Este domingo a liturgia nos apresenta duas partes: A primeira, mostra Jesus em sua glória, em um dos seus melhores
momentos, entrando na cidade montando um jumento, e sendo aclamado pelo povo
que reconhecendo seu poder e a sua misericórdia na cura de muitos males,
forraram o chão e balançando folhas de palmeiras gritavam: Bendito o Rei que
vem em nome do Senhor! Hosana nas alturas!
A segunda parte nos mostra a paixão e morte de Nosso Senhor Jesus
Cristo. (José Salviano)
A liturgia deste último domingo da Quaresma convida-nos a contemplar
esse Deus que, por amor, desceu ao nosso encontro, partilhou a nossa
humanidade, fez-Se servo dos homens, deixou-Se matar para que o egoísmo e o
pecado fossem vencidos. A cruz (que a liturgia deste domingo coloca no
horizonte próximo de Jesus) apresenta-nos a lição suprema, o último passo desse
caminho de vida nova que, em Jesus, Deus nos propõe: a doação da vida por amor.
A primeira leitura apresenta-nos um profeta anônimo, chamado por Deus a
testemunhar no meio das nações a Palavra da salvação. Apesar do sofrimento e da
perseguição, o profeta confiou em Deus e concretizou, com teimosa fidelidade,
os projetos de Deus. Os primeiros cristãos viram neste “servo” a figura de
Jesus.
A segunda leitura apresenta-nos o exemplo de Cristo. Ele prescindiu do
orgulho e da arrogância, para escolher a obediência ao Pai e o serviço aos
homens, até ao dom da vida. É esse mesmo caminho de vida que a Palavra de Deus
nos propõe.
O Evangelho convida-nos a contemplar a paixão e morte de Jesus: é o
momento supremo de uma vida feita dom e serviço, a fim de libertar os homens de
tudo aquilo que gera egoísmo e escravidão. Na cruz revela-se o amor de Deus,
esse amor que não guarda nada para si, mas que se faz dom total.
1ª leitura: Is. 50,4-7 - AMBIENTE
No livro do Deutero-Isaías (Is. 40-55), encontramos quatro poemas que se
destacam do resto do texto (cf. Is. 42,1-9;49,1-13;50,4-11;52,13-53,12).
Apresentam-nos uma figura enigmática de um “servo de Jahwéh”, que recebeu de
Deus uma missão. Essa missão tem a ver com a Palavra de Deus e tem caráter
universal; concretiza-se no sofrimento, na dor e no abandono incondicional à
Palavra e aos projetos de Deus. Apesar de a missão terminar num aparente
insucesso, a dor do profeta não foi em vão: ela tem um valor expiatório e
redentor; do seu sofrimento resulta o perdão para o pecado do povo. Deus
aprecia o sacrifício do profeta e recompensá-lo-á, elevando-o à vista de todos,
fazendo-o triunfar dos seus detratores e adversários.
Quem é este profeta? É Jeremias, o paradigma do profeta que sofre por
causa da Palavra? É o próprio Deutero-Isaías, chamado a dar testemunho da
Palavra no ambiente hostil do exílio? É um profeta desconhecido? É uma figura
coletiva que representa o Povo exilado, humilhado, esmagado, mas que continua a
ser um testemunho de Deus no meio do sofrimento em que vive? É uma figura
representativa, que une a recordação de personagens históricas (patriarcas,
Moisés, David, profetas) com figuras míticas, de forma a representar o Povo de
Deus na sua totalidade? Não sabemos; no entanto, a figura apresentada vai
receber uma outra iluminação à luz de Jesus Cristo, da sua vida, do seu
destino.
O texto que nos é proposto é parte do terceiro cântico do “servo de
Jahwéh”.
MENSAGEM
O texto dá a palavra a um personagem anônimo, que fala do seu chamamento
por Deus para a missão. Ele não se intitula “profeta”; porém, narra a sua
vocação, com os elementos típicos dos relatos proféticos de vocação.
