Como
todo santo, Tomás de Aquino também precisou ser moldado na escola das
virtudes e dos sacramentos antes de tornar-se o maior Doutor da Igreja.
Os santos nunca nascem prontos. Nas Sagradas Escrituras, lemos que
mesmo Jesus, apesar de Sua natureza divina, precisou crescer "em
estatura, sabedoria e graça" (Lc 2, 52), segundo Sua natureza
humana, antes de iniciar seu fecundo ministério público. No nosso caso,
porém, esse crescimento exige um grau de purificação adequado à nossa
realidade decaída, uma vez que — à exceção da Virgem Santíssima e do
próprio Cristo, que nasceram imaculados — todos estamos marcados pelo
pecado original e, portanto, privados dos "dons preternaturais",
dependemos da economia sacramental, caso queiramos subir os degraus da escada da santidade. É assim e assim será até a parusía.
Chesterton tinha uma expressão muito feliz sobre a perfeição cristã: "Todo santo é um homem antes de ser santo; e um santo pode ser feito de todo tipo de homem"
[1]. Quem está acostumado a contemplar a singela imagem de Santa
Teresinha do Menino no Jesus, com aquele crucifixo, rodeado por flores,
nos braços, não imagina o quão mimada foi a pequena carmelita, durante
sua infância e pré-adolescência. Do mesmo modo, ninguém acreditaria no
passado devasso de Santo Agostinho não fosse ele mesmo a revelá-lo,
entre lágrimas e murmúrios, nas suas Confissões. Que dizer,
então, do pacífico São Paulo que, antes da conversão no caminho para
Damasco, era perseguidor de cristãos e depois, já como apóstolo, teve de
viver um longo período em retiro, a fim de livrar-se de sua fúria
explosiva? Até São Pedro, o primeiro papa, passou por uma noite escura
da fé para que pudesse ser levado aonde não queria ir.
"O que é estulto no mundo, Deus o escolheu para confundir os sábios; e o
que é fraco no mundo, Deus o escolheu para confundir os fortes" (1 Cor
1, 27). Esse é o plano de Deus segundo as palavras de São Paulo aos
coríntios. É que, com esse modo de proceder, Ele não só coíbe nossa
tendência à vanglória, como também manifesta seu apreço e amor por todos
os seus filhos, ainda que sejam frágeis criaturas de barro,
habitualmente ignoradas pelos grandes e poderosos do mundo.
A história de Santo Tomás de Aquino, neste sentido, é um forte
testemunho para nós. Após pouco mais de 740 anos de sua morte, é comum
pensar nele como o grande Doutor da Igreja, louvado pelos Santos Padres
"não só pelo conteúdo da sua doutrina, mas também pelo diálogo que soube
instaurar com o pensamento árabe e hebreu do seu tempo" [2]. Com a
famosa encíclica Aeterni Patris,
Leão XIII declarou-o "guia e mestre" de toda a teologia escolástica (n.
5). A respeito de sua filosofia, o Papa Pio XII falou: "O desejo
sincero... em procurar e propagar a verdade, não é suprimido pela
recomendação da doutrina de S. Tomás, mas é antes estimulado e orientado
com mais segurança" [3]. Ainda mais contundente foi o Beato Paulo VI,
por ocasião do VI Congresso Internacional Tomístico, em 1965. Estas são suas palavras:
(Os Mestres)... ouçam com reverência a voz dos Doutores da Igreja, entre os quais merece o primeiro lugar S. Tomás; é tão grande o engenho do Doutor Angélico, tão sincero o seu amor à verdade e tão grande a sabedoria em investigar, explicar e dar admirável unidade às verdades mais sublimes, que a sua doutrina é o instrumento mais eficaz, não só para fundamentar solidamente a fé, mas também para colher com utilidade e segurança os frutos dum são progresso.
Mas, até que o Concílio Vaticano II, inspirado nos ensinamentos desses três pontífices, fizesse a mais expressiva declaração conciliar já dirigida a Santo Tomás de Aquino na história da Igreja, muita coisa precisou acontecer dentro e fora dos muros da Santa Sé.
Tomás de Aquino nasceu por volta de 1226, no pequeno vilarejo de
Roccasecca, uma província italiana da região de Lácio. O mundo, naquela
época, vivia fortes conflitos políticos e religiosos, e o pai de Tomás,
Conde Landolfo de Aquino, estava profundamente ligado a eles. Como
militar, acabou envolvendo-se na destruição de um dos monastérios mais
prestigiosos do período, a famosa abadia beneditina de Monte Cassino.
Com efeito, era de se esperar que, para desculpar-se com a Igreja, o
conde voltasse-se para seu sétimo filho, "um menino grande, pesado e
quieto, e fenomenalmente silencioso", procurando nele o "bode
expiatório" perfeito [4]. Tudo foi providenciado para que Tomás se
tornasse um monge.
