A
liturgia de hoje sugere que Deus conta connosco para intervir no mundo, para
transformar e salvar o mundo; e convida-nos a responder a esse chamamento com
disponibilidade e com radicalidade, no dom total de nós mesmos às exigências do
“Reino”.
A
primeira leitura apresenta-nos um Deus que, para atuar no mundo e na história,
pede a ajuda dos homens; Eliseu (discípulo de Elias) é o homem que escuta o
chamamento de Deus, corta radicalmente com o passado e parte generosamente ao
encontro dos projetos que Deus tem para ele.
O
Evangelho apresenta o “caminho do discípulo” como um caminho de exigência, de
radicalidade, de entrega total e irrevogável ao “Reino”. Sugere, também, que
esse “caminho” deve ser percorrido no amor e na entrega, mas sem fanatismos nem
fundamentalismos, no respeito absoluto pelas opções dos outros.
A
segunda leitura diz ao “discípulo” que o caminho do amor, da entrega, do dom da
vida, é um caminho de libertação. Responder ao chamamento de Cristo,
identificar-se com Ele e aceitar dar-se por amor, é nascer para a vida nova da
liberdade.
LEITURA
I – 1 Re 19,16b.19-21
Leitura
do Primeiro Livro dos Reis
Naqueles
dias,
disse
o Senhor a Elias:
«Ungirás
Eliseu, filho de Safat, de Abel-Meola,
como
profeta em teu lugar».
Elias
pôs-se a caminho
e
encontrou Eliseu, filho de Safat,
que
andava a lavrar com doze juntas de bois
e
guiava a décima segunda.
Elias
passou junto dele e lançou sobre ele a sua capa.
Então
Eliseu abandonou os bois,
correu
atrás de Elias e disse-lhe:
«Deixa-me
ir abraçar meu pai e minha mãe;
depois
irei contigo».
Elias
respondeu:
«Vai
e volta,
porque
eu já fiz o que devia».
Eliseu
afastou-se,
tomou
uma junta de bois e matou-a;
com
a madeira do arado assou a carne,
que
deu a comer à sua gente.
Depois
levantou-se e seguiu Elias,
ficando
ao seu serviço.
AMBIENTE
Esta
passagem do Primeiro Livro dos Reis leva-nos até ao séc. IX a.C. Estamos na
época dos dois reinos divididos.
Os
profetas Elias e Eliseu, aqui referenciados, exerceram o seu ministério
profético no reino do norte (Israel), no tempo dos reis Acab e Ocozias (Elias),
Jorão e Jehú (Eliseu). É uma época de grande desnorte, em termos religiosos: a
fé jahwista é posta em causa pela preponderância que os deuses estrangeiros
assumem na cultura religiosa de Israel.
Uma
grande parte do ministério de Elias desenrola-se durante o reinado de Acab
(874-853 a.C.). O rei – influenciado por Jezabel, a sua esposa fenícia – erige
altares a Baal e Astarte e prostra-se diante das estátuas desses deuses.
Estamos diante de uma tentativa de abrir Israel ao intercâmbio com outras
culturas; mas essas razões políticas não são entendidas nem aceites pelos
círculos religiosos de Israel. Nessa época, Elias torna-se o grande campeão da
fé jahwista (cf. 1 Re 18 – o episódio do “duelo” religioso entre Elias e os
profetas de Baal, no monte Carmelo), defendendo a Lei em todas as suas
vertentes (inclusive na vertente social – cf. 1 Re 21 – o célebre episódio da
vinha de Nabot), contra uma classe dirigente que subvertia a seu bel-prazer as
leis e os mandamentos de Jahwéh.
A
luta de Elias no sentido de preservar os valores fundamentais da fé jahwista
será continuada nos reinados seguintes por um dos seus discípulos – Eliseu. A
leitura que nos é proposta apresenta-nos, precisamente, o chamamento de Eliseu.
MENSAGEM
O
texto propõe-nos uma reflexão sobre o chamamento de Deus e a resposta do homem.
O
quadro inicial da nossa leitura situa-nos no Horeb, a montanha da revelação de
Deus ao seu Povo (cf. 1 Re 19,8). Porquê no Horeb? Porque aí, no lugar onde
começou a Aliança, Deus vai definir os instrumentos do restabelecimento da
Aliança: Elias é convidado a ungir Eliseu como profeta; ele será (juntamente
com Jehú, futuro rei de Israel e de Hazael, futuro rei de Damasco) o
instrumento de Deus na aniquilação de Acab, o rei infiel a Jahwéh e à Aliança. Trata-se
da única vez que o Antigo Testamento refere a “unção” de um profeta.