Em primeiro lugar, a missão que este “profeta” recebe de Deus tem
claramente a ver com o anúncio da Palavra. O profeta é o homem da Palavra,
através de quem Deus fala; a proposta de redenção que Deus faz a todos aqueles
que necessitam de salvação/libertação ecoa na palavra profética. O profeta é
inteiramente modelado por Deus e não opõe resistência nem ao chamamento, nem à
Palavra que Deus lhe confia; mas tem de estar, continuamente, numa atitude de escuta
de Deus, para que possa depois apresentar – com fidelidade – essa Palavra de
Deus para os homens.
Em segundo lugar, a missão profética realiza-se no sofrimento e na dor.
É um tema sobejamente conhecido da literatura profética: o anúncio das
propostas de Deus provoca resistências que, para o profeta, se consubstanciam
quase sempre em dor e perseguição. No entanto, o profeta não se demite: a
paixão pela Palavra sobrepõe-se ao sofrimento.
Em terceiro lugar, vem a expressão de confiança no Senhor, que não abandona
aqueles a quem chama. A certeza de que não está só, mas que tem a força de
Deus, torna o profeta mais forte do que a dor e o sofrimento. Por isso, o
profeta “não será confundido”.
ATUALIZAÇÃO
¨ Não sabemos, efetivamente, quem é este “servo de Jahwéh”; no entanto,
os primeiros cristãos vão utilizar este texto como grelha para interpretar o
mistério de Jesus: Ele é a Palavra de Deus feita carne, que oferece a sua vida
para trazer a libertação/salvação aos homens… A vida de Jesus realiza
plenamente esse destino de dom e de entrega da vida em favor de todos; e a sua
glorificação mostra que uma vida vivida deste jeito não termina no fracasso,
mas na ressurreição que gera vida nova.
Jesus, o “servo” sofredor que faz da sua vida um dom por amor, mostra
aos seus seguidores o caminho: a vida, quando é posta ao serviço da libertação
dos pobres e dos oprimidos, não é perdida mesmo que pareça, em termos humanos,
fracassada e sem sentido. Temos a coragem de fazer da nossa vida uma entrega
radical ao projeto de Deus e à libertação dos nossos irmãos? O que é que ainda
entrava a nossa aceitação de uma opção deste tipo? Temos consciência de que, ao
escolher este caminho, estamos a gerar vida nova para nós e para os nossos
irmãos?
¨ Temos consciência de que a nossa missão profética passa por sermos
Palavra viva de Deus? Nas nossas palavras, nos nossos gestos, no nosso
testemunho, a proposta libertadora de Deus alcança o nosso mundo?
2ª leitura: Fl. 2,6-11 - AMBIENTE
A cidade de Filipos era uma cidade próspera, com uma população
constituída majoritariamente por veteranos romanos do exército. Organizada à
maneira de Roma, estava fora da jurisdição dos governantes das províncias
locais e dependia diretamente do imperador; gozava, por isso, dos mesmos
privilégios das cidades de Itália. A comunidade cristã, fundada por Paulo, era
uma comunidade entusiasta, generosa, comprometida, sempre atenta às
necessidades de Paulo e do resto da Igreja (como no caso da coleta em favor da
Igreja de Jerusalém – cf. 2Cor. 8,1-5), por quem Paulo nutria um afeto
especial. Apesar destes sinais positivos, não era, no entanto, uma comunidade
perfeita… O desprendimento, a humildade e a simplicidade não eram valores
demasiado apreciados entre os altivos patrícios que compunham a comunidade.
É neste enquadramento que podemos situar o texto que esta leitura nos
apresenta. Paulo convida os Filipenses a encarnar os valores que marcaram a
trajetória existencial de Cristo; para isso, utiliza um hino pré-paulino,
recitado nas celebrações litúrgicas cristãs: nesse hino, ele expõe aos cristãos
de Filipos o exemplo de Cristo.
