiam na cidade (e um pouco por todo o mundo grego) tinham perspectivas muito diversas sobre o sentido da vida e sobre a forma de chegar à felicidade e à realização plena. As propostas de caminho apresentadas por essas escolas eram, frequentemente, divergentes e mesmo opostas.
Um dos sectores onde se nota, particularmente, esse balançar entre caminhos opostos, é nas questões de ética sexual. Neste âmbito, a cultura coríntia oscilava entre dois extremos: por um lado, um grande laxismo (como era normal numa cidade marítima, onde chegavam marinheiros de todo o mundo e onde reinava Afrodite, a deusa grega do amor); por outro lado, um desprezo absoluto pela sexualidade (típico de certas tendências filosóficas influenciadas pela filosofia platônica, que consideravam a matéria um mal e que faziam do não casar um ideal absoluto).
O desejo de Paulo é o de apresentar um caminho equilibrado, face a estes exageros: condenação sem apelo de todas as formas de desordem sexual, defesa do valor do casamento, elogio do celibato (cf. 1Cor. 7).
Provavelmente, os coríntios tinham consultado Paulo acerca do melhor caminho a seguir – o do matrimônio ou o do celibato. Paulo responde à questão no capítulo 7 da Primeira Carta aos Coríntios (de onde é retirado o texto da nossa segunda leitura). Paulo considera que não tem, a este propósito, “nenhum preceito do Senhor”; no entanto, o seu parecer é que quem não está comprometido com o casamento deve continuar assim e quem está comprometido não deve “romper o vínculo” (1Cor. 7,25-28). Na perspectiva de Paulo, os cristãos não devem esquecer que “o tempo é breve”, quando tiverem que fazer as suas opções – nomeadamente, quando tiverem que fazer a sua escolha entre o casamento ou o celibato.
MENSAGEM
Paulo reconhece que, quem não é casado tem mais tempo e disponibilidade para se preocupar “com as coisas do Senhor” (v. 32b) e para agradar ao Senhor. Quem é casado tem de atender às necessidades da família e de dividir a sua atenção por uma série de realidades ligadas à vida do dia a dia; quem não é casado pode responder aos desafios de Deus e gastar a sua vida ao serviço do projecto de Deus sem quaisquer condicionalismos ou limitações.
Paulo estará, aqui, a desvalorizar a vida conjugal e a sexualidade? Estará a dizer que o matrimônio é um caminho a evitar, ou é um caminho que afaste de Deus? De modo nenhum. Para Paulo, o casamento é uma realidade importante (ele considera que tanto o casamento como o celibato são dons de Deus – cf. 1Cor. 7,7); mas não deixa de ser uma realidade terrena e efêmera, que não deve, por isso, ser absolutizada. Paulo nunca diz que o casamento seja uma realidade má ou um caminho a evitar; contudo, é evidente, nas suas palavras, uma certa predileção pelo celibato… Na sua perspectiva, o celibato leva vantagem enquanto caminho que aponta para as realidades eternas: anuncia a vida nova de ressuscitados que nos espera, ao mesmo tempo que facilita um serviço mais eficaz a Deus e aos irmãos.
Na verdade, as palavras de Paulo fazem sentido em todos os tempos e lugares; mas elas tornam-se mais lógicas se tivermos em conta o ambiente escatológico que se respirava nas primeiras comunidades. Para os crentes a quem a Primeira Carta aos Coríntios se destinava, a segunda e definitiva vinda de Jesus estava iminente; era preciso, portanto, preocupar-se com as coisas de Deus e relativizar as realidades transitórias e efêmeras, entre as quais se contava o casamento.
ATUALIZAÇÃO
Por detrás das afirmações que Paulo faz no texto que nos é proposto como segunda leitura, está a convicção de que as realidades terrenas são passageiras e efêmeras e não devem, em nenhum caso, ser absolutizadas. Não se trata de propor uma evasão do mundo e uma espiritualidade descarnada, insensível, alheia ao amor, à partilha, à ternura; mas trata-se de avisar que as realidades desta terra não podem ser o objetivo final e único da vida do homem. Esta reflexão convida-nos a repensarmos as nossas prioridades, e a não ancorarmos a nossa vida em realidades transitórias.
A virgindade consagrada, por amor do Reino, nem sempre é um valor compreendido, à luz dos valores da nossa sociedade. Paulo, contudo, sublinha o valor da virgindade como valor autêntico, pois anuncia o mundo novo que há-de vir e disponibiliza para o serviço de Deus e dos irmãos. É sinal de desprendimento, de doação, de disponibilidade e deve ser positivamente valorizada. Aqueles que são chamados a viver dessa forma não são gente estéril e infeliz, alheia às coisas bonitas da vida, mas são pessoas generosas, que renunciaram a um bem (o matrimônio) em vista da sua entrega a Deus e aos outros.
