quarta-feira, 16 de março de 2016

A FORÇA TRANSFORMADORA DO PERDÃO


perdao-770x470A lição maior – e a mais difícil de viver – que Jesus nos ensinou, creio que foi aquela de “amar o inimigo”. (cf Mt 5,44). Nada é tão estranho e repugnante para aquele que não age movido pelo Espírito de Deus, e se deixa guiar pela simples natureza.
O nosso mundo ensina, sem cessar, que é preciso revidar, “não levar desaforo para casa”, ir ao revanche, etc. Jesus, por outro lado, ensina a mansidão; isto é, não pagar o mal com o mal, mas com o bem. É o que Ghandi chamou de “não violência”, e que fez dela a sua arma mais poderosa para libertar a Índia da colonização inglesa. Dizia ele que “a força de um homem e de um povo está na não violência”. Ele aprendeu isso no Sermão da Montanha.
Todas as vezes que o mundo agiu pela violência, ficou claro que a violência não leva à paz e à felicidade. Na verdade, a violência, exceto em legítima defesa, é a arma dos fracos de espírito. Buscar o revide, a desforra, a vingança, é colocar-se no mesmo baixo nível do agressor. É reagir como um animal, e não como um homem. Ghandi dizia:
“Procuro amassar completamente a ponta da espada do tirano: não oponho um aço mais afiado, e assim ludibrio sua esperança de ver-me oferecer uma resistência física. Encontrará em mim uma resistência de alma que escapa a seu cerco”.
O segredo cristão para destruir a força do inimigo, não é a vingança, mas a mansidão, o perdão. Jesus nos ensina que aí está um dos pontos da perfeição cristã. Ele quer que sejamos “perfeitos como o Pai celeste é perfeito” (Mt 5,48).“Deste modo sereis os filhos de vosso Pai do céu, pois Ele faz nascer o sol tanto sobre os maus como sobre os bons, e faz chover sobre os justos e sobre os injustos” (Mt 5,45).
A pedagogia de Deus, que é Pai amoroso, é esta: ser bom para com aquele que é mal, para que este, experimentando a doçura do bem, queira deixar de ser mal e se converta para o bem. Jesus é o novo legislador, o novo Moisés, que leva a Lei antiga à perfeição: “Tendes ouvido o que foi dito: Amarás o teu próximo e poderás odiar teu inimigo. Eu, porém, vos digo: Amai vossos inimigos, fazei bem aos que vos odeiam, orai pelo que vos maltratam e perseguem” (Mt 5,43-44).
Em seguida Jesus explica a razão desta exigência tão difícil: “Se amais somente os que vos amam, que recompensa tereis? Não fazem assim os próprios publicamos? Se saudais apenas vossos irmãos, que fazeis de extraordinário ? Não fazem isto também os pagãos?” (Mt 5,46-47)
É impressionante como Jesus exige de maneira radical a vivência do perdão, e não da ira: “Tendes ouvido o que foi dito: “Olho por olho, dente por dente. Eu, porém, vos digo: Não resistais ao mau. Se alguém te ferir a face direita, oferece-lhe também a outra” (Mt 5,38-39).
Perdoar aquele que o ofendeu é uma “prova de fogo” para verificar se de fato você é cristão. A lição do perdão é fundamental, porque é o caminho para se implantar na terra o Reino de Deus, reino de irmãos que vivem o amor. É isto que Jesus veio fazer; esta é a difícil “Boa-Nova” que trouxe. Para destruir o mal e a violência em todas as formas, Ele trouxe o remédio: o perdão. Isto é tão importante que Ele morreu na cruz dolorosamente, dando o maior exemplo do que é perdoar. Ele, que não fez mal a ninguém, mesmo tão injustiçado, soube dizer: “Pai, perdoai-lhes, porque não sabem o que fazem” (Lc 23,31).
Mais do que qualquer um de nós, Jesus tinha o direito de pedir ao Pai “justiça” diante de tamanha injustiça; mas, ao contrário, Ele quis deixar-nos a maior lição do que é perdoar. A partir daí, nenhum cristão (= imitador de Cristo), tem o direito de fazer diferente do que Ele fez.
Por que tudo isto? Porque não se pode exterminar a violência deste mundo usando-se da própria violência. Meios injustos e violentos não podem gerar a justiça e a paz. Não se pode querer apagar o fogo lançando gasolina sobre ele; é preciso jogar água.