MENSAGEM
Cristo Jesus – nomeado no princípio, no meio e no fim – constitui o
motivo do hino. Dado que os filipenses são cristãos, quer dizer, dado que
Cristo é o protótipo a cuja imagem estão configurados, têm a iniludível
obrigação de comportar-se como Cristo. Como é o exemplo de Cristo?
O hino começa por aludir subtilmente ao contraste entre Adão (o homem
que reivindicou ser como Deus e lhe desobedeceu – cf. Gn. 3,5.22) e Cristo (o
Homem Novo que, ao orgulho e revolta de Adão responde com a humildade e a
obediência ao Pai). A atitude de Adão trouxe fracasso e morte; a atitude de
Jesus trouxe exaltação e vida.
Em traços precisos, o hino define o “despojamento” (“kenosis”) de
Cristo: Ele não afirmou com arrogância e orgulho a sua condição divina, mas
aceitou fazer-Se homem, assumindo com humildade a condição humana, para servir,
para dar a vida, para revelar totalmente aos homens o ser e o amor do Pai. Não
deixou de ser Deus; mas aceitou descer até aos homens, fazer-Se servidor dos
homens, para garantir vida nova para os homens. Esse “abaixamento” assumiu
mesmo foros de escândalo: Ele aceitou uma morte infamante – a morte de cruz –
para nos ensinar a suprema lição do serviço, do amor radical, da entrega total
da vida.
No entanto, essa entrega completa ao plano do Pai não foi uma perda nem
um fracasso: a obediência e entrega de Cristo aos projetos do Pai resultaram em
ressurreição e glória. Em consequência da sua obediência, do seu amor, da sua
entrega, Deus fez d’Ele o “Kyrios” (“Senhor” – nome que, no Antigo Testamento,
substituía o nome impronunciável de Deus); e a humanidade inteira (“os céus, a
terra e os infernos”) reconhece Jesus como “o senhor” que reina sobre toda a terra
e que preside à história.
É óbvio o apelo à humildade, ao desprendimento, ao dom da vida que Paulo
faz aos Filipenses e a todos os crentes: o cristão deve ter como exemplo esse
Cristo, servo sofredor e humilde, que fez da sua vida um dom a todos; esse
caminho não levará ao aniquilamento, mas à glorificação, à vida plena.
ATUALIZAÇÃO
¨ Os valores que marcaram a existência de Cristo continuam a não ser
demasiado apreciados em muitos dos nossos ambientes contemporâneos. De acordo
com os critérios que presidem ao nosso mundo, os grandes “ganhadores” não são
os que põem a sua vida ao serviço dos outros, com humildade e simplicidade, mas
são os que enfrentam o mundo com agressividade, com auto-suficiência e fazem
por ser os melhores, mesmo que isso signifique não olhar a meios para passar à
frente dos outros. Como pode um cristão (obrigado a viver inserido neste mundo
e a ser competitivo) conviver com estes valores?
¨ Paulo tem consciência de que está a pedir aos seus cristãos algo
realmente difícil; mas é algo que é fundamental, à luz do exemplo de Cristo.
Também a nós é pedido, nestes últimos dias antes da Páscoa, um passo em frente
neste difícil caminho da humildade, do serviço, do amor: será possível que,
também aqui, sejamos as testemunhas da lógica de Deus?
