A
lição maior – e a mais difícil de viver – que Jesus nos ensinou, creio
que foi aquela de “amar o inimigo”. (cf Mt 5,44). Nada é tão estranho e
repugnante para aquele que não age movido pelo Espírito de Deus, e se
deixa guiar pela simples natureza.
O nosso mundo ensina, sem cessar, que é preciso revidar, “não levar
desaforo para casa”, ir ao revanche, etc. Jesus, por outro lado, ensina a
mansidão; isto é, não pagar o mal com o mal, mas com o bem. É o que
Ghandi chamou de “não violência”, e que fez dela a sua arma mais
poderosa para libertar a Índia da colonização inglesa. Dizia ele que “a
força de um homem e de um povo está na não violência”. Ele aprendeu isso
no Sermão da Montanha.
Todas as vezes que o mundo agiu pela violência, ficou claro que a
violência não leva à paz e à felicidade. Na verdade, a violência, exceto
em legítima defesa, é a arma dos fracos de espírito. Buscar o revide, a
desforra, a vingança, é colocar-se no mesmo baixo nível do agressor. É
reagir como um animal, e não como um homem. Ghandi dizia:
“Procuro amassar completamente a ponta da espada do tirano: não
oponho um aço mais afiado, e assim ludibrio sua esperança de ver-me
oferecer uma resistência física. Encontrará em mim uma resistência de
alma que escapa a seu cerco”.
O segredo cristão para destruir a força do inimigo, não é a vingança,
mas a mansidão, o perdão. Jesus nos ensina que aí está um dos pontos da
perfeição cristã. Ele quer que sejamos “perfeitos como o Pai celeste é
perfeito” (Mt 5,48).“Deste modo sereis os filhos de vosso Pai do céu,
pois Ele faz nascer o sol tanto sobre os maus como sobre os bons, e faz
chover sobre os justos e sobre os injustos” (Mt 5,45).
A pedagogia de Deus, que é Pai amoroso, é esta: ser bom para com
aquele que é mal, para que este, experimentando a doçura do bem, queira
deixar de ser mal e se converta para o bem. Jesus é o novo legislador, o
novo Moisés, que leva a Lei antiga à perfeição: “Tendes ouvido o que
foi dito: Amarás o teu próximo e poderás odiar teu inimigo. Eu, porém,
vos digo: Amai vossos inimigos, fazei bem aos que vos odeiam, orai pelo
que vos maltratam e perseguem” (Mt 5,43-44).
Em seguida Jesus explica a razão desta exigência tão difícil: “Se
amais somente os que vos amam, que recompensa tereis? Não fazem assim os
próprios publicamos? Se saudais apenas vossos irmãos, que fazeis de
extraordinário ? Não fazem isto também os pagãos?” (Mt 5,46-47)
É impressionante como Jesus exige de maneira radical a vivência do
perdão, e não da ira: “Tendes ouvido o que foi dito: “Olho por olho,
dente por dente. Eu, porém, vos digo: Não resistais ao mau. Se alguém te
ferir a face direita, oferece-lhe também a outra” (Mt 5,38-39).
Perdoar aquele que o ofendeu é uma “prova de fogo” para verificar se
de fato você é cristão. A lição do perdão é fundamental, porque é o
caminho para se implantar na terra o Reino de Deus, reino de irmãos que
vivem o amor. É isto que Jesus veio fazer; esta é a difícil “Boa-Nova”
que trouxe. Para destruir o mal e a violência em todas as formas, Ele
trouxe o remédio: o perdão. Isto é tão importante que Ele morreu na cruz
dolorosamente, dando o maior exemplo do que é perdoar. Ele, que não fez
mal a ninguém, mesmo tão injustiçado, soube dizer: “Pai, perdoai-lhes,
porque não sabem o que fazem” (Lc 23,31).
Mais do que qualquer um de nós, Jesus tinha o direito de pedir ao Pai
“justiça” diante de tamanha injustiça; mas, ao contrário, Ele quis
deixar-nos a maior lição do que é perdoar. A partir daí, nenhum cristão
(= imitador de Cristo), tem o direito de fazer diferente do que Ele fez.
Por que tudo isto? Porque não se pode exterminar a violência deste
mundo usando-se da própria violência. Meios injustos e violentos não
podem gerar a justiça e a paz. Não se pode querer apagar o fogo lançando
gasolina sobre ele; é preciso jogar água.
Por mais duro que seja é preciso entender a lógica desta questão.
Ghandi dizia que na anti-lógica do “olho por olho”, vamos acabar todos
cegos. Esta é a loucura do mundo soberbo e arrogante: “bateu, levou!” E
assim, o ódio e a violência crescem cada vez mais.
É claro que não é fácil perdoar aquela pessoa que te magoou, aquele
“amigo” que te traiu, aquele assassino do teu filho, ou aquela mulher
que seduziu o teu marido. Se fosse fácil não teria mérito algum. E é
preciso dizer que, por nossas próprias forças, não conseguiremos
perdoar. É preciso a força do alto, para vencer a fraqueza da nossa
natureza ferida e que clama por vingança. Santo Agostinho ensina-nos que
“o que é impossível à natureza, é possível à graça”. Só pela graça,
pela força de Deus na alma, podemos viver o que Jesus ordenou.
Diante de uma situação dessas onde é difícil perdoar, só há um
caminho, olhar para Jesus crucificado e clamar: Senhor, Tu que perdoaste
até o extremo, dá-me da Tua força e do Teu Espírito para que eu possa
fazer o mesmo. Nesta hora será preciso clamar pelo Sangue inocente que
Jesus deixou ser derramado na cruz para o perdão de cada um de nós.