Após
a apresentação inicial, o autor deuteronomista desenha o quadro do chamamento
de Eliseu. Ele está no campo, com os bois, a lavrar a terra quando Elias o
encontra e o convida a ser profeta: o profeta não é alguém que, repentinamente,
cai do céu e invade de forma anormal o mundo dos homens; também não é alguém
que se torna profeta porque não serve para outra coisa; mas é sempre um homem
normal, com uma vida normal, a quem Deus chama, indo ao seu encontro e
falando-lhe na normalidade do trabalho diário, para lhe apresentar o seu
desafio.
Elias
lança sobre Eliseu o seu “manto”. Este gesto tem de ser entendido à luz da
crença de que as roupas ou os objetos pertencentes a uma pessoa representavam
essa pessoa e continham qualquer coisa do seu poder: dessa forma, Elias
comunica a Eliseu o seu poder e o seu espírito proféticos (cf. 2 Re 2,13-14;
4,29-31; Lc 8,44; Act 19,12).
Temos,
depois, a resposta de Eliseu ao desafio que Deus lhe lança através do gesto de
Elias: imolou uma junta de bois, queimou o arado, assou a carne dos bois e
deu-a a comer à sua família; depois, seguiu Elias e ficou ao seu serviço.
O
gesto de Eliseu significa, provavelmente, o abandono da vida antiga, a renúncia
à antiga profissão, a ruptura com a própria família e a entrega total à missão
profética. Exprime a radicalidade da sua entrega ao serviço de Deus.
ATUALIZAÇÃO
Ter
em conta, para a reflexão, os seguintes dados:
A
história da salvação não é a história de um Deus que intervém no mundo e na
vida dos homens de forma espalhafatosa, prepotente, dominadora; mas é uma
história de um Deus que, discretamente, sem se impor nem dar espetáculo, age no
mundo e concretiza os seus planos de salvação através dos homens que Ele chama.
É como se Ele nos dissesse como fazer as coisas, mas respeitasse o nosso
caminho e Se escondesse por detrás de nós. É necessário ter em conta que somos
os instrumentos de Deus para construir a história, até que o nosso mundo chegue
a ser esse “mundo bom” que Deus sonhou. Aceitamos este desafio?
O
relato da “vocação” de Eliseu não é o relato de uma situação excepcional, que
só acontece a alguns privilegiados, eleitos entre todos por Deus para uma
missão no mundo; mas é a história de cada um de nós e dos apelos que Deus nos
faz, no sentido de nos disponibilizarmos para a missão que Ele nos quer
confiar, quer no mundo, quer na nossa comunidade cristã. Estou atento aos
apelos de Deus? Tenho disponibilidade, generosidade e entusiasmo para me
empenhar nas tarefas a que Ele me chama?
O
chamamento de Deus chega a Eliseu através da acção de Elias… É preciso ter em
conta que, muitas vezes, o desafio de Deus nos chega através da palavra ou da
interpelação de um irmão; e que, muitas vezes, é preciso contar com o apoio de
alguém para discernir o caminho e ser capaz de enfrentar os desafios da
vocação.
Finalmente,
somos chamados a contemplar a disponibilidade de Eliseu e a forma radical como
ele acolheu o desafio de Deus. A referência à morte dos bois, ao desmantelamento
do arado (cuja madeira serviu para assar a carne dos animais) e ao banquete de
despedida oferecido à família significa que o profeta resolveu “cortar todas as
amarras”, pois queria dar-se, radicalmente, ao projecto de Deus. É esse corte
radical com o passado e essa entrega definitiva à missão que nos questiona e
interpela.
SALMO
RESPONSORIAL – Salmo 15 (16)
Refrão:
O Senhor é a minha herança.
Defendei-me,
Senhor: Vós sois o meu refúgio.
Diga
ao Senhor: «Vós sois o meu Deus».
Senhor,
porção da minha herança e do meu cálice,
está
nas vossas mãos o meu destino.
Bendigo
o Senhor por me ter aconselhado,
até
de noite me inspira interiormente.
O
Senhor está sempre na minha presença,
com
Ele a meu lado não vacilarei.
Por
isso o meu coração se alegra e a minha alma exulta
e
até o meu corpo descansa tranquilo.
Vós
não abandonareis a minha alma na mansão dos mortos,
nem
deixareis o vosso fiel sofrer a corrupção.
Dar-me-eis
a conhecer os caminhos da vida,
alegria
plena na vossa presença,
delícias
eternas à vossa direita.
LEITURA
II – Gal 5,1.13-18
Leitura
da Epístola do apóstolo São Paulo aos Gálatas
Irmãos:
Foi
para a verdadeira liberdade que Cristo nos libertou.