Evangelho: Lc. 22,14-23,56 (longa) ou Lc. 23,1-49
(breve) - AMBIENTE
Naquele tempo: 28Jesus caminhava à frente dos discípulos, subindo para Jerusalém. 29Quando se aproximou de Betfagé e Betânia, perto do monte chamado das Oliveiras, enviou dois de seus discípulos, dizendo: 30'Ide ao povoado ali na frente. Logo na entrada encontrareis um jumentinho amarrado, que nunca foi montado. Desamarrai-o e trazei-o aqui. 31Se alguém, por acaso, vos perguntar: 'Por que desamarrais o jumentinho?', respondereis assim: 'O Senhor precisa dele'.' 32Os enviados partiram e encontraram tudo exatamente como Jesus lhes havia dito. 33Quando desamarravam o jumentinho, os donos perguntaram: 'Por que estais desamarrando o jumentinho?' 34Eles responderam: 'O Senhor precisa dele.' 35E levaram o jumentinho a Jesus. Então puseram seus mantos sobre o animal e ajudaram Jesus a montar. 36E enquanto Jesus passava, o povo ia estendendo suas roupas no caminho. 37Quando chegou perto da descida do monte das Oliveiras, a multidão dos discípulos, aos gritos e cheia de alegria, começou a louvar a Deus por todos os milagres que tinha visto. 38Todos gritavam: 'Bendito o Rei, que vem em nome do Senhor! Paz no céu e glória nas alturas!' 39Do meio da multidão, alguns dos fariseus disseram a Jesus: 'Mestre, repreende teus discípulos!' 40Jesus, porém, respondeu: 'Eu vos declaro: se eles se calarem, as pedras gritarão.' Palavra da Salvação.
Glória e louvor a vós, ó Cristo.
Jesus Cristo se tornou obediente, obediente até a morte numa cruz. Pelo que o Senhor Deus o exaltou e deu-lhe um nome muito acima de outro nome (Fl 2,8s).
N (Narrador): Paixão de nosso Senhor Jesus Cristo segundo Lucas.
23 1 Naquele tempo, levantou-se a sessão e conduziram Jesus diante de Pilatos,
2 e puseram-se a acusá-lo:
G (Grupo ou assembléia): Temos encontrado este homem excitando o povo à revolta, proibindo pagar imposto ao imperador e dizendo-se Messias e rei.
N: 3 Pilatos perguntou-lhe:
L (Leitor): És tu o rei dos judeus?
N: Jesus respondeu:
P (Presidente): Sim.
N: 4 Declarou Pilatos aos príncipes dos sacerdotes e ao povo:
L: Eu não acho neste homem culpa alguma.
N: 5 Mas eles insistiam fortemente:
G: Ele revoluciona o povo ensinando por toda a Judéia, a começar da Galiléia até aqui.
N: 6 A estas palavras, Pilatos perguntou:
L: Esse homem é galileu?
N: 7 E, quando soube que era da jurisdição de Herodes, enviou-o a Herodes, pois justamente naqueles dias se achava em Jerusalém.
8 Herodes alegrou-se muito em ver Jesus, pois de longo tempo desejava vê-lo, por ter ouvido falar dele muitas coisas, e esperava presenciar algum milagre operado por ele.
9 Dirigiu-lhe muitas perguntas, mas Jesus nada respondeu.
10 Ali estavam os príncipes dos sacerdotes e os escribas, acusando-o com violência.
11 Herodes, com a sua guarda, tratou-o com desprezo, escarneceu dele, mandou revesti-lo de uma túnica branca e reenviou-o a Pilatos.
12 Naquele mesmo dia, Pilatos e Herodes fizeram as pazes, pois antes eram inimigos um do outro.
13 Pilatos convocou então os príncipes dos sacerdotes, os magistrados e o povo, e disse-lhes:
L: 14 Apresentastes-me este homem como agitador do povo, mas, interrogando-o eu diante de vós, não o achei culpado de nenhum dos crimes de que o acusais.
15 Nem tampouco Herodes, pois no-lo devolveu. Portanto, ele nada fez que mereça a morte.
16 Por isso, soltá-lo-ei depois de o castigar.
N: 18 Todo o povo gritou a uma voz:
G: À morte com este, e solta-nos Barrabás.
N: 19 (Este homem fora lançado ao cárcere devido a uma revolta levantada na cidade, por causa de um homicídio.)
20 Pilatos, porém, querendo soltar Jesus, falou-lhes de novo,
21 mas eles vociferavam:
G: Crucifica-o! Crucifica-o!
N: 22 Pela terceira vez, Pilatos ainda interveio:
L: Mas que mal fez ele, então? Não achei nele nada que mereça a morte; irei, portanto, castigá-lo e, depois, o soltarei.
