Mas se não é verdade que cometemos idolatria, então por que usamos imagens?
“Por que nós, católicos, temos imagens de quem adoramos, ou seja, de
Deus? De onde nasceu essa ideia?” (Noemí F.Q., via Facebook)
O uso de imagens e quadros religiosos em igrejas e
dentro de casa é muito difundido desde tempos imemoriais. A questão das
imagens sagradas costuma ser bastante polêmica; e na relação entre a
Igreja e as pessoas que pretendem seguir a Cristo fora dela, a polêmica
se acirra mais ainda, porque essas pessoas, entre muitos outros erros,
acham que a Igreja católica adora imagens, o que não é verdade.
Para esclarecermos o assunto, vamos repassar a história sagrada.
Comecemos observando que, no Antigo Testamento, era severamente proibido
o culto a todo tipo de imagens ou representações plásticas da
divindade.
O primeiro mandamento do decálogo afirma com palavras contundentes:
“Não farás para ti outros deuses diante de mim. Não farás escultura nem
imagem alguma… Não te prostrarás perante elas nem lhes darás culto,
porque eu, Javé, teu Deus, sou um Deus cioso…”. (Ex 20, 3-5). Fica
proibido, portanto, todo tipo de imagens apresentadas como divindade.
Esse mandamento começa dizendo: “Não farás para ti outros deuses diante de mim”. Ou, dito de outra maneira: “Não faças nenhum ídolo”.
Apesar desta proibição tão clara, porém, e imediatamente depois de
prometer que iria cumprir a lei, o povo fabrica um bezerro de ouro e o
adora como se fosse um deus: “Este é o teu Deus, Israel, aquele que te
tirou do Egito” (Ex 32,8). Era justamente contra isso que Deus tinha
advertido o seu povo. E é por causa deste pecado de idolatria que Deus
decide destruir o povo. Só a intercessão de Moisés consegue a piedade e o
perdão de Deus (Ex 32, 1-14). E Deus dá um alerta aos israelitas
também quanto às imagens que eles venham a encontrar entre os povos
pagãos: “Queimareis as esculturas dos seus deuses e não cobiçareis o
ouro nem a prata que as recobrem” (Dt 7,25).
Naturalmente, esta proibição permanece de pé no Novo Testamento com a mesma intenção e com o mesmo objetivo. A Bíblia
mostra que os cristãos também evitaram o uso de imagens que pudessem
ser objeto de adoração. São Paulo diz, em seu discurso em Atenas: “Se
somos estirpe de Deus, não podemos pensar que a divindade se pareça com
imagens de ouro ou de prata ou de pedra, esculpidas pela destreza e pela
fantasia de um homem” (At 17, 29). O apóstolo São João também declara:
“Filhos meus, guardai-vos dos ídolos” (1 Jo 5,21). Para a Igreja
nascente, é bem claro que a adoração deve ser tributada somente a Deus.
Por isso, no Império Romano, muitos cristãos foram martirizados: por se
recusarem a adorar os ídolos.
Agora, levemos em conta que os ídolos não são necessariamente
esculturas ou imagens. Também há ídolos imateriais, sutis e muito
capazes de nos absorver, nos quais nos refugiamos e colocamos a nossa vã
segurança. São ídolos que conservamos bem escondidos em nosso íntimo: a
ambição material, o desejo de celebridade, o afã de poder, a
sexualidade desordenada, a ilusão de ser os únicos amos da nossa vida,
algum pecado ao qual estamos especialmente apegados e muitos outros
ídolos afins. Em todos os casos, qualquer ídolo nos afasta de Deus e nos
distrai do nosso autêntico objetivo de vida: a salvação.
Qual é o motivo da proibição do Antigo Testamento?
A verdadeira razão dessa proibição é que Deus é o único Deus. Ele não
se resigna a ser, por exemplo, o primeiro entre os deuses. Ele é o
único. Por conseguinte, os deuses ou ídolos não são nada. Isaías
ridiculariza os ídolos e aqueles que os adoram (Is 44, 9-20).
Era proibido representar a Deus com imagens para que as pessoas não
achassem que Deus tivesse a forma de uma criatura ou fosse um objeto. No
fundo, o mandamento zela pelo bem do povo, para que o próprio povo não
se condene adorando um erro. O que não se aceita, portanto, é recorrer a
objetos materiais e depositar neles a plena confiança que devemos ao
Deus único, vivo e verdadeiro. Deus não é um ser material, mas uma
realidade espiritual. Por isso é que o povo não pode adorar sequer
representações materiais do verdadeiro Deus, porque corre o perigo de
confundir o Deus verdadeiro com a imagem que o representa, chegando a
crer que se trata de um Deus material.
Por que, então, existiram e existirão as imagens?