Portanto,
permanecei firmes
e
não torneis a sujeitar-vos ao jugo da escravidão.
Vós,
irmãos, fostes chamados à liberdade.
Contudo,
não abuseis da liberdade
como
pretexto para viverdes segundo a carne;
mas,
pela caridade,
colocai-vos
ao serviço uns dos outros,
porque
toda a Lei se resume nesta palavra:
«Amarás
o teu próximo como a ti mesmo».
Se
vós, porém, vos mordeis e devorais mutuamente,
tende
cuidado, que acabareis por destruir-vos uns aos outros.
Por
isso vos digo:
Deixai-vos
conduzir pelo Espírito
e
não satisfareis os desejos da carne.
Na
verdade, a carne tem desejos contrários aos do Espírito,
e
o Espírito desejos contrários aos da carne.
São
dois princípios antagônicos
e
por isso não fazeis o que quereis.
Mas
se vos deixais guiar pelo Espírito,
não
estais sujeitos à Lei de Moisés.
AMBIENTE
Continuamos
a ler a Carta aos Gálatas. Já sabemos qual é o problema fundamental aí
abordado: os Gálatas estão a ser perturbados por esses “judaízantes” para quem
os rituais da Lei de Moisés também são necessários para chegar à vida em
plenitude (“salvação”); e Paulo – para quem “Cristo basta” e para quem as obras
da Lei já não dizem nada – procura fazer com que os Gálatas não se sujeitem
mais à escravidão, nomeadamente à escravidão dos ritos e das leis.
O
texto que nos é proposto aparece na parte final da Carta. É o início de uma
reflexão sobre a verdadeira liberdade, que é fruto do Espírito (cf. Gal
5,1-6,10).
MENSAGEM
As
palavras de Paulo são um convite veemente à liberdade. Logo no início deste
texto (vers. 1), ele avisa os Gálatas que foi para a liberdade que Cristo os
libertou (a repetição – libertar para a liberdade – é, sem dúvida, um hebraísmo
destinado a dar ao verbo “libertar” um sentido mais intenso) e que não convém
voltar a cair no jugo da escravidão (mais à frente – vers. 2-4 – ele identifica
essa escravidão com a Lei e com a circuncisão).
Os
vers. 13-18 explicam em que consiste a liberdade para o cristão. Trata-se da
faculdade de escolher entre duas coisas distintas e opostas? Não. Trata-se de
uma espécie de independência ético-moral, em virtude da qual cada um pode fazer
o que lhe apetece, sem barreiras de qualquer espécie? Também não.
Para
Paulo, a verdadeira liberdade consiste em viver no amor (vers. 13-14). O que
nos escraviza, nos limita e nos impede de alcançar a vida em plenitude
(“salvação”) é o egoísmo, o orgulho, a auto-suficiência; mas superar esse
fechamento em nós próprios e fazer da nossa vida um dom de amor torna-nos
verdadeiramente livres. Só é autenticamente livre aquele que se libertou de si
próprio e vive para se dar aos outros.
Como
é que esta “liberdade” (a capacidade de amar, de dar a vida) nasce em nós? Ela
nasce da vida que Cristo nos dá: pela adesão a Cristo, gera-se em cada pessoa
um dinamismo interior que a identifica com Cristo e lhe dá uma capacidade
infinita de amar, de superar o egoísmo, o orgulho e os limites – ou seja, com
uma capacidade infinita de viver em liberdade. É o Espírito que alimenta, dia a
dia, essa vida de liberdade (ou de amor) que se gerou em nós, a partir da nossa
adesão a Cristo (vers. 16).
Viver
na escravidão é continuar a viver uma vida centrada em si próprio (Paulo
enumera, mais à frente, as obras de quem é escravo – cf. Gal 5,19-21); viver na
liberdade (“segundo o Espírito”) é sair de si e fazer da sua vida um dom, uma
partilha (Paulo enumera, mais à frente, as obras daquele que é livre e vive no
Espírito – cf. Gal 5,22-23).
ATUALIZAÇÃO
Considerar,
na reflexão, os seguintes elementos:
Os
homens do nosso tempo têm em grande apreço esse valor chamado “liberdade”; no
entanto têm, frequentemente, uma perspectiva demasiado egoísta deste valor
fundamental. Quando a “liberdade” se define a partir do “eu”, identifica-se com
“libertinagem”: é a capacidade de “eu” fazer o que quero; é a capacidade de
“eu” poder escolher; é a capacidade de “eu” poder tomar as minhas decisões sem
que ninguém me impeça… Esta liberdade não gera, tantas vezes, egoísmo,
isolamento, orgulho, auto-suficiência e, portanto, escravidão?