N: 23 Mas eles instavam, reclamando em altas vozes que fosse crucificado, e os seus clamores recrudesciam.
24 Pilatos pronunciou então a sentença que lhes satisfazia o desejo.
25 Soltou-lhes aquele que eles reclamavam e que havia sido lançado ao cárcere por causa do homicídio e da revolta, e entregou Jesus à vontade deles.
26 Enquanto o conduziam, detiveram um certo Simão de Cirene, que voltava do campo, e impuseram-lhe a cruz para que a carregasse atrás de Jesus.
27 Seguia-o uma grande multidão de povo e de mulheres, que batiam no peito e o lamentavam.
28 Voltando-se para elas, Jesus disse:
P: Filhas de Jerusalém, não choreis sobre mim, mas chorai sobre vós mesmas e sobre vossos filhos.
29 Porque virão dias em que se dirá: “Felizes as estéreis, os ventres que não geraram e os peitos que não amamentaram!”
30 Então dirão aos montes: “Caí sobre nós!” E aos outeiros: “Cobri-nos!”
31 Porque, se eles fazem isto ao lenho verde, que acontecerá ao seco?
N: 32 Eram conduzidos ao mesmo tempo dois malfeitores para serem mortos com Jesus.
33 Chegados que foram ao lugar chamado Calvário, ali o crucificaram, como também os ladrões, um à direita e outro à esquerda.
34 E Jesus dizia:
P: Pai, perdoa-lhes; porque não sabem o que fazem.
N: Então, os saldados dividiram as suas vestes e as sortearam.
35 A multidão conservava-se lá e observava. Os príncipes dos sacerdotes escarneciam de Jesus, dizendo:
G: Salvou a outros, que se salve a si próprio, se é o Cristo, o escolhido de Deus!
N: 36 Do mesmo modo zombavam dele os soldados. Aproximavam-se dele, ofereciam-lhe vinagre e diziam:
G: 37 Se és o rei dos judeus, salva-te a ti mesmo.
N: 38 Por cima de sua cabeça pendia esta inscrição: “Este é o rei dos judeus”.
39 Um dos malfeitores, ali crucificados, blasfemava contra ele:
L: Se és o Cristo, salva-te a ti mesmo e salva-nos a nós!
N: 40 Mas o outro o repreendeu:
L: Nem sequer temes a Deus, tu que sofres no mesmo suplício?
41 Para nós isto é justo: recebemos o que mereceram os nossos crimes, mas este não fez mal algum.
N: 42 E acrescentou:
L: Jesus, lembra-te de mim, quando tiveres entrado no teu Reino!
N: 43Jesus respondeu-lhe:
P: Em verdade te digo: hoje estarás comigo no paraíso.
N: 44 Era quase à hora sexta e em toda a terra houve trevas até a hora nona.
45 Escureceu-se o sol e o véu do templo rasgou-se pelo meio.
46 Jesus deu então um grande brado e disse:
P: Pai, nas tuas mãos entrego o meu espírito.
N: E, dizendo isso, expirou.
(Todos se ajoelham e permanecem em silêncio)
N: 47 Vendo o centurião o que acontecia, deu glória a Deus e disse:
L: Na verdade, este homem era um justo.
N: 48 E toda a multidão dos que assistiam a este espetáculo e viam o que se passava, voltou batendo no peito.
49 Os amigos de Jesus, como também as mulheres que o tinham seguido desde a Galiléia, conservavam-se a certa distância, e observavam estas coisas. Palavra da Salvação.
Jesus Cristo se tornou obediente, obediente até a morte numa cruz. Pelo que o Senhor Deus o exaltou e deu-lhe um nome muito acima de outro nome (Fl 2,8s).
N (Narrador): Paixão de nosso Senhor Jesus Cristo segundo Lucas.
23 1 Naquele tempo, levantou-se a sessão e conduziram Jesus diante de Pilatos,
2 e puseram-se a acusá-lo:
G (Grupo ou assembléia): Temos encontrado este homem excitando o povo à revolta, proibindo pagar imposto ao imperador e dizendo-se Messias e rei.
