A liturgia deste domingo apresenta-nos
um Deus de bondade e de misericórdia, que detesta o pecado, mas ama o pecador;
por isso, Ele multiplica “a fundo perdido” a oferta da salvação. Da descoberta
de um Deus assim, brota o amor e a vontade de vivermos uma vida nova,
integrados na sua família.
A primeira leitura apresenta-nos,
através da história do pecador David, um Deus que não pactua com o pecado; mas
que também não abandona esse pecador que reconhece a sua falta e aceita o dom
da misericórdia.
Na segunda leitura, Paulo garante-nos
que a salvação é um dom gratuito que Deus oferece, não uma conquista humana.
Para ter acesso a esse dom, não é fundamental cumprir ritos e viver na
observância escrupulosa das leis; mas é preciso aderir a Jesus e identificar-se
com o Cristo do amor e da entrega: é isso que conduz à vida plena.
O Evangelho coloca diante dos nossos
olhos a figura de uma “mulher da cidade que era pecadora” e que vem chorar aos
pés de Jesus. Lucas dá a entender que o amor da mulher resulta de haver
experimentado a misericórdia de Deus. O dom gratuito do perdão gera amor e vida
nova. Deus sabe isso; é por isso que age assim.
1º leitura: 2Sm.
12,7-10.13 - AMBIENTE
O “Livro de Samuel” (dividido em duas
partes) é um livro que nos apresenta os primórdios da monarquia, em Israel. Não
é, contudo, um livro escrito por políticos, por historiadores ou por
sociólogos; é um livro escrito por teólogos, empenhados em fazer catequese e em
ler a história passada à luz da fé. Não lhes interessa demasiado que a sua
perspectiva seja uma leitura rigidamente objetiva dos acontecimentos;
interessa-lhes, sobretudo, que a sua leitura ajude os crentes a tirar
conclusões acerca de Deus e da forma de Deus atuar.
O texto que hoje nos é proposto faz
parte de um conjunto de tradições sobre o reinado de David (cf. 2Sm. 7-20).
Depois de descrever o pecado de David (que cometeu adultério com Betsabé e
mandou que o marido desta – Urias, soldado do exército de David – fosse
colocado num lugar arriscado, no combate contra os amonitas, a fim de que
corresse riscos e morresse – cf. 2Sm. 11,1-27), o autor deuteronomista
apresenta – pela voz do profeta Nathan – a reação de Deus diante do pecado do
rei. Estamos em Jerusalém – nesta altura, capital do Israel unificado – nos
primeiros anos do séc. X a.C.
MENSAGEM
Deus poderá pactuar com esta atitude
egoísta e prepotente do rei? De forma nenhuma. Pela boca do profeta Nathan, o autor
deuteronomista anuncia que Deus não fica indiferente diante da injustiça
cometida e que pede contas ao agressor. Daí os castigos anunciados contra David
e a sua casa.
O autor deuteronomista escreve muitos
anos depois destes acontecimentos. Ele conhecia uma série de desgraças que,
entretanto, se tinham abatido sobre a família de David (morte violenta de três
filhos de David: Amon – cf. 2 Sm. 13,23-39; Absalão – cf. 2 Sm. 18,9-15; e
Adonias – cf. 1 Re. 2,24-25). Naturalmente, não foram castigos de Deus, mas
acontecimentos históricos normais, típicos de uma época violenta, em que a luta
pelo poder terminava, tantas vezes, em tragédias pessoais e familiares; mas
esses acontecimentos foram lidos pelo teólogo como sinais claros de que Jahwéh
não estava disposto a pactuar com as injustiças e as arbitrariedades cometidas
pelo rei. A mensagem do nosso “catequista” é evidente: Deus não deixa passar em
claro a atitude daqueles que se aproveitam do poder para fins egoístas e
desfazem a vida dos irmãos.
