sábado, 17 de dezembro de 2011

A ORAÇÃO "TENTADA" DE JESUS.


Frei Patrício Sciadini, ocd

Na edição anterior, fixamos brevemente a nossa atenção na pessoa de Jesus que, embora estando unido intimamente ao Pai, sentia a necessidade de rezar. Ele deixava tudo e se retirava ao monte a sós; ou de madrugada, quando ainda estava escuro, levantava-se sem perturbar o sono dos discípulos e afastava-se deles para mergulhar no mais insondável diálogo com o Pai. Os mesmos discípulos, não o encontrando, iam procurá-lo e um dia vendo-o em oração ficaram extasiados. Nada disseram, nada pediram, apenas o contemplaram em oração. Uma visão que nunca poderia ser apagada na memória e na imagem daqueles discípulos.

Depois da oração, eles se aproximaram de Jesus e fizeram-lhe um simples pedido: “Senhor, ensina-nos a rezar como João ensinou aos seus discípulos”. Ele lhes disse: “Quando rezardes, dizei: Pai, santificado seja o teu nome, venha o teu Reino. Dá-nos cada dia o pão necessário; perdoa-nos os nossos pecados, pois também nós perdoamos a todos que nos ofenderam, e não nos deixes cair em tentação”.(Lc 11, 1-4)

Ensina-nos a orar...

Hoje ousamos fazer para Jesus o mesmo pedido: “Mestre, ensina-nos a orar!” E ficamos à espera de que Ele sussurre aos ouvidos do nosso coração as mesmas palavras daquele dia: “Quando rezardes dizei...”

Não podemos pensar que a oração do Pai nosso seja demasiadamente conhecida. Precisamos entrar em sintonia com o Cristo em oração e ouvir novamente esta oração de Jesus. A arte da escuta é cada vez mais rara; no entanto, a maioria dos problemas do relacionamento humano acontece por não sabermos escutar o que o outro diz. É o momento propício para aprofundarmos a psicologia da escuta, e fazermos “vazio” dentro de nós para que o outro – e não as palavras do outro – possa entrar e fazer-se um de nós.

Pai nosso...

Aquela não foi a primeira vez que Jesus rezou o Pai nosso. Seria quase impossível lembrar-se de tudo o que naquela oração tinha dito ao Pai. Percebe-se que é uma oração “madura”, sofrida, repetida, quem sabe, dezenas ou centenas de vezes, onde o terreno do coração de Cristo está totalmente imbuído da força e do amor do Espírito Santo. Uma oração experimentada, segura e por isso Jesus pode ensiná-la aos seus discípulos.

Gosto de chamar o Pai nosso de “oração tentada”, isto é, provada em várias circunstâncias e amadurecida. Onde podemos, com segurança, nos dirigir ao Pai na certeza de sermos ouvidos amorosamente. As nossas orações são feitas de muitas palavras e metade delas poderiam ser tiradas sem que a oração perdesse o seu conteúdo e sua força de amor. Até poderíamos acrescentar outras palavras e daria certo. Não é assim no “Pai nosso”. É uma oração feita do essencial onde nada precisamos acrescentar ou tirar.

Jesus nos surpreende com o seu estilo de se dirigir ao Pai. É uma oração filial que Ele não quer guardar só para si, mas quer comunicar. Esta é a grandeza do nosso Deus e das três pessoas da Santíssima Trindade. Elas não querem “ser felizes sozinhas” mas partilham e participam com todos os homens do mistério do amor.

Pai nosso
“Pai nosso, que estás nos céus, santificado seja o teu nome; venha o teu Reino, seja feita a tua vontade assim na terra, como no céu. O pão nosso de cada dia dá-nos hoje, perdoa-nos as nossas ofensas, assim como nós perdoamos aos que nos ofenderam, e não nos deixes cair em tentação, mas livra-nos do mal.” (Mt 6, 9-13).

Leia e releia atentamente o Pai nosso, com esta preocupação: o que você tira das palavras de Jesus que lhe parecem supérfluas, repetitivas, ou até inúteis? Alguém pode até objetar que a redação do Pai nosso de Lucas é diferente da de Mateus, mais curta, com menos pedidos e, no entanto, não é menos pobre e menos de Jesus. É verdade, mas na oração de Lucas estão subentendidas as palavras do mesmo Mateus. Provavelmente os dois evangelistas atingiram a mesma fonte original, a mesma catequese primitiva, mas tendo em consideração os diferentes destinatários, acharam por bem tornar a oração do Pai nosso mais “objetiva” e, quem sabe, compreensiva.

Oração tentada

A palavra “tentada” aqui tem o sentido de experimentada e provada. A nossa oração é muito fácil e por isso não produz os frutos que esperamos. É uma oração que não tem o sabor do sofrimento e da provação. A oração, muitas vezes, se faz desespero, somos levados ao deserto para sermos tentados e provados se somos capazes de rezar. Somente no deserto, na solidão, quando nos encontramos a sós com nosso eu, e diante de nós temos o vazio e a solidão imensa, é que experimentamos a necessidade da oração como diálogo com “aquele que sabemos que nos ama” e que por sua iniciativa nos leva ao deserto “porque quer falar ao nosso coração”.

Para muitas pessoas a oração está se transformando num “lazer”, num espaço de descanso, como uma área verde, um parque onde nos é permitido descansar e passear, livres das preocupações.

Jesus nos ensina que, no nosso diálogo com o Pai, podemos enfrentar muitas tentações: o silêncio de Deus, que pode nos parece distante até o ponto de levantar os olhos e gritar: “Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste?” Ou “se for possível afasta de mim este cálice!”

Há momentos em que, ao nosso redor, ruge forte a tempestade da descrença dos irmãos e vemos que a sabedoria humana não se deixa penetrar pela força divina e resiste ao encontro do amor infinito de Deus. Aí Jesus reza e pede para todos o dom da simplicidade e agradece ao Pai porque se esconde às pesquisas e às indagações dos sábios e entendidos e se doa totalmente aos simples: “Eu te louvo, Pai, Senhor do céu e da terra, porque escondeste estas coisas aos sábios e entendidos e as revelaste aos pequeninos.” (Mt 11, 25)

A mesma oração de Jesus se vê “tentada” quando deve escolher os seus primeiros discípulos: “Passa a noite toda em oração para discernir”. Um discernimento longo, doloroso, e aí também percebe que nem sempre é fácil escolher como também não é fácil para o homem responder o sim incondicional e para sempre.

A oração de Jesus é “tentada” quando se vê provocado pelos seguidores para que faça milagres e Ele, como resposta, “foge e se refugia na oração”.

Também, à semelhança da oração de Jesus, a nossa oração é “tentada”. Devemos saber vencer a tentação do vedetismo e da aparência para que estejamos sempre mais cheios do amor infinito de Deus e aprendamos a estar com o Pai somente pela pura gratuidade do amor e nada mais.




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