N: 3 Pilatos perguntou-lhe:
L (Leitor): És tu o rei dos judeus?
N: Jesus respondeu:
P (Presidente): Sim.
N: 4 Declarou Pilatos aos príncipes dos sacerdotes e ao povo:
L: Eu não acho neste homem culpa alguma.
N: 5 Mas eles insistiam fortemente:
G: Ele revoluciona o povo ensinando por toda a Judéia, a começar da Galiléia até aqui.
N: 6 A estas palavras, Pilatos perguntou:
L: Esse homem é galileu?
N: 7 E, quando soube que era da jurisdição de Herodes, enviou-o a Herodes, pois justamente naqueles dias se achava em Jerusalém.
8 Herodes alegrou-se muito em ver Jesus, pois de longo tempo desejava vê-lo, por ter ouvido falar dele muitas coisas, e esperava presenciar algum milagre operado por ele.
9 Dirigiu-lhe muitas perguntas, mas Jesus nada respondeu.
10 Ali estavam os príncipes dos sacerdotes e os escribas, acusando-o com violência.
11 Herodes, com a sua guarda, tratou-o com desprezo, escarneceu dele, mandou revesti-lo de uma túnica branca e reenviou-o a Pilatos.
12 Naquele mesmo dia, Pilatos e Herodes fizeram as pazes, pois antes eram inimigos um do outro.
13 Pilatos convocou então os príncipes dos sacerdotes, os magistrados e o povo, e disse-lhes:
L: 14 Apresentastes-me este homem como agitador do povo, mas, interrogando-o eu diante de vós, não o achei culpado de nenhum dos crimes de que o acusais.
15 Nem tampouco Herodes, pois no-lo devolveu. Portanto, ele nada fez que mereça a morte.
16 Por isso, soltá-lo-ei depois de o castigar.
N: 18 Todo o povo gritou a uma voz:
G: À morte com este, e solta-nos Barrabás.
N: 19 (Este homem fora lançado ao cárcere devido a uma revolta levantada na cidade, por causa de um homicídio.)
20 Pilatos, porém, querendo soltar Jesus, falou-lhes de novo,
21 mas eles vociferavam:
G: Crucifica-o! Crucifica-o!
N: 22 Pela terceira vez, Pilatos ainda interveio:
L: Mas que mal fez ele, então? Não achei nele nada que mereça a morte; irei, portanto, castigá-lo e, depois, o soltarei.
N: 23 Mas eles instavam, reclamando em altas vozes que fosse crucificado, e os seus clamores recrudesciam.
24 Pilatos pronunciou então a sentença que lhes satisfazia o desejo.
25 Soltou-lhes aquele que eles reclamavam e que havia sido lançado ao cárcere por causa do homicídio e da revolta, e entregou Jesus à vontade deles.
26 Enquanto o conduziam, detiveram um certo Simão de Cirene, que voltava do campo, e impuseram-lhe a cruz para que a carregasse atrás de Jesus.
27 Seguia-o uma grande multidão de povo e de mulheres, que batiam no peito e o lamentavam.
28 Voltando-se para elas, Jesus disse:
P: Filhas de Jerusalém, não choreis sobre mim, mas chorai sobre vós mesmas e sobre vossos filhos.
29 Porque virão dias em que se dirá: “Felizes as estéreis, os ventres que não geraram e os peitos que não amamentaram!”
30 Então dirão aos montes: “Caí sobre nós!” E aos outeiros: “Cobri-nos!”
31 Porque, se eles fazem isto ao lenho verde, que acontecerá ao seco?
N: 32 Eram conduzidos ao mesmo tempo dois malfeitores para serem mortos com Jesus.
33 Chegados que foram ao lugar chamado Calvário, ali o crucificaram, como também os ladrões, um à direita e outro à esquerda.
34 E Jesus dizia:
P: Pai, perdoa-lhes; porque não sabem o que fazem.