O que muitos desconhecem é que, assim como existe uma proibição de
cultuar imagens (e já sabemos o porquê), também existe uma permissão de
fazer imagens!
Vamos levar em consideração que a proibição se refere diretamente à
adoração das imagens em si mesmas, e não ao simples fato de fazê-las
para que elas sirvam apenas como sinal da presença de Deus. Neste
sentido, Deus mesmo manda fazer coisas, objetos e imagens. É o caso da
Arca da Aliança, com seus querubins de ouro e com o propiciatório também
de ouro puro (Ex 25, 10-22). São elementos que não merecem as honras
divinas: não podemos render culto a eles como se eles fossem Deus.
Mas o povo precisava (e precisa ainda) desses sinais sensíveis. Deus
mandou construir aquele sinal da sua presença no meio do povo.
Recorre-se à Arca de Deus para fazer oração porque ela é sinal da
presença de Deus. Prova disso é que a própria tenda do encontro foi
construída por ordem divina e estava cheia de imagens. O Templo de
Jerusalém também as tinha. E fica claro que elas não violavam a
proibição decretada por Deus.
Outro exemplo? A fabricação da serpente de bronze, que Deus ordena a
Moisés: “Faz uma serpente de bronze e expõe-na sobre um mastro (o
próprio Jesus Cristo menciona aquela serpente de bronze como símbolo
dele mesmo). Todo aquele que for ferido e olhar para ela, viverá” (Num
21, 6-9). Naturalmente, não é que a serpente de bronze tivesse alguma
virtude especial que a elevasse ao nível de divindade. Olhar para ela
era um ato de fé e de confiança na Palavra que Deus tinha pronunciado.
Tanto é que, mais adiante, o povo se desvia dessa intenção e passa a
prestar culto à própria serpente. Nesse momento, Ezequias manda
destruí-la (2 Re 18, 4).
São do Antigo Testamento os textos da Bíblia que
proíbem fazer imagens e devem-se ao risco de o povo cair na idolatria, a
exemplo dos povos vizinhos, que adoravam ídolos como se eles fossem
deuses. Já os textos do Novo Testamento que falam dos ídolos se referem
propriamente a ídolos adorados por pagãos, e não a simples imagens. O II
Concílio Ecumênico de Niceia, por isso, no ano de 787, “justificou o
culto das sagradas imagens…” (Catecismo da Igreja Católica, 2131).
O Deus do Antigo Testamento não tinha corpo, era invisível. Não podia
ser representado por imagens. Mas a partir de quando Deus se revelou em
forma humana, Cristo se tornou “a imagem visível do Deus invisível”,
como diz São Paulo (Col 1,15). No Novo Testamento, a permissão de usar
imagens que representam a divindade assume um caráter novo, graças ao
fato da Encarnação do Filho de Deus. Deus continua sendo puramente
espiritual, mas assumiu uma natureza humana, que é material. Por esta
razão, é lógico representá-lo para lhe dar culto (Catecismo da Igreja
Católica, 1159; 2129). A representação de imagens de Cristo é
completamente lícita, já que é a representação de alguém que é realmente
Deus. O culto que damos a Jesus, portanto, olhando para uma imagem
dele, não é de adoração à materialidade dessa imagem, mas à própria
Divina Pessoa que nela está representada. E ao olharmos, por exemplo,
para a imagem do Cristo crucificado, recordamos o muito que Ele sofreu
por nós e nos sentimos movidos a amá-lo mais e a confiar mais nele.
Em qualquer dos casos, o cristão sabe que a imagem,
embora represente Cristo, não é a divindade em si, e, por consequência,
não se presta culto a essa materialidade. Uma imagem representa o Filho
de Deus ou outras pessoas intimamente relacionadas com Ele: por isso é
lícito representar com imagens a Virgem Maria e os santos. A imagem é
simplesmente uma representação e uma lembrança daquelas pessoas: quando
se ora diante de uma imagem, não se cultua o objeto, não se fala à
materialidade da imagem, mas se rende culto a Deus (culto de latria), a
Maria (culto de hiperdulia) ou aos santos (culto de dulia). Diz o II
Concílio de Niceia, de 787 (sessão 7ª, 302): “A honra tributada à imagem
se dirige a quem ela representa” (Denzinger, pág. 155).
Na Igreja, veneramos os santos porque eles merecem o nosso respeito,
admiração e gratidão. Graças às suas imagens, nós os recordamos e, ao
mesmo tempo, eles nos trazem à mente verdades religiosas de grande
proveito espiritual, dizendo-nos algo relacionado com as suas vidas. Por
exemplo, graças às imagens podemos recordar quem era o santo (leigo,
religioso, bispo etc.), que virtude ele mais praticou (pureza, desapego,
humildade etc.), o que o tornou santo (martírio, estudo, missão etc.).