A última palavra do texto é, no
entanto, de esperança. Confrontado com o seu crime, David reconhece, com
humildade, o seu comportamento errado e pede perdão; e Deus acaba por perdoar a
sua falta. Desta forma, o deuteronomista resume a lógica de Deus, que condena o
pecado, mas que não abandona o pecador. Assim, o nosso catequista está a enviar
uma mensagem aos homens do seu tempo: apesar das nossas falhas, a misericórdia
de Deus não nos abandona e dá-nos sempre a hipótese de recomeçar.
ATUALIZAÇÃO
A reflexão fundamental que este texto
nos apresenta é à volta da “lógica” de Deus: Ele não pactua com o pecado, mas
manifesta uma misericórdia infinita para com o pecador. É esta a nossa “lógica”
quando alguém nos magoa ou ofende?
O exercício do poder é, tantas vezes,
uma forma de “levar a água ao seu moinho”. O nosso tempo é fértil em figuras
que, para proteger os seus interesses pessoais ou os interesses dos seus
partidos e ideologias, arrastam populações inteiras por caminhos de morte e de
sofrimento. Que sentido é que isto faz? Nós cristãos, filhos de um Deus que não
suporta o egoísmo e a injustiça, podemos pactuar com estas situações? Podemos,
tranquilamente, votar naqueles que cometem injustiças gritantes? A atitude de
David, ao reconhecer humildemente a sua falta, é uma atitude que nos questiona
pela sua sinceridade, honestidade e coerência. Contrasta violentamente com a
irresponsabilidade dos “assassinos do volante”, que nunca têm culpa de nada;
contrasta violentamente com a irresponsabilidade dos cinzentos gestores das sociedades
anónimas, que provocam catástrofes ambientais e não têm culpa; contrasta
violentamente com a irresponsabilidade dos governantes que deixam ruir pontes e
morrer pessoas, mas nunca têm qualquer culpa… O exemplo de David convida-nos a
assumir, com coerência, as nossas responsabilidades e a ter vontade de remediar
as nossas ações erradas; convida-nos, também, ao arrependimento e à conversão –
condições essenciais para que o pecado desapareça das nossas vidas.
2º leitura: Gl.
2,16.19-21 - AMBIENTE
As comunidades cristãs da Galácia
(centro da Ásia Menor) conheceram, pelos anos 56/57, um ambiente de alguma
instabilidade. A culpa era de certos pregadores cristãos de origem judaica que,
chegados à zona, procuravam impor aos gálatas a prática da Lei de Moisés (cf.
Gal. 3,2; 4,21; 5,4) e, em particular, a circuncisão (cf. Gal. 2,3-4; 5,2;
6,12). São, ainda, esses “judaizantes” que, nas primeiras décadas do
cristianismo, tanta confusão trouxeram às comunidades cristãs de origem pagã.
Paulo não está disposto a pactuar com
estas exigências. Para ele, esta questão não é secundária, mas algo que toca no
essencial da fé: se as obras da Lei são fundamentais, é porque Cristo, por si
só, não pode salvar. Isto será verdadeiro? Quanto a esta questão, Paulo tem
ideias claras: Cristo basta; a Lei de Moisés não é importante para a salvação.
É neste ambiente que Paulo escreve aos
gálatas. Diz-lhes que os ritos judaizantes apenas os prenderão numa escravatura
da qual Cristo já os tinha libertado. O tom geral da carta é firme e veemente:
era o essencial da fé que estava em causa.
Depois de analisar a situação (cf. Gal.
1,6-10), de dizer que tem um mandato de Cristo para anunciar o Evangelho aos
pagãos (cf. Gal. 1,11-24) e de se defender da acusação de pregar um evangelho
próprio, diferente do pregado pelos outros apóstolos (cf. Gal 2,1-10), Paulo
vai anunciar o “seu” Evangelho (que é o Evangelho da Igreja, o mesmo que é
anunciado pelos outros apóstolos): não é a Lei e as obras que salvam, mas a fé.
MENSAGEM
Neste texto que nos é proposto, Paulo
apresenta uma espécie de síntese daquilo que ele considera o autêntico
Evangelho.