Para
Paulo, só se é verdadeiramente livre quando se ama. Aí, eu não me agarro a nada
do que é meu, deixo de viver obcecado comigo e com os meus interesses e estou
sempre disponível – totalmente disponível – para me partilhar com os meus
irmãos. É esta experiência de liberdade que fazem hoje tantas pessoas que não
guardam a própria vida para si próprias, mas fazem dela uma oferta de amor aos irmãos
mais necessitados. Como dar este testemunho e passar esta mensagem aos homens
do nosso tempo, sempre obcecados com a verdadeira liberdade? Como explicar que
só o amor nos faz totalmente livres?
Falar
de uma comunidade (cristã ou religiosa) formada por pessoas livres em Cristo
implica falar de uma comunidade voltada para o amor, para a partilha, para as
necessidades e carências dos irmãos que estão à sua volta. É isso que realmente
acontece com as nossas comunidades? Damos este testemunho de liberdade no dom
da vida aos irmãos que nos rodeiam? As nossas comunidades são comunidades de
pessoas livres que vivem no amor e na doação, ou comunidades de escravos,
presos aos seus interesses pessoais e egoístas, que se magoam e ofendem por
coisas sem importância, dominados por interesses mesquinhos e capazes de gestos
sem sentido de orgulho e prepotência?
ALELUIA
– 1 Sam. 3,9; Jo. 6,68c
Aleluia.
Aleluia.
Falai,
Senhor, que o vosso servo escuta.
Vós
tendes palavras de vida eterna.
EVANGELHO
– Lc. 9,51-62
Evangelho
de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Lucas
Aproximando-se
os dias de Jesus ser levado deste mundo, Ele
tomou a decisão de Se dirigir a Jerusalém e
mandou mensageiros à sua frente.
Estes
puseram-se a caminho e
entraram numa povoação de samaritanos,
a
fim de Lhe prepararem hospedagem.
Mas
aquela gente não O quis receber, porque
ia a caminho de Jerusalém.
Vendo
isto, os discípulos Tiago e João disseram a Jesus:
«Senhor,
queres
que mandemos descer fogo do céu que os destrua?»
Mas
Jesus voltou-Se e repreendeu-os.
E
seguiram para outra povoação.
Pelo
caminho, alguém disse a Jesus: «Seguir-Te-ei
para onde quer que fores».
Jesus
respondeu-lhe: «As
raposas têm as suas tocas
e
as aves do céu os seus ninhos; mas
o Filho do homem não tem onde reclinar a cabeça».
Depois
disse a outro: «Segue-Me».
Ele
respondeu: «Senhor,
deixa-me ir primeiro sepultar meu pai».
Disse-lhe
Jesus: «Deixa
que os mortos sepultem os seus mortos; tu,
vai anunciar o reino de Deus».
Disse-Lhe
ainda outro: «Seguir-Te-ei,
Senhor; mas
deixa-me ir primeiro despedir-me da minha família».
Jesus
respondeu-lhe:«Quem
tiver lançado as mãos ao arado e olhar para trás não
serve para o reino de Deus».
AMBIENTE
Aqui
começa, precisamente, a segunda parte do Evangelho segundo Lucas. Até agora, Lucas
situou Jesus na Galileia (1ª parte); mas, a partir de 9,51, Lucas põe Jesus a
caminhar decididamente para Jerusalém. A “caminhada” que Jesus aqui inicia com
os discípulos é mais teológica do que geográfica: não se trata tanto de fazer
um diário da viagem ou de fazer a lista dos lugares por onde Jesus vai passar
até chegar a Jerusalém; trata-se, sobretudo, de apresentar um itinerário
espiritual, ao longo do qual Jesus vai mostrando aos discípulos os valores do
“Reino” e os vai presenteando com a plenitude da revelação de Deus. Todo este
percurso que aqui se inicia converge para a cruz: ela vai trazer a revelação
suprema que Jesus quer apresentar aos discípulos e nela vai irromper a salvação
definitiva. Os discípulos são exortados a seguir este “caminho”, para se
identificarem plenamente com Jesus… Lucas propõe aqui à sua comunidade o
itinerário que os autênticos crentes devem percorrer.
MENSAGEM
Lucas
começa por apresentar as “exigências” do “caminho”. O nosso texto apresenta,
nitidamente, duas partes, dois desenvolvimentos.