Assim também, ao vermos uma imagem da Mãe de Deus, vem à nossa memória
que, no céu, nós temos uma mãe imaculada que nos ama, que intercede por
nós e que nos incentiva a levar uma vida santa.
Quando vemos uma imagem das almas do purgatório,
recordamos a realidade do purgatório e somos movidos a orar pelos
falecidos. As imagens são uma espécie de retrato de entes queridos, a
quem recordamos com respeito e carinho. Quando beijamos a foto dos
nossos entes queridos que já partiram ou que estão longe, não é a foto
em si o que estamos homenageando: estamos recordando, pensando e sendo
carinhosos como os nossos entes queridos ali representados.
Há nos livros de história retratos de grandes personagens para que os
leitores os conheçam e, caso tenham sido bons, admirem e imitem; não há
nisso mal nenhum.
Em edifícios e praças públicas há estátuas de grandes heróis a cujos
pés são colocadas flores. Quem critica este gesto? Quem afirma que todas
as pessoas que praticam esse gesto estão “adorando imagens”? Sabemos
que, na verdade, o que elas fazem é homenagear e recordar com respeito
essas pessoas, dignas, para elas, de lembrança e de respeito.
Os santos, através das suas imagens, não são adorados, mas sim venerados. A adoração
é reservada somente a Deus. Venerar, porém, é reconhecer o valor de
alguém ou de algo que merece o nosso respeito. Nós veneramos os nossos
pais e a nossa pátria, mas não os adoramos. Adoramos somente a Deus.
Um protestante me disse uma vez: “Mas ajoelhar-se diante das imagens é
adoração”. Este é outro erro dos protestantes. Isto é o que eles acham.
Quem pode ver o interior das pessoas e acusá-las de idolatria, fazendo
um juízo temerário com base em aparências exteriores? Mesmo os mais
humildes, no fundo do seu coração, sabem que uma imagem sagrada ou
religiosa não é Deus, nem é o santo a quem eles querem prestar respeito.
Mesmo uma criança, sem muito conhecimento religioso, entende, quando vê
uma imagem, que se trata simplesmente de uma imagem.
Devemos recordar que o gesto de ficar de joelhos tem significados
diferentes dependendo da intenção com que é realizado. Diante de uma
imagem, é um ato de veneração a quem a imagem representa. Quando os
anciãos de Israel se prostravam diante da Arca da Aliança, não se
prostravam diante de uma caixa de madeira, mas diante de Deus, ali
representado. Quando rezamos diante do sacrário ou diante de uma
custódia, não rezamos para uma caixa ou para um objeto metálico: rezamos
e adoramos a Deus, presente no sacramento da Eucaristia.
Externamente, poderia parecer que um gesto de veneração a uma imagem é
semelhante ao de um pagão idólatra que adora a imagem por si mesma. Há,
porém, uma diferença substancial. Qual? A intenção do coração e o
significado da imagem para a pessoa. As imagens não têm, para nós, o
mesmo significado que tinham para os pagãos; eles de fato as
consideravam deuses. Nós não as adoramos; nós sabemos perfeitamente que
as imagens são apenas representações, seja de Cristo, seja dos seus
santos.
Não devemos tirar as coisas do seu contexto. O proibido é a adoração
das imagens como ídolos em si mesmas. A própria palavra hebraica usada
no primeiro mandamento da Lei de Deus é “pésel”, que significa “ídolo”.
Na mesma língua, há outras palavras que se referem a outros tipos de
imagens não idolátricas, como as decorativas ou representativas. Se uma
imagem não é um ídolo, ela não representa problema algum e podemos
manter os nossos templos cheios delas, tal como estava o Templo de
Salomão, que foi visitado por Jesus sem que Ele fizesse qualquer objeção
à presença dessas imagens.
Quando os fiéis beijam as relíquias de santos e
tocam nas imagens, o que eles fazem? Expressam amor pelos intercessores
ali representados e que são estímulo para a nossa vida cristã. Trata-se,
é claro, de uma fé simples, como a daqueles que esperavam receber a
graça da cura ao tocar nos lenços de São Paulo (At 19,12), ou como o bem
conhecido caso da hemorroíssa que, ao tocar no manto de Jesus, ficou
curada (Marcos 5,26-31). Alguém considera que essas pessoas foram
curadas por lenços e mantos? Jesus mesmo não falou da fé como de um grão
de mostarda? (Mt 17,20).
Outro protestante me disse um dia: “Se a Igreja retirasse todas as
imagens dos templos, eu poderia considerar a possibilidade de voltar à
comunhão com ela”.
Esta não parece ser a solução para os problemas que enfrentamos com as seitas.
Não vamos destruir todas as imagens porque alguns protestantes
interpretam mal os ensinamentos da Igreja ou as atitudes de um bom fiel.
A solução do problema é a catequese, para que se chegue à maturidade da fé com toda a sua liberdade interior.
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