A única exigência que Deus nos impõe para perdoar os nossos pecados,
quaisquer que sejam, é que estejamos dispostos a perdoar a todos os que
nos ofenderam. “Porque se perdoardes aos homens as suas ofensas, vosso
Pai celeste também vos perdoará. Mas, se não perdoardes aos homens,
tampouco vosso Pai vos perdoará (Mt 6,14-15).
Também entre os sete grandes pedidos da maior Oração que Ele nos
ensinou, acrescenta: “Perdoai-nos as nossas ofensas, assim como nós
perdoamos aos que nos ofenderam” (Mt 6,12). O humilde é manso, e perdoa.
Quando Pedro, um tanto afoito, lhe perguntou quantas vezes deveria
perdoar a seu irmão, sete vezes?, o Senhor lhe disse: “Não te digo até
sete vezes, mas até setenta vezes sete” (Mt 18,21-22). “Bem aventurados
os misericordiosos porque alcançarão misericórdia” (Mt 5, 7).
Exercitemos o perdão neste Ano Santo da Misericórdia.
O perdão é a face mais bela da caridade. Deixemos a “vingança” por
conta da justiça de Deus; não queiramos fazê-la com as nossas próprias
mãos, pois elas ficarão manchadas. Deus fará cumprir toda a justiça. São
Paulo ensinou isto aos cristãos de Roma: “Abençoai os que vos
perseguem, abençoai-os e não os praguejeis… Não pagueis a ninguém o mal
com o mal… Não vos vingueis uns aos outros, caríssimos, mas deixai agir a
ira de Deus, porque está escrito: A mim a vingança; a mim exercer a
justiça, diz o Senhor (Dt 32,35)” (Rom 12,14-19).
A força do perdão é insuperável. Tertuliano de Alexandria († 230)
disse algo que atravessou toda a história da Igreja e chegou até nós: “O
sangue dos mártires era semente de novos cristãos.” Eles morriam
rezando pelos seus carrascos e perdoando-os. Foi assim que o
Cristianismo venceu o império romano. O último dos imperadores a
perseguir o cristianismo, Juliano, o apóstata, no leito de morte
exclamou: “Tu venceste, ó galileu !” Esta é a força do amor e da não
violência. Deus torna-se o nosso escudo quando depomos as armas
terrenas.
São Paulo ensina que quando somos capazes de perdoar aquela pessoa
maldosa que fez algo contra nós, a força do nosso perdão a leva a
conversão. É o que ele chamava de “amontoar brasas sobre a sua cabeça”.
Isto é, seu coração amolece e ele se converte. “Se o teu inimigo tiver
fome, dá-lhe de comer; se tiver sede, dá-lhe de beber. Procedendo assim,
amontoarás carvões em brasa sobre a sua cabeça” (Prov 25,21) (Rom
12,20). Muitos se converteram porque foram perdoados e receberam o bem
em troca do mal que praticaram.
Vou relatar aqui um caso que eu presenciei. O Programa de TV
“Fantástico”, da TV Globo, mostrou no dia 13.04.85, uma ação de uma
senhora de Lorena-SP, Dª Ana Maria, já falecida. Essa Senhora teve a sua
casa invadida por um rapaz, durante a madrugada, e este assassinou,
dentro de sua casa, um dos seus filhos, jovem de 18 anos. Ela não quis
vingança contra o assassino e, na própria Missa de corpo presente do
filho assassinado, declarou o seu perdão ao criminoso. Foi um momento de
emoção e lágrimas! O rapaz assassino foi preso, julgado e condenado à
prisão na Casa de Detenção em São Paulo. Tão logo Dª Ana Maria soube da
prisão do assassino, passou a visitá-lo em São Paulo semanalmente.
Pegava o ônibus em Lorena, viajava 200 km para falar de Deus ao
assassino do seu próprio filho. Pouco tempo depois esse jovem revelava,
sob lágrimas, ante as câmaras da TV Globo, o arrependimento do seu
gesto. E lamentava não ter conhecido Jesus Cristo antes de parar na
cadeia. É a força libertadora do perdão.
Esse caso mostra o que São Paulo chama de “amontoar carvões em brasa”
sobre a cabeça daquele que vive mal, e mostra a forma cristã de vencer o
mal. Assim, e só assim, quebra-se a corrente da violência e a atira-se
ao chão.
Na vida de São Clemente Hofbauer, há um fato que mostra a força do
perdão e da mansidão. Certa vez ele entrou numa taverna para pedir uma
esmola para as obras que realizava. Um homem, Kalinski, o odiava, e
estava presente. São Clemente entra, se dirige à mesa de Kalinski e pede
uma esmola. “Como é Kalinski, você não vai fazer nada?” perguntou o
amigo. Kalinski pegou o copo de cerveja que bebia, encheu a boca e
despejou no rosto de São Clemente.
Embora de índole colérica, o santo não se perturbou. Puxou o lenço,
limpou o rosto e disse ao agressor: “você já deu o que eu mereço. Agora
dê uma esmola para meus pobres”. A atitude do santo desconcertou
Kalinski e os demais do grupo. Na mesma noite Kalinski mandou a São
Clemente um saquinho de moedas de ouro e, arrependido e penitente,
tornou-se grande amigo e colaborador do santo. É a força da mansidão e
do perdão. Isto é amontoar brasas ardentes sobre a cabeça do pecador.
Prof. Felipe Aquino
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