Evangelho – Mc. 1,21-28 – AMBIENTE
Naquele tempo, 21Dirigiram-se para Cafarnaum. E já no dia de sábado, Jesus entrou na sinagoga e pôs-se a ensinar. 22Maravilhavam-se da sua doutrina, porque os ensinava como quem tem autoridade e não como os escribas. 23Ora, na sinagoga deles achava-se um homem possesso de um espírito imundo, que gritou: 24"Que tens tu conosco, Jesus de Nazaré? Vieste perder-nos? Sei quem és: o Santo de Deus! 25Mas Jesus intimou-o, dizendo: "Cala-te, sai deste homem!" 26O espírito imundo agitou-o violentamente e, dando um grande grito, saiu. 27Ficaram todos tão admirados, que perguntavam uns aos outros: "Que é isto? Eis um ensinamento novo, e feito com autoridade; além disso, ele manda até nos espíritos imundos e lhe obedecem!" 28A sua fama divulgou-se logo por todos os arredores da Galiléia. - Palavra da salvação.
A primeira parte do Evangelho segundo Marcos (cf. Mc. 1,14-8,30) tem como objetivo fundamental levar à descoberta de Jesus como o Messias que proclama o Reino de Deus. Ao longo de um percurso que é mais catequético do que geográfico, os leitores do Evangelho são convidados a acompanhar a revelação de Jesus, a escutar as suas palavras e o seu anúncio, a fazerem-se discípulos que aderem à sua proposta de salvação/libertação. Este percurso de descoberta do Messias que o catequista Marcos nos propõe termina em Mc. 8,29-30, com a confissão messiânica de Pedro, em Cesareia de Filipe (que é, evidentemente, a confissão que se espera de cada crente, depois de ter acompanhado o percurso de Jesus a par e passo): “Tu és o Messias”.
O texto que nos é hoje proposto aparece, exatamente, no princípio desta caminhada de encontro com o Messias e com o seu anúncio de salvação. Rodeado já pelos primeiros discípulos, Jesus começa a revelar-Se como o Messias-libertador, que está no meio dos homens para lhes apresentar uma proposta de salvação.
A cena situa-nos em Cafarnaum (em hebraico Kfar Nahum, a “aldeia de Naum”), a cidade situada na costa noroeste do Lago Kineret (o Mar da Galileia). De acordo com os Evangelhos Sinópticos, é aí que Jesus se vai instalar durante o tempo do seu ministério na Galileia. Vários dos discípulos – Simão e seu irmão André, Tiago, filho de Zebedeu, e seu irmão João – viviam em Cafarnaum.
MENSAGEM
É um sábado. A comunidade está reunida na sinagoga de Cafarnaum para a liturgia sinagogal. Jesus, recém-chegado à cidade, entra na sinagoga – como qualquer bom judeu – para participar na liturgia sabática. A celebração comunitária começava, normalmente, com a “profissão de fé” (cf. Dt 6,4-9), a que se seguiam orações, cânticos e duas leituras (uma da Torah e outra dos Profetas); depois, vinha o comentário às leituras e as bênçãos. É provável que Jesus tivesse sido convidado, nesse dia, para comentar as leituras feitas. Fê-lo de uma forma original, diferente dos comentários que as pessoas estavam habituadas a ouvir aos “escribas” (os estudiosos das Escrituras). As pessoas ficaram maravilhadas com as palavras de Jesus, “porque ensinava com autoridade e não como os escribas” (v. 22). A referência à autoridade das palavras de Jesus pretende sugerir que Ele vem de Deus e traz uma proposta que tem a marca de Deus.
A “autoridade” que se revela nas palavras de Jesus manifesta-se, também, em ações concretas (como se a “autoridade” das palavras tivesse de ser caucionada pela própria ação). Na sequência das palavras ditas por Jesus e que transmitem aos ouvintes um sinal inegável da presença de Deus, aparece em cena “um homem com um espírito impuro”. Os judeus estavam convencidos que todas as doenças eram provocadas por “espíritos maus” que se apropriavam dos homens e os tornavam prisioneiros. As pessoas afetadas por esses males deixavam de cumprir a Lei (as normas corretas de convivência social e religiosa) e ficavam numa situação de “impureza” – isto é, afastadas de Deus e da comunidade. Na perspectiva dos contemporâneos de Jesus, esses “espíritos maus” que afastavam os homens da órbita de Deus tinham um poder absoluto, que os homens não podiam, com as suas frágeis forças, ultrapassar. Acreditava-se que só Deus, com o seu poder e autoridade absolutos, era capaz de vencer os “espíritos maus” e devolver aos homens a vida e a liberdade perdidas.