Por mais duro que seja é preciso entender a lógica desta questão. Ghandi dizia que na anti-lógica do “olho por olho”, vamos acabar todos cegos. Esta é a loucura do mundo soberbo e arrogante: “bateu, levou!” E assim, o ódio e a violência crescem cada vez mais.
É claro que não é fácil perdoar aquela pessoa que te magoou, aquele “amigo” que te traiu, aquele assassino do teu filho, ou aquela mulher que seduziu o teu marido. Se fosse fácil não teria mérito algum. E é preciso dizer que, por nossas próprias forças, não conseguiremos perdoar. É preciso a força do alto, para vencer a fraqueza da nossa natureza ferida e que clama por vingança. Santo Agostinho ensina-nos que “o que é impossível à natureza, é possível à graça”. Só pela graça, pela força de Deus na alma, podemos viver o que Jesus ordenou.
Diante de uma situação dessas onde é difícil perdoar, só há um caminho, olhar para Jesus crucificado e clamar: Senhor, Tu que perdoaste até o extremo, dá-me da Tua força e do Teu Espírito para que eu possa fazer o mesmo. Nesta hora será preciso clamar pelo Sangue inocente que Jesus deixou ser derramado na cruz para o perdão de cada um de nós.
A única exigência que Deus nos impõe para perdoar os nossos pecados, quaisquer que sejam, é que estejamos dispostos a perdoar a todos os que nos ofenderam. “Porque se perdoardes aos homens as suas ofensas, vosso Pai celeste também vos perdoará. Mas, se não perdoardes aos homens, tampouco vosso Pai vos perdoará (Mt 6,14-15).
Também entre os sete grandes pedidos da maior Oração que Ele nos ensinou, acrescenta: “Perdoai-nos as nossas ofensas, assim como nós perdoamos aos que nos ofenderam” (Mt 6,12). O humilde é manso, e perdoa. Quando Pedro, um tanto afoito, lhe perguntou quantas vezes deveria perdoar a seu irmão, sete vezes?, o Senhor lhe disse: “Não te digo até sete vezes, mas até setenta vezes sete” (Mt 18,21-22). “Bem aventurados os misericordiosos porque alcançarão misericórdia” (Mt 5, 7). Exercitemos o perdão neste Ano Santo da Misericórdia.
O perdão é a face mais bela da caridade. Deixemos a “vingança” por conta da justiça de Deus; não queiramos fazê-la com as nossas próprias mãos, pois elas ficarão manchadas. Deus fará cumprir toda a justiça. São Paulo ensinou isto aos cristãos de Roma: “Abençoai os que vos perseguem, abençoai-os e não os praguejeis… Não pagueis a ninguém o mal com o mal… Não vos vingueis uns aos outros, caríssimos, mas deixai agir a ira de Deus, porque está escrito: A mim a vingança; a mim exercer a justiça, diz o Senhor (Dt 32,35)” (Rom 12,14-19).
A força do perdão é insuperável. Tertuliano de Alexandria († 230) disse algo que atravessou toda a história da Igreja e chegou até nós: “O sangue dos mártires era semente de novos cristãos.” Eles morriam rezando pelos seus carrascos e perdoando-os. Foi assim que o Cristianismo venceu o império romano. O último dos imperadores a perseguir o cristianismo, Juliano, o apóstata, no leito de morte exclamou: “Tu venceste, ó galileu !” Esta é a força do amor e da não violência. Deus torna-se o nosso escudo quando depomos as armas terrenas.
São Paulo ensina que quando somos capazes de perdoar aquela pessoa maldosa que fez algo contra nós, a força do nosso perdão a leva a conversão. É o que ele chamava de “amontoar brasas sobre a sua cabeça”. Isto é, seu coração amolece e ele se converte. “Se o teu inimigo tiver fome, dá-lhe de comer; se tiver sede, dá-lhe de beber. Procedendo assim, amontoarás carvões em brasa sobre a sua cabeça” (Prov 25,21) (Rom 12,20). Muitos se converteram porque foram perdoados e receberam o bem em troca do mal que praticaram.
Vou relatar aqui um caso que eu presenciei. O Programa de TV “Fantástico”, da TV Globo, mostrou no dia 13.04.85, uma ação de uma senhora de Lorena-SP, Dª Ana Maria, já falecida. Essa Senhora teve a sua casa invadida por um rapaz, durante a madrugada, e este assassinou, dentro de sua casa, um dos seus filhos, jovem de 18 anos. Ela não quis vingança contra o assassino e, na própria Missa de corpo presente do filho assassinado, declarou o seu perdão ao criminoso. Foi um momento de emoção e lágrimas! O rapaz assassino foi preso, julgado e condenado à prisão na Casa de Detenção em São Paulo. Tão logo Dª Ana Maria soube da prisão do assassino, passou a visitá-lo em São Paulo semanalmente. Pegava o ônibus em Lorena, viajava 200 km para falar de Deus ao assassino do seu próprio filho. Pouco tempo depois esse jovem revelava, sob lágrimas, ante as câmaras da TV Globo, o arrependimento do seu gesto. E lamentava não ter conhecido Jesus Cristo antes de parar na cadeia. É a força libertadora do perdão.
Esse caso mostra o que São Paulo chama de “amontoar carvões em brasa” sobre a cabeça daquele que vive mal, e mostra a forma cristã de vencer o mal. Assim, e só assim, quebra-se a corrente da violência e a atira-se ao chão.
Na vida de São Clemente Hofbauer, há um fato que mostra a força do perdão e da mansidão. Certa vez ele entrou numa taverna para pedir uma esmola para as obras que realizava. Um homem, Kalinski, o odiava, e estava presente. São Clemente entra, se dirige à mesa de Kalinski e pede uma esmola. “Como é Kalinski, você não vai fazer nada?” perguntou o amigo. Kalinski pegou o copo de cerveja que bebia, encheu a boca e despejou no rosto de São Clemente.
Embora de índole colérica, o santo não se perturbou. Puxou o lenço, limpou o rosto e disse ao agressor: “você já deu o que eu mereço. Agora dê uma esmola para meus pobres”. A atitude do santo desconcertou Kalinski e os demais do grupo. Na mesma noite Kalinski mandou a São Clemente um saquinho de moedas de ouro e, arrependido e penitente, tornou-se grande amigo e colaborador do santo. É a força da mansidão e do perdão. Isto é amontoar brasas ardentes sobre a cabeça do pecador.






Prof. Felipe Aquino

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