Na primeira parte (vs. 16), Paulo
sustenta que a salvação vem, única e exclusivamente, por Cristo. É por Cristo
que somos “justificados” e não pelas obras da Lei. “Justificação” é, aqui,
sinônimo de “salvação”. Significa que a “justiça de Deus” (que não é a estrita
aplicação das leis, como no tribunal, mas é a fidelidade de Deus aos
compromissos que Ele assumiu para com o seu Povo, no sentido de salvá-lo) derrama
gratuitamente sobre o homem o amor e a misericórdia, mesmo quando o homem
pecador não merece. Ora, Deus “salva” o homem pecador, não por ele cumprir a
Lei de Moisés, mas por crer em Jesus (“crer” significa aderir a Ele, seguil’O).
Na segunda parte (vs. 19-21), a
reflexão de Paulo gira à volta da ação de Cristo e da ação da Lei, no sentido
de “salvar” o homem. A Lei salva? Não. Ao crucificar Jesus, a Lei demonstrou
que não gerava vida, mas morte; desqualificou-se, assim, e demonstrou a sua
falência no sentido de conduzir à vida plena o homem que estava sob a sua
jurisdição. Depois de ser responsável pela morte de Cristo, a Lei não terá
qualquer legitimidade para se impor e já não será vista por ninguém como
geradora de vida.
Cristo, por seu lado, com a sua vida e,
sobretudo, com a sua morte (provocada pela Lei) mostrou a todos a falência da
Lei e libertou os homens de um regime que apenas criava escravatura e morte.
Quanto a si, Paulo identifica-se
plenamente com Cristo. Sendo um com Cristo, Paulo também foi crucificado pela
Lei e descobriu, com Cristo, que a Lei não gerava vida, mas morte. Assim, ele
aprendeu que só Cristo dá vida e que só Cristo liberta. É na identificação com
esse Cristo do amor e da entrega total (“que me amou e Se entregou por mim”) e
não na Lei, que Paulo descobre a vida plena, a vida do Homem Novo.
Conclusão: a Lei gera morte; só Cristo
salva. Esta é a convicção profunda que Paulo procura passar aos gálatas.
ATUALIZAÇÃO
O texto põe em relevo, em primeiro
lugar, a atitude de Deus para com o homem. O nosso Deus não é o Deus que aplica
rigorosamente as leis (nesse caso o homem pecador não teria acesso à salvação),
mas é o Deus que, de forma gratuita, “justifica” o homem. O acesso à vida em
plenitude não é uma conquista humana, mas um dom gratuito, que brota da bondade
de Deus. De Deus não podemos exigir nada, mesmo que nos tenhamos “portado bem”
e cumprido as regras: de Deus, podemos apenas esperar a graça da salvação como
dom gratuito e incondicional. Isto retira-nos qualquer legitimidade para
assumir atitudes de arrogância e auto-suficiência, quer em relação a Deus, quer
em relação aos nossos irmãos.
É preciso ter consciência de que
“Cristo basta”. Muitas vezes a nossa caminhada religiosa alicerça-se em
aspectos folclóricos, que são absolutizados e considerados essenciais.
Inventamos comportamentos “religiosamente corretos” e procuramos impô-los,
discutimos leis, magoamos as pessoas por causa de preceitos legais,
marginalizamos e catalogamos por causa dos princípios de um código legal e esquecemos
que Cristo é o único essencial. A comunidade cristã deixa de ser
verdadeiramente a comunidade dos que aderem a Cristo. Que sentido é que isto
faz, à luz da catequese de Paulo?
Paulo chama, ainda, a atenção para a
nossa identificação com Cristo. O cristão é aquele que se identifica com Cristo
no seu amor e na sua entrega e que, nesse caminho, encontra a verdadeira vida,
a vida em plenitude. É esse o caminho que eu procuro seguir? A minha vida
desenrola-se de tal forma que eu posso dizer – como Paulo – “já não sou eu que
vivo, é Cristo que vive em mim”? A vida de Cristo circula em mim e aparece, aos
olhos dos meus irmãos, nos meus gestos, nas minhas palavras, no meu amor?