Numa encenação com um singular poder evocador, Marcos põe o “espírito mau” que domina “um homem” presente na sinagoga, a interpelar violentamente Jesus. Sugere-se, dessa forma, que diante da proposta libertadora que Jesus veio apresentar, em nome de Deus, os “espíritos maus” responsáveis pelas cadeias que oprimem os homens ficam inquietos, pois sentem que o seu poder sobre a humanidade chegou ao fim. A ação da cura do homem “com um espírito impuro” constitui “a prova provada” de que Jesus traz uma proposta de libertação que vem de Deus; pela ação de Jesus, Deus vem ao encontro do homem para o salvar de tudo aquilo que o impede de ter vida em plenitude.
Para Marcos, este primeiro episódio é uma espécie de apresentação de um programa de acção: Jesus veio ao encontro dos homens para os libertar de tudo aquilo que os faz prisioneiros e lhes rouba a vida. A libertação que Deus quer oferecer à humanidade está a acontecer. O “Reino de Deus” instalou-se no mundo. Jesus, cumprindo o projeto libertador de Deus, pela sua Palavra e pela sua ação, renova e transforma em homens livres todos aqueles que vivem prisioneiros do egoísmo, do pecado e da morte.
ATUALIZAÇÃO
O “homem com um espírito impuro” representa todos os homens e mulheres, de todas as épocas, cujas vidas são controladas por esquemas de egoísmo, de orgulho, de auto-suficiência, de medo, de exploração, de exclusão, de injustiça, de ódio, de violência, de pecado. É essa humanidade prisioneira de uma cultura de morte, que percorre um caminho à margem de Deus e das suas propostas, que aposta em valores efêmeros e escravizantes ou que procura a vida em propostas falíveis ou efêmeras. O Evangelho de hoje garante-nos, porém, que Deus não desistiu da humanidade, que Ele não Se conforma com o fato de os homens trilharem caminhos de escravidão, e que insiste em oferecer a todos a vida plena.
Para Marcos, a proposta de Deus torna-se realidade viva e atuante em Jesus. Ele é o Messias libertador que, com a sua vida, com a sua palavra, com os seus gestos, com as suas ações, vem propor aos homens um projeto de liberdade e de vida. Ao egoísmo, Ele contrapõe a doação e a partilha; ao orgulho e à auto-suficiência, Ele contrapõe o serviço simples e humilde a Deus e aos irmãos; à exclusão, Ele propõe a tolerância e a misericórdia; à injustiça, ao ódio, à violência, Ele contrapõe o amor sem limites; ao medo, Ele contrapõe a liberdade; à morte, Ele contrapõe a vida. O projeto de Deus, apresentado e oferecido aos homens nas palavras e ações de Jesus, é verdadeiramente um projeto transformador, capaz de renovar o mundo e de construir, desde já, uma nova terra de felicidade e de paz. É essa a Boa Nova que deve chegar a todos os homens e mulheres da terra.
Os discípulos de Jesus são as testemunhas da sua proposta libertadora. Eles têm de continuar a missão de Jesus e de assumir a mesma luta de Jesus contra os “demônios” que roubam a vida e a liberdade do homem, que introduzem no mundo dinâmicas criadoras de sofrimento e de morte. Ser discípulo de Jesus é percorrer o mesmo caminho que Ele percorreu e lutar, se necessário até ao dom total da vida, por um mundo mais humano, mais livre, mais solidário, mais justo, mais fraterno. Os seguidores de Jesus não podem ficar de braços cruzados, a olhar para o céu, enquanto o mundo é construído e dirigido por aqueles que propõem uma lógica de egoísmo e de morte; mas têm a grave responsabilidade de lutar, objetivamente, contra tudo aquilo que rouba a vida e a liberdade ao homem.
O texto refere o incômodo do “homem com um espírito impuro”, diante da presença libertadora de Jesus. O pormenor faz-nos pensar nas reações agressivas e intolerantes – por parte daqueles que pretendem perpetuar situações de injustiça e de escravidão – diante do testemunho e do anúncio dos valores do Evangelho. Apesar da incompreensão e da intolerância de que são, por vezes, vítimas, os discípulos de Jesus não devem deixar-se encerrar nas sacristias, mas devem assumir corajosamente e de forma bem visível o seu empenho na transformação das realidades políticas, econômicas, sociais, laborais, familiares.
A luta contra os “demônios” que desfeiam o mundo e que escravizam os homens nossos irmãos é sempre um processo doloroso, que gera conflitos, divisões, sofrimento; mas é, também, uma aventura que vale a pena ser vivida e uma luta que vale a pena travar. Embarcar nessa aventura é tornar-se cúmplice de Deus na construção de um mundo de homens livres.
P. Joaquim Garrido, P. Manuel Barbosa, P. José Ornelas Carvalho
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