Na
primeira parte (vers. 51-56), o cenário de fundo situa-nos no contexto da
hostilidade entre judeus e samaritanos. Trata-se de um dado histórico: a
dificuldade de convivência entre os dois grupos era tradicional; os peregrinos
que iam a Jerusalém para as grandes festas de Israel procuravam evitar a
passagem pela Samaria, utilizando preferencialmente o “caminho do mar” (junto
da orla costeira), ou o caminho que percorria o vale do rio Jordão, a fim de
evitar “maus encontros”.
A
primeira lição de Jesus ao longo desta “caminhada” vai para a atitude que os
discípulos devem assumir face ao “ódio” do mundo. Que fazer quando o mundo tem
uma atitude de rejeição face à proposta de Jesus? Tiago e João pretendem uma
resposta agressiva, “musculada”, que retribua na mesma moeda, face à
hostilidade manifestada pelos samaritanos (a referência ao “fogo do céu”
leva-nos ao castigo que Elias infligiu aos seus adversários – cf. 2 Re
1,10-12); mas Jesus avisa-os que o seu “caminho” não passa nem passará nunca
pela imposição da força, pela resposta violenta, pela prepotência (no seu
horizonte próximo continua a estar apenas a cruz e a entrega da vida por amor:
é no dom da vida e não na prepotência e na morte que se realizará a sua
missão). Isto é algo que os discípulos nunca devem esquecer, se estão
interessados em percorrer o “caminho” de Jesus.
Na
segunda parte (vers. 57-62), Lucas apresenta – através do diálogo entre Jesus e
três candidatos a discípulos – algumas das condições para percorrer, com Jesus,
esse “caminho” que leva a Jerusalém, isto é, que leva ao acontecer pleno da
salvação. Que condições são essas?
O
primeiro diálogo sugere que o discípulo deve despojar-se totalmente das
preocupações materiais: para o discípulo, o Reino tem de ser infinitamente mais
importante do que as comodidades e o bem-estar material.
O
segundo diálogo sugere que o discípulo deve despegar-se desses deveres e
obrigações que, apesar da sua relativa importância (o dever de sepultar os pais
é um dever fundamental no judaísmo), impedem uma resposta imediata e radical ao
Reino.
O
terceiro diálogo sugere que o discípulo deve despegar-se de tudo (até da
própria família, se for necessário), para fazer do Reino a sua prioridade
fundamental: nada – nem a própria família – deve adiar e demorar o compromisso
com o Reino.
Não
podemos ver estas exigências como normativas: noutras circunstâncias, Ele
mandou cuidar dos pais (cf. Mt 15,3-9); e os discípulos – nomeadamente Pedro –
fizeram-se acompanhar das esposas durante as viagens missionárias (cf. 1 Cor
9,5)… O que estes ensinamentos pretendem dizer é que o discípulo é convidado a
eliminar da sua vida tudo aquilo que possa ser um obstáculo no seu testemunho
quotidiano do Reino.
ATUALIZAÇÃO
Na
reflexão, considerar os seguintes elementos:
A
nós, discípulos de Jesus, é proposto que O sigamos no “caminho” de Jerusalém,
nesse “caminho” que conduz à salvação e à vida plena. Trata-se de um “caminho”
que implica a renúncia a nós mesmos, aos nossos interesses, ao nosso orgulho, e
um compromisso com a cruz, com a entrega da vida, com o dom de nós próprios,
com o amor até às últimas consequências. Aceitamos ser discípulos, isto é,
embarcar com Jesus no “caminho de Jerusalém”?
Jesus
recusa, liminarmente, responder à oposição e à hostilidade do mundo com
qualquer atitude de violência, de agressividade, de vingança. No entanto, a
Igreja de Jesus, na sua caminhada histórica, tem trilhado caminhos de
violência, de fanatismo, de intolerância (as cruzadas, as conversões à força,
os julgamentos da “santa” Inquisição, as exigências que criam em tantas
consciências escravidão e sofrimento…). Diante disto, resta-nos reconhecer que,
infelizmente, nem sempre vivemos na fidelidade aos caminhos de Jesus e pedir
desculpa aos nossos irmãos pela nossa falta de amor. É preciso, também,
continuar a anunciar o Evangelho com fidelidade, com firmeza e com coragem, mas
no respeito absoluto por aqueles que querem seguir outros caminhos e fazer
outras opções.
O
“caminho do discípulo” é um caminho exigente, que implica um dom total ao
“Reino”. Quem quiser seguir Jesus, não pode deter-se a pensar nas vantagens ou
desvantagens materiais que isso lhe traz, nem nos interesses que deixou para
trás, nem nas pessoas a quem tem de dizer adeus… O que é que, na nossa vida
quotidiana, ainda nos impede de concretizar um compromisso total com o “Reino”
e com esse caminho do dom da vida e do amor total?
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