Evangelho: Lc. 7,36 –
8,3 - AMBIENTE
Proclamação do Evangelho de Jesus Cristo segundo Lucas.
7 36 Um fariseu convidou Jesus a ir comer com ele. Jesus entrou na casa dele e pôs-se à mesa.
37 Uma mulher pecadora da cidade, quando soube que estava à mesa em casa do fariseu, trouxe um vaso de alabastro cheio de perfume;
38 e, estando a seus pés, por detrás dele, começou a chorar. Pouco depois suas lágrimas banhavam os pés do Senhor e ela os enxugava com os cabelos, beijava-os e os ungia com o perfume.
39 Ao presenciar isto, o fariseu, que o tinha convidado, dizia consigo mesmo: “Se este homem fosse profeta, bem saberia quem e qual é a mulher que o toca, pois é pecadora”.
40 Então Jesus lhe disse: “Simão, tenho uma coisa a dizer-te”. “Fala, Mestre”, disse ele.
41 “Um credor tinha dois devedores: um lhe devia quinhentos denários e o outro, cinqüenta.
42 Não tendo eles com que pagar, perdoou a ambos a sua dívida. Qual deles o amará mais?”
43 Simão respondeu: “A meu ver, aquele a quem ele mais perdoou”. Jesus replicou-lhe: “Julgaste bem”.
44 E voltando-se para a mulher, disse a Simão: “Vês esta mulher? Entrei em tua casa e não me deste água para lavar os pés; mas esta, com as suas lágrimas, regou-me os pés e enxugou-os com os seus cabelos.
45 Não me deste o ósculo; mas esta, desde que entrou, não cessou de beijar-me os pés.
46 Não me ungiste a cabeça com óleo; mas esta, com perfume, ungiu-me os pés.
47 Por isso te digo: seus numerosos pecados lhe foram perdoados, porque ela tem demonstrado muito amor. Mas ao que pouco se perdoa, pouco ama”.
48 E disse a ela: “Perdoados te são os pecados”.
49 Os que estavam com ele à mesa começaram a dizer, então: “Quem é este homem que até perdoa pecados?”
50 Mas Jesus, dirigindo-se à mulher, disse-lhe: “Tua fé te salvou; vai em paz”.
Palavra da Salvação.
7 36 Um fariseu convidou Jesus a ir comer com ele. Jesus entrou na casa dele e pôs-se à mesa.
37 Uma mulher pecadora da cidade, quando soube que estava à mesa em casa do fariseu, trouxe um vaso de alabastro cheio de perfume;
38 e, estando a seus pés, por detrás dele, começou a chorar. Pouco depois suas lágrimas banhavam os pés do Senhor e ela os enxugava com os cabelos, beijava-os e os ungia com o perfume.
39 Ao presenciar isto, o fariseu, que o tinha convidado, dizia consigo mesmo: “Se este homem fosse profeta, bem saberia quem e qual é a mulher que o toca, pois é pecadora”.
40 Então Jesus lhe disse: “Simão, tenho uma coisa a dizer-te”. “Fala, Mestre”, disse ele.
41 “Um credor tinha dois devedores: um lhe devia quinhentos denários e o outro, cinqüenta.
42 Não tendo eles com que pagar, perdoou a ambos a sua dívida. Qual deles o amará mais?”
43 Simão respondeu: “A meu ver, aquele a quem ele mais perdoou”. Jesus replicou-lhe: “Julgaste bem”.
44 E voltando-se para a mulher, disse a Simão: “Vês esta mulher? Entrei em tua casa e não me deste água para lavar os pés; mas esta, com as suas lágrimas, regou-me os pés e enxugou-os com os seus cabelos.
45 Não me deste o ósculo; mas esta, desde que entrou, não cessou de beijar-me os pés.
46 Não me ungiste a cabeça com óleo; mas esta, com perfume, ungiu-me os pés.
47 Por isso te digo: seus numerosos pecados lhe foram perdoados, porque ela tem demonstrado muito amor. Mas ao que pouco se perdoa, pouco ama”.
