quinta-feira, 17 de março de 2016

VAI E VIVE COMO QUISERES?


Quando livrou da morte a mulher adúltera, Nosso Senhor não lhe deu uma “licença para pecar”.


 
Por Equipe CNP — A passagem da adúltera perdoada, narrada por Jo 8, 1-11, constitui, sem dúvida, um dos mais belos trechos das Sagradas Escrituras: ilustram a sabedoria de Jesus, o modo admirável como Sua mansidão se coaduna com a Sua justiça, mas, sobretudo, dão testemunho da infinita misericórdia de Deus, que não quer a morte do pecador, mas que ele se arrependa e viva (cf. Ez 33, 11).
Neste ponto, a mensagem de Cristo toca a todos nós, filhos de Adão, já que "todos pecaram e estão privados da glória de Deus" ( Rm 3, 23). Foi o que Jesus lembrou quando disse aos escribas e mestres da Lei: "Quem dentre vós não tiver pecado, seja o primeiro a atirar-lhe uma pedra". Ao dizê-lo, Cristo fazia referência principalmente às más intenções que traziam em seu coração — afinal, ao pedir que fosse apedrejada a adúltera, quem eles realmente queriam lapidar era Jesus —, mas também à condição pessoal de cada ser humano após a Queda e o pecado original. O Senhor não se opunha ao cumprimento da justiça — Ele mesmo disse que não tinha vindo para abolir a Lei, mas levá-la à plenitude (cf. Mt 5, 17). O que a Sua sentença dizia era: "Seja punida a pecadora, mas não por pecadores; seja cumprida a lei, mas não por prevaricadores da lei, porque, como diz Rm 2, 1, 'julgando os outros condenas a ti mesmo, já que fazes as mesmas coisas, tu que julgas'" [1]. Não é justo, de fato, que os réus sejam condenados por juízes injustos; que tenham argueiros apontados em seus olhos por quem traz uma trave turvando a própria visão (cf. Mt 7, 5). Por isso, a fé cristã no juízo de Deus não é só causa de grande temor — "é terrível cair nas mãos do Deus vivo!" (Hb 10, 31) —, mas também motivo de grande consolação: no fim de nossas vidas, seremos julgados por um Juiz sumamente bom, perfeito e justo. É a Ele, não aos homens, que deveremos prestar contas.
E é justamente diante de uma das Pessoas da Santíssima Trindade ( unus ex Trinitate) que se encontra aquela mulher flagrada em adultério. Ela sabia bem que Jesus não era qualquer um: não só ouve os escribas chamando-O de Διδάσκαλε (didascále), "mestre", como ela mesma O chama de κύριε (kirie), "Senhor" [2]. Quando ouve de Sua boca que quem não tivesse pecado começasse a apedrejá-la, talvez até pensasse consigo que a primeira pedra viria justamente de Cristo, o Cordeiro imaculado e sem mancha, semelhante a nós em tudo, exceto no pecado (cf. Hb 4, 15).
Ele, porém, não veio para condenar o mundo, mas para salvar as pessoas de seus pecados. São João Batista se refere a Ele como "o Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo" ( Jo 1, 29). E Ele mesmo diz, falando a Nicodemos, que "Deus amou de tal modo o mundo que lhe deu o seu Filho único, para que todo o que nele crer não pereça, mas tenha a vida eterna" (Jo 3, 16). Por isso, também à mulher Ele diz: "Nem eu te condeno".
Quem quer que se detenha nessas linhas talvez fique com uma impressão demasiado doce e suave do Evangelho. Afinal, não foi o mesmo Cristo quem disse, em outro lugar, que o adultério é condenável não só por atos, mas até por pensamentos (cf. Mt 5, 28)? Não foi Ele quem chegou a proibir o próprio divórcio (cf. Mt 19, 9)? E não foi também Ele quem, sendo Deus, ditou o mandamento que diz: "Não cometerás adultério" (Ex 20, 14)? Como pode ser que não repreenda a mulher adúltera e aparentemente deixe as coisas por isso mesmo?
A pedagogia divina, no entanto, ao mesmo tempo em que não aniquila o pecador, também não faz parceria com o pecado. Cristo não condena a mulher, mas, ao despedi-la, diz: " Vai e não peques mais". Santo Tomás de Aquino, comentando esse versículo, diz:
"Havia duas coisas nesta mulher: a natureza e a culpa. O Senhor podia ter condenado ambas: a natureza, ordenando que fosse apedrejada, e a culpa, não a absolvendo. Podia também ter absolvido ambas, se concedesse à mulher licença para pecar, dizendo: 'Vai e vive como quiseres, está segura da minha libertação. Não importa o quanto peques, eu também te livrarei das torturas da Geena e do Inferno'. Mas o Senhor, que não ama a culpa e não favorece o pecado, condenou a culpa, não a natureza, dizendo: 'Não peques mais', pelo que mostrou quão doce é pela mansidão e quão reto é pela verdade." [3]
Graças, portanto, sejam dadas a Nosso Senhor Jesus Cristo! Não nos condenou à morte por nossos pecados, mas veio nos dar a vida plena! Veio libertar-nos, não da morte do corpo, como fez com a adúltera, mas da morte da alma, que é a pior de todas! Não bastava que fosse poupada das pedras deste mundo, aquela mulher precisava ser livre também da condenação eterna. Porque não seria, de fato, plena misericórdia que, salvando a pele daquela mulher, Nosso Senhor deixasse que se perdesse a sua alma, o que ela tinha de mais valioso. É por isso que Ele lhe diz: "Vai e não peques mais". Ordena a ela que vá, sim, mas também que fique. Manda fisicamente que vá embora, mas que espiritualmente fique consigo, porque sabe que só assim ela será verdadeiramente livre da morte.
Hoje o Senhor diz também a nós: "Vai e não peques mais". Hoje quer dizer "a todo momento", porque Ele quer estar conosco sempre. Mas a Sua misericórdia abundante se derrama sobre nós principalmente quando nos perdoa no sacramento da Confissão e quando Se une a nós no sacramento da Eucaristia; quando nos livra de nossas faltas graves na Penitência e nos purifica de nossos pecados veniais na Comunhão. Sempre que nos despedirmos do Senhor que nos visita nesses sacramentos, lembremo-nos de Sua voz afável, mansa e amorosa, convidando-nos à vida da perfeição e como que ecoando através dos séculos aquela pergunta: "Que adianta ao homem ganhar o mundo inteiro se vem a perder a sua alma?" (Mc 8, 36). 












Por Equipe Christo Nihil Praeponere

Sugestões

  • AV. 137. Natal da Misericórdia
  • TF. 287. 5.º Domingo da Quaresma - A adúltera perdoada

Referências

  1. Santo Tomás de Aquino, Comentário ao Evangelho de São João, VIII, 1, n. 1132.
  2. Cf. Catecismo da Igreja Católica, § 446-452.
  3. Santo Tomás de Aquino, Comentário ao Evangelho de São João, VIII, 1, n. 1139.

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