N: Então, os saldados dividiram as suas vestes e as sortearam.
35 A multidão conservava-se lá e observava. Os príncipes dos sacerdotes escarneciam de Jesus, dizendo:
G: Salvou a outros, que se salve a si próprio, se é o Cristo, o escolhido de Deus!
N: 36 Do mesmo modo zombavam dele os soldados. Aproximavam-se dele, ofereciam-lhe vinagre e diziam:
G: 37 Se és o rei dos judeus, salva-te a ti mesmo.
N: 38 Por cima de sua cabeça pendia esta inscrição: “Este é o rei dos judeus”.
39 Um dos malfeitores, ali crucificados, blasfemava contra ele:
L: Se és o Cristo, salva-te a ti mesmo e salva-nos a nós!
N: 40 Mas o outro o repreendeu:
L: Nem sequer temes a Deus, tu que sofres no mesmo suplício?
41 Para nós isto é justo: recebemos o que mereceram os nossos crimes, mas este não fez mal algum.
N: 42 E acrescentou:
L: Jesus, lembra-te de mim, quando tiveres entrado no teu Reino!
N: 43Jesus respondeu-lhe:
P: Em verdade te digo: hoje estarás comigo no paraíso.
N: 44 Era quase à hora sexta e em toda a terra houve trevas até a hora nona.
45 Escureceu-se o sol e o véu do templo rasgou-se pelo meio.
46 Jesus deu então um grande brado e disse:
P: Pai, nas tuas mãos entrego o meu espírito.
N: E, dizendo isso, expirou.
(Todos se ajoelham e permanecem em silêncio)
N: 47 Vendo o centurião o que acontecia, deu glória a Deus e disse:
L: Na verdade, este homem era um justo.
N: 48 E toda a multidão dos que assistiam a este espetáculo e viam o que se passava, voltou batendo no peito.
49 Os amigos de Jesus, como também as mulheres que o tinham seguido desde a Galiléia, conservavam-se a certa distância, e observavam estas coisas. Palavra da Salvação.
Com a chegada de Jesus a Jerusalém e os acontecimentos da semana santa,
chegamos ao fim do “caminho” começado na Galileia. Tudo converge, no Evangelho
de Lucas, para aqui, para Jerusalém: é aí que deve irromper a salvação de Deus.
Em Jerusalém, Jesus vai realizar o último ato do programa enunciado em Nazaré:
da sua entrega, do seu amor afirmado até à morte, vai nascer esse Reino de
homens novos, livres, onde todos serão irmãos no amor; e, de Jerusalém,
partirão as testemunhas de Jesus, a fim de que esse Reino se espalhe por toda a
terra e seja acolhido no coração de todos os homens.
MENSAGEM
A morte de Jesus tem de ser entendida no contexto daquilo que foi a sua
vida. Desde cedo, Jesus apercebeu-Se de que o Pai O chamava a uma missão:
anunciar a Boa Nova aos pobres, sarar os corações feridos, pôr em liberdade os
oprimidos. Para concretizar este projeto, Jesus passou pelos caminhos da
Palestina “fazendo o bem” e anunciando a proximidade de um mundo novo, de vida,
de liberdade, de paz e de amor para todos. Ensinou que Deus era amor e que não
excluía ninguém, nem mesmo os pecadores; ensinou que os leprosos, os
paralíticos, os cegos não deviam ser marginalizados, pois não eram amaldiçoados
por Deus; ensinou que eram os pobres e os excluídos os preferidos de Deus e
aqueles que tinham o coração mais disponível para acolher o Reino; e avisou os
“ricos”, os poderosos, os instalados, de que o egoísmo, o orgulho, a
auto-suficiência, o fechamento só podiam conduzir à morte.