48 E disse a ela: “Perdoados te são os pecados”.
49 Os que estavam com ele à mesa começaram a dizer, então: “Quem é este homem que até perdoa pecados?”
50 Mas Jesus, dirigindo-se à mulher, disse-lhe: “Tua fé te salvou; vai em paz”.
Palavra da Salvação.
O texto situa-nos na primeira parte do
Evangelho segundo Lucas. Convém recordar que esta primeira parte se desenrola
na Galileia, sobretudo à volta do lago de Tiberíades. Durante essa fase, Jesus
vai concretizando o seu programa: trazer aos homens – sobretudo aos pobres e
marginalizados – a liberdade e a salvação de Deus. Toda esta primeira parte é,
aliás, dominada pelo anúncio programático da sinagoga de Nazaré, onde Jesus
define a sua missão como “anunciar a Boa Nova aos pobres, proclamar a
libertação aos cativos e mandar em liberdade os oprimidos” (cf. Lc. 4,16-30).
Este episódio põe em evidência um tema caro a Lucas: a misericórdia de Jesus
frente àqueles que necessitam de libertação. O episódio anterior terminou com
uma descrição de Jesus como amigo dos pecadores (cf. Lc. 7,34); agora, este princípio
vai ser ilustrado com um fato real.
O episódio situa-nos no ambiente de um
banquete, em casa de um fariseu chamado Simão (o “banquete” é, neste contexto,
o espaço da familiaridade, da irmandade, onde os laços entre as pessoas se
estabelecem e se consolidam). Lucas é o único evangelista que mostra os
fariseus tão próximos de Jesus que até aceitam sentar-se à mesa com Ele (cf.
Lc. 11,37;14,1) e preveni-l’O em relação à ameaça de Herodes (cf. Lc. 13,31).
Lucas está, no que diz respeito a esta questão, bem mais perto da realidade
histórica do que Marcos e, sobretudo, do que Mateus (que, influenciado pelas
polemica da Igreja primitiva com os fariseus, apresenta sistematicamente os
fariseus como adversários de Jesus).
MENSAGEM
A perspectiva fundamental deste episódio
tem a ver com a definição da atitude de Jesus (e, portanto, de Deus) para com
os pecadores.
A personagem central é a mulher a quem
Lucas apresenta como “uma mulher da cidade que era pecadora”. Não há qualquer
indicação acerca de anteriores contactos entre Jesus e esta mulher, embora
possamos supor que a mulher já se tinha encontrado com Jesus e tinha percebido
n’Ele uma atitude diferente dos mestres da época, sempre preocupados em evitar
os pecadores notórios e em condená-los.
A ação da mulher (o choro, as lágrimas
derramadas sobre os pés de Jesus, o enxugar os pés com os cabelos, o beijar os
pés e ungi-los com perfume) é descrita como uma resposta de gratidão, como
consequência do perdão recebido (vs. 47). A parábola que Jesus conta, a este
propósito (vs. 41-42), parece significar, não que o perdão resulta do muito
amor manifestado pela mulher, mas que o muito amor da mulher é o resultado da
atitude de misericórdia de Jesus: o amor manifestado pela mulher nasce de um
coração agradecido de alguém que não se sentiu excluído nem marginalizado, mas
que, nos gestos de Jesus, tomou consciência da bondade e da misericórdia de
Deus.
A outra figura central deste episódio é
Simão, o fariseu. Ele representa aqueles zelosos defensores da Lei que evitavam
qualquer contacto com os pecadores e que achavam que o próprio Deus não podia
acolher nem deixar-se tocar pelos transgressores notórios da Lei e da moral.
Jesus procura fazê-lo entender que só a lógica de Deus – uma lógica de amor e
de misericórdia – pode gerar o amor e, portanto, a conversão e a vida nova.
