quarta-feira, 1 de junho de 2016

QUANDO A CIÊNCIA É TRANSFORMADA EM RELIGIÃO.

Para destruir “o organismo misterioso de Cristo”, o inimigo substituiu a adoração do Deus verdadeiro pelo culto idolátrico da “deusa da razão”.


 
De acordo com o Papa Pio XII, o inimigo, em sua obra para destruir “o organismo misterioso de Cristo", quis “a razão sem a fé" [1].
De fato, há muito tempo os anticlericais têm levantado, ensandecidos, a bandeira da razão, acusando a Igreja de ser inimiga da ciência. Com isso, eles propugnam um “divórcio" entre a fé e a razão, como se aquilo que as Sagradas Escrituras definem e que os santos ensinam em sua sabedoria, fosse inconciliável com o parecer da filosofia, com o avanço das ciências e mesmo com o progresso da civilização. A ideia é traçar uma caricatura da religião e de qualquer um que procure conduzir sua vida de acordo com os mandamentos de Deus, apelidando um e outro de atrasado, obscurantista e "medieval" – este último, na verdade, mais um elogio que uma crítica.
Importa dizer, em primeiro lugar, que toda essa campanha – mentirosa, mas, ainda assim, eficaz – não passa de proselitismo. Os cientificistas e demais adeptos do “culto da ciência" não querem simplesmente afastar as pessoas de Cristo, como eles mesmos têm uma religião, com deuses, dogmas e ritos muito bem definidos. A entronização da “deusa da razão" na Catedral de Notre Dame, durante as confusões que marcaram a Revolução Francesa, em 1789, é sintomática: ao desprezar a revelação cristã e o Deus da Bíblia, desde Abraão, Moisés e os profetas até a vinda definitiva de Jesus, o que os iluministas ateus pretendiam (e o que desejam ainda hoje os irreligiosos modernos) não era simplesmente “matar Deus", mas substitui-lo por um ídolo, moldado por suas próprias mãos.
O nome deste ídolo, que eles invocam com o título de “toda-poderosa", é a ciência. São João Paulo II constatou, em sua encíclica Fides et Ratio, “sobre as relações entre fé e razão", que, ainda hoje, “uma certa mentalidade positivista continua a defender a ilusão de que, graças às conquistas científicas e técnicas, o homem, como se fosse um demiurgo, poderá chegar por si mesmo a garantir o domínio total do seu destino" [2].
Não é raro, de fato, ouvir pessoas com esse discurso, alegando que, “no futuro, com os avanços da ciência", não haverá obstáculos de nenhuma ordem para nenhum intento, nem mesmo para a manipulação da vida humana. Aborto, eutanásia, pesquisas com células-tronco embrionárias, fecundação in vitro, clonagem... Não há Deus, tudo é permitido.Tais indivíduos, no fundo, já fizeram da ciência o seu deus, ainda que não o saibam. Colocaram-na acima de si mesmos, da dignidade do homem e do próprio Deus, pois estão convencidas de que algumas pesquisas de laboratório e alguns experimentos empíricos podem abolir tudo, inclusive o bem e o mal.
A prova de que essa “mentalidade positivista" não passa de um grande engano é que, mesmo com tantos equipamentos eletrônicos – com diferentes nomes e múltiplos usos –, tantas informações e tantas “conquistas científicas e técnicas", o homem do século XXI tem tudo, menos a felicidade. Preocupado em encher-se de máquinas e fartar-se de prazeres, ele se esqueceu de saciar o seu coração.
Mas, como pode o homem saciar o seu coração e alcançar a felicidade? Santo Tomás, após demonstrar por que a bem-aventurança do homem não está nem nas riquezas, nem nas honras, nem na fama, nem no poder, nem em nenhum bem do corpo ou da alma, remata com a seguinte lição: “ Só Deus pode satisfazer plenamente a vontade humana" [3]. O Papa São João Paulo II, explicando porque a razão sozinha não é suficiente ao ser humano, também preleciona:
“Não é possível conhecer profundamente o mundo e os fatos da história, sem ao mesmo tempo professar a fé em Deus que neles atua. A fé aperfeiçoa o olhar interior, abrindo a mente para descobrir, no curso dos acontecimentos, a presença operante da Providência. (...) O insensato ilude-se pensando que conhece muitas coisas, mas, de fato, não é capaz de fixar o olhar nas realidades essenciais. E isto impede-lhe de pôr ordem na sua mente (cf. Pr 1, 7) e de assumir uma atitude correta para consigo mesmo e o ambiente circundante. Quando, depois, chega a afirmar que 'Deus não existe' (Sl 14, 1; 53, 1), isso revela, com absoluta clareza, quanto seja deficiente o seu conhecimento e quão distante esteja ele da verdade plena a respeito das coisas, da sua origem e do seu destino." [4]
Para voltar a Deus e purificar o templo profanado pelo culto idolátrico da razão, é preciso que o homem recupere a sua vocação de ser “aquele que procura a verdade" [5], como bem definiu João Paulo II. “Embora a supracitada verdade da fé cristã exceda a capacidade da razão humana, os princípios que a razão tem postos em si pela natureza não podem ser contrários àquela verdade" [6]. O mesmo Deus que Se revelou em Cristo é o artífice de todo o universo, o mesmo autor da fé na Palavra que se fez carne é o autor da razão humana: fé e razão, pois, não se contradizem; completam-se – ou melhor, exigem-se mutuamente.











 
Por Equipe Christo Nihil Praeponere
P.S.: Essa matéria foi postada originalmente no dia 25 de novembro de 2014, com o título A razão sem a fé.

Referências

  1. Papa Pio XII, Discorso agli uomini di Azione Cattolica (12 ottobre 1952).
  2. Papa São João Paulo II, Carta Encíclica Fides et Ratio (14 de setembro de 1998), n. 91.
  3. Suma Teológica, I-II, q. 2, a. 8.
  4. Papa São João Paulo II, Carta Encíclica Fides et Ratio (14 de setembro de 1998), n. 16. 18.
  5. Ibidem, n. 28.
  6. Suma contra os Gentios, I, VII, 1.

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