Ocorre que nem sempre os planos dos pais da terra são os planos do Pai
do Céu. E Santo Tomás de Aquino deixou isso bem claro quando, num dia
qualquer, anunciou à sua família que tomaria o hábito dos dominicanos,
para ser um frade mendicante. A notícia caiu como uma bomba. Não demorou
muito para que os irmãos de Tomás, juntamente com seu pai, lhe armassem
uma emboscada. Trancaram-no em uma masmorra, e lá puseram uma cortesã
bela e sedutora. Para surpresa dos algozes, porém, o jovem estava
resoluto em seu propósito, e, com a valentia de um cruzado, lançou-se
contra a moça, portando um tição ardente em chamas que pegara na
lareira, à guisa de um espadachim. Ela, logicamente, saiu gritando e
desesperada. Foi a primeira das muitas vitórias de Santo Tomás contra os
inimigos da santidade.
Mais penosas, contudo, foram as provações dentro da universidade. A
figura de Tomás de Aquino era mesmo embaraçosa. O jovem estudante
possuía um corpo gordo e alto, nunca abria a boca para nada, e ainda
aparentava certa lerdeza no raciocínio. Os demais colegas de classe logo
começaram a caçoar dele, dirigindo-lhe toda sorte de gracejos e
apelidos infamantes. "Boi Mudo" era como o chamavam entre os corredores
da Universidade de Paris. Para piorar a situação, o próprio Tomás
resistia a ajudar-se, não participando dos debates das disciplinas.
Coube a outro santo — um grande também — a missão de trazer para fora o
gênio que estava escondido na lâmpada da timidez. Santo Alberto Magno,
como professor de Tomás de Aquino, rapidamente notou a verdadeira
grandeza do jovem que se escondia por de trás daquele notável corpo
humano. Quando finalmente conseguiu encorajá-lo a falar, o mestre rompeu
o silêncio sobre o discípulo: "Vocês o chamam de Boi Mudo; eu lhes digo que esse Boi Mudo mugirá tão alto que seus mugidos preencherão o mundo".
E foi exatamente o que aconteceu. Santo Tomás de Aquino, no seu esforço
contra as errôneas interpretações de Aristóteles, não só reconciliou o
filósofo pagão com o pensamento católico, mas tornou possível e clara a
distinção entre o campo próprio da razão e o campo próprio da fé, para
depois também uni-los como "duas asas pelas quais o espírito humano se
eleva para a contemplação da verdade" [5]. Há quem diga que, se a Igreja
tivesse sido mais tomista durante a Renascença, o "caso Galileu"
nunca teria existido. Entre incompreensões e calúnias, demorou certo
tempo para que o mundo — e os teólogos — desse ouvidos ao mugido do Boi
Mudo. Mas, uma vez entendido, este mesmo mugido tornou-se a nota
principal da grande orquestra teológica da Igreja.
Na base dessa sabedoria, que produziu obras monumentais como a Suma contra os gentios e a Suma Teológica, estava uma vida de profunda humildade, oração e amor à Eucaristia. Como afirma Chesterton, o testemunho de toda a vida do Doutor Angélico mostra "que
ele era suprema e diretamente devocional; e que amava apaixonadamente a
devoção católica muito antes de ter de lutar por ela" [6]. Por isso, não era raro vê-lo chorando durante a celebração da Santa Missa.
Infelizmente, muitas vozes atuais tendem a querer abafar o mugido do
Boi Mudo com suas novidades teológicas e interpretações desconcertantes
do Evangelho de Cristo. Contra essas vozes, no entanto, sempre se
erguerá a exortação clamorosa do Concílio Vaticano II: "(...) para
aclarar, quanto for possível, os mistérios da salvação de forma
perfeita, aprendam a penetrá-los mais profundamente pela especulação,
tendo por guia Santo Tomás" [7]. Quem tiver ouvidos para ouvir…
Santo Tomás de Aquino,
rogai por nós!
Por Equipe Christo Nihil Praeponere
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de Santo Tomás, um novo olhar sobre a vida e a obra do Doutor Angélico
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Referências
- CHESTERTON, Gilbert Keith. Santo Tomás de Aquino. Trad. Antônio Emílio Angueth de Araújo. 3. ed. Campinas: Ecclesiae, 2015, p. 22.
- São João Paulo II, Carta Encíclica Fides et Ratio (14 de setembro de 1998), n. 43.
- Papa Pio XII, Discurso aos Seminaristas (24 de junho de 1939).
- CHESTERTON, op. cit., p. 53.
- São João Paulo II, Carta Encíclica Fides et Ratio (14 de setembro de 1998), n. 1.
- CHESTERTON, op. cit., pp. 32-33.
- Concílio Vaticano II, Declaração Optatam Totius (28 de outubro de 1965), n. 16.
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