Jesus empenha-se em mostrar a Simão que não é marginalizando e segregando que
se pode obter uma nova atitude do pecador; mas que é amando e acolhendo que se
pode transformar os corações e despertar neles o amor: essa é a perspectiva de
Deus. O perdão não se dá a troco de amor, mas dá-se, simplesmente, sem esperar
nada em troca. A reação de Jesus não é um caso isolado, mas resulta da missão
de que Ele se sente investido por Deus – atitude que Ele procurará manifestar
em tantas situações semelhantes: dizer aos proscritos, aos moralmente
fracassados, que Deus não os condena nem marginaliza, mas vem ao seu encontro
para os libertar, para dar-lhes dignidade, para os convocar para o banquete
escatológico do Reino. É esta atitude de Deus que gera o amor e a vontade de
começar vida nova, inserida na lógica do Reino.
O texto que nos é proposto termina com
uma referência ao grupo que acompanha Jesus: os Doze e algumas mulheres. O fato
de o “mestre” se fazer acompanhar por mulheres (Lucas é o único evangelista que
refere a incorporação de mulheres no grupo itinerante dos discípulos) era algo
insólito, numa sociedade em que a mulher desempenhava um papel social e
religioso marginal. No entanto, manifesta a lógica de Deus que não exclui
ninguém, mas integra todos – sem exceção – na comunidade do Reino. As mulheres
– grupo com um estatuto de subalternidade, cujos direitos sociais e religiosos
eram limitados pela organização social da época – também são integradas nessa
comunidade de irmãos que é a comunidade do Reino: Deus não exclui nem
marginaliza ninguém, mas a todos chama a fazer parte da sua família.
ATUALIZAÇÃO
Em primeiro lugar, o nosso texto põe em
relevo a atitude de Deus, que ama sempre (mesmo antes da conversão e do arrependimento)
e que não Se sente conspurcado por ser tocado pelos pecadores e pelos
marginais. É o Deus da bondade e da misericórdia, que ama todos como filhos e
que a todos convida a integrar a sua família. É esse Deus que temos de propor
aos nossos irmãos e que, de forma especial, temos de apresentar àqueles que a
sociedade trata como marginais.
A figura de Simão, o fariseu,
representa aqueles que, instalados nas suas certezas e numa prática religiosa
feita de ritos e obrigações bem definidos e rigorosamente cumpridos, se acham
em regra com Deus e com os outros. Consideram-se no direito de exigir de Deus a
salvação e desprezam aqueles que não cumprem escrupulosamente as regras e que
não têm comportamentos social e religiosamente corretos. É possível que nenhum
de nós se identifique totalmente com esta figura; mas, não teremos, de quando
em quando, “tiques” de orgulho e de auto-suficiência que nos levam a
considerar-nos mais ou menos “perfeitos” e a desprezar aqueles que nos parecem
pecadores, imperfeitos, marginais?
A exclusão e a marginalização não geram
vida nova; só o amor e a misericórdia interpelam o coração e provocam uma
resposta de amor. Frequentemente fala-se, entre nós, no agravamento das penas
previstas para quem infringe as regras sociais, como se estivesse aí a solução
mágica para a mudança de comportamentos… A lógica de Deus garante-nos que só o
amor e a misericórdia conduzem à vida nova.
Na linha do que a Palavra de Deus nos
propõe hoje, como tratar esses excluídos, que todos os dias batem à porta da
“fortaleza Europa” à procura de condições mínimas para viver com dignidade? E
os moralmente fracassados, que testemunho de amor e de misericórdia encontram
nas nossas comunidades?
Ultimamente, fala-se muito do papel e
do estatuto das mulheres na comunidade cristã. Este texto diz-nos que, ao
contrário do que era costume na época, as mulheres faziam parte do grupo de
Jesus. Que significa isso: que elas devem ter acesso aos ministérios na
comunidade cristã? Seja qual for a resposta, o que é importante é que não
façamos disto uma luta pelo poder, ou uma reivindicação de direitos, mas uma questão
de amor e de serviço.
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