sexta-feira, 27 de junho de 2014

TEMPOS DE PECADO.

Por que o catolicismo está em declínio?

 

Uma das minhas preocupações sociológicas é: por que o catolicismo entrou em acentuado declínio no último meio século nos países mais modernizados e prósperos do mundo, como os Estados Unidos, o Canadá e grande parte da Europa?
A resposta mais popular para esta pergunta é que o declínio é todo culpa do Concílio Vaticano II. Mas eu rejeito essa resposta. Se o Vaticano II teve um papel na queda, foi um papel bem pequeno. Os fatores importantes devem ser encontrados em outros lugares. Pode haver uma centena deles, mas um fator deve ser predominante.
O cristianismo é uma religião de salvação, ou seja, a sua oferta é nos salvar do pecado. De acordo com a história cristã, Deus se encarnou em Jesus Cristo, sofreu e morreu na cruz para nos salvar dos nossos pecados. A premissa, portanto, é que nós, seres humanos, somos pecadores. Sérios pecadores.

Mas... e se não fôssemos? A consequência seria não precisarmos de salvação do pecado. E se somos pecadores, mas não nos sentimos pecadores, também não vamos sentir a necessidade da salvação. E o cristianismo, desta forma, não fará sentido para nós.
Em geral, nós, homens e mulheres modernos, não nos sentimos pecadores. Não seriamente, pelo menos. Sim, admitimos que não somos perfeitos. Qualquer um de nós pode fazer uma lista das suas imperfeições: às vezes, comemos ou bebemos um pouco demais; muitas vezes nos exercitamos pouco; não lemos bons livros o suficiente; cometemos pequenos atos de indelicadeza de tempos em tempos, e assim por diante. Mas nada realmente pecaminoso o bastante para que o Criador e Sustentador do universo se faça homem e venha sofrer e morrer para expiar a nossa grande maldade.

Admitimos que alguns seres humanos são realmente muito maus: Hitler, Stalin, Osama bin Laden, Charles Manson e alguns outros. Mas eles são atípicos na humanidade. O resto de nós, seres humanos normais, fica horrorizado com os crimes de Hitler e companhia. Esta é a prova de que nós não somos tão maus, não é? Então, não precisamos de salvação do pecado. E não precisamos de uma religião que nos ofereça esta salvação. Não é de admirar que o catolicismo esteja em declínio.

Houve um tempo, séculos atrás, em que as pessoas no mundo cristão (o que hoje chamamos de "mundo ocidental", já que não podemos mais chamá-lo com precisão de mundo cristão) tinham um forte senso da sua tendência a pecar e, portanto, uma forte sensação de precisar da salvação. Foi nessa atmosfera que o catolicismo floresceu.
Mesmo com a grande Reforma Protestante, esse forte sentimento de pecado persistiu. Os primeiros líderes protestantes, como Lutero e Calvino, tinham o mesmo senso do pecado humano que qualquer católico; talvez ainda mais forte.
Mas as coisas mudaram no século 18. A ideia de que a natureza humana é inclinada ao mal foi gradualmente substituída pela ideia oposta: a de que a natureza humana é inclinada ao bem. O pensador que melhor expressou essa ideia foi Jean-Jacques Rousseau, muitas vezes chamado de "pai do Romantismo". Mas, se Rousseau era uma poderosa influência no pensar e no sentir do século 18, é porque ele apenas expressava, com palavras persuasivas, o que todo mundo, ou pelo menos um grande número de pessoas, já estava a ponto de pensar e sentir também.

Deve-se admitir que esta substituição da ideia católica de pecado original pela ideia moderna de bondade humana teve algumas consequências boas muito importantes. Por um lado, facilitou o advento da democracia, já que, se os seres humanos são bons, podemos confiar neles para governar a si mesmos. Além disso, trouxe uma grande confiança em nossos próprios poderes criativos, o que gerou um enorme progresso econômico e tecnológico. Mas, e isso também tem de ser admitido, minou a razão de ser do catolicismo.  Existe alguma chance de ressurgir a velha visão católica da propensão humana ao pecado? Sim, se entrarmos em outro tempo de maldade como o de Hitler e Stalin. Era relativamente fácil acreditar em pecado original durante o tempo de Hitler e Stalin, que ofereciam demonstrações diárias de maldade. Mas será que não há outra maneira de recuperarmos o nosso senso de necessidade da salvação?

Tudo depende do que queremos dizer com pecado. Se o pecado é questão de gestos sensacionais de imoralidade (assassinato, estupro, roubo, apropriação indébita, abuso sexual de crianças, autodestruição com drogas e álcool etc.), é claro que a maioria de nós não é pecadora e não precisa da redenção cristã. Mas se o pecado é a falta de santidade, a redenção é tudo de que precisamos, porque só Deus é verdadeiramente santo. Nós, humanos, não somos santos nem podemos nos fazer santos. Podemos tornar-nos santos sendo salvos do nosso estado pecaminoso de falta de santidade, mas apenas por graça de Cristo.

A raiz do problema, creio eu, é que nós, humanos modernos, não acreditamos de verdade em Deus. Acreditamos mais ou menos. Se realmente acreditássemos em Deus, teríamos um forte senso da santidade de Deus e, por conseguinte, um forte senso da nossa própria falta de santidade, ou seja, do nosso pecado. Isto, por sua vez, nos faria sentir a necessidade de ser salvos do pecado.
O catolicismo reflorescerá, em suma, quando reflorescer a genuína e sólida fé em Deus. 

 

 

 

 

David Carlin

 

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