O projeto libertador de Jesus entrou em choque – como era inevitável –
com a atmosfera de egoísmo, de má vontade, de opressão que dominava o mundo. As
autoridades políticas e religiosas sentiram-se incomodadas com a denúncia de
Jesus: não estavam dispostas a renunciar a esses mecanismos que lhes asseguravam
poder, influência, domínio, privilégios; não estavam dispostos a arriscar, a
desinstalar-se e a aceitar a conversão proposta por Jesus. Por isso, prenderam
Jesus, julgaram-n’O, condenaram-n’O e pregaram-n’O na cruz.
A morte de Jesus é a consequência lógica do anúncio do Reino: resultou
das tensões e resistências que a proposta do “Reino” provocou entre os que
dominavam este mundo.
Podemos também dizer que a morte de Jesus é o culminar da sua vida; é a
afirmação última, porém mais radical e mais verdadeira (porque marcada com
sangue), daquilo que Jesus pregou com palavras e com gestos: o amor, o dom
total, o serviço.
Na cruz de Jesus, vemos aparecer o Homem Novo, o protótipo do homem que
ama radicalmente e que faz da sua vida um dom para todos. Porque ama, este
Homem Novo vai assumir como missão a luta contra o pecado, isto é, contra todas
as causas objectivas que geram medo, injustiça, sofrimento, exploração, morte.
Assim, a cruz contém o dinamismo de um mundo novo – o dinamismo do Reino.
Para além da reflexão geral sobre o sentido da paixão e morte de Jesus,
convém ainda notar alguns dados que são exclusivos da versão lucana da paixão:
· No relato da instituição da Eucaristia, só Lucas põe Jesus a dizer:
“fazei isto em memória de Mim” (cf. Lc. 22,19). A expressão não quer só dizer
que os discípulos devem celebrar o ritual da última ceia e repetir as palavras
de Jesus sobre o pão e sobre o vinho; mas quer, sobretudo, dizer que os
discípulos devem repetir a entrega de Jesus, a doação da vida por amor.
· Só Lucas coloca no contexto da última ceia a discussão acerca de qual
dos discípulos seria o “maior” e a resposta de Jesus (cf. Lc. 22,24-27). Jesus
avisa os seus que “o maior” é “aquele que serve”; e apresenta o seu próprio
exemplo de uma vida feita serviço e dom. Estas palavras soam a “testamento” e
convocam os discípulos para fazerem da sua vida um serviço aos irmãos, ao jeito
de Jesus.
· No jardim das Oliveiras, só Lucas faz referência ao aparecimento do
anjo e ao “suor de sangue” (cf. Lc. 22,42-44). Esta cena acentua a fragilidade
humana de Jesus que, no entanto, não condiciona a sua submissão total ao
projeto do Pai; e sublinha a presença de Deus, que não abandona nos momentos de
prova aqueles que acolhem, na obediência, a sua vontade.
· Também no relato da paixão aparece a ideia fundamental que perpassa
pela obra de Lucas: Jesus é o Deus que veio ao nosso encontro, a fim de
manifestar a todos os homens, em gestos concretos, a bondade e a misericórdia
de Deus. Essa ideia está presente no gesto de curar o guarda ferido por Pedro
no Jardim do Getsemani (cf. Lc. 22,51); está também presente nas palavras de
Jesus na cruz: “Pai, perdoai-lhes porque não sabem o que fazem” – Lc. 23,34 (é
desconcertante o amor de um Filho de Deus que morre na cruz pedindo desculpa ao
Pai para os seus assassinos); está, ainda, presente nas palavras que Jesus
dirige ao criminoso que morre numa cruz, ao seu lado: “hoje mesmo estarás
comigo no paraíso” – Lc. 23,43 (é desconcertante a bondade de um Deus que faz
de um assassino o primeiro santo canonizado da sua Igreja).
· Todos os sinópticos falam da requisição de Simão de Cirene para levar
a cruz de Jesus (cf. Mt. 27,32; Mc. 15,21); no entanto, só Lucas refere que
Simão transporta a cruz “atrás de Jesus” (cf. Lc. 23,26). Este dado serve a
Lucas para apresentar o modelo do discípulo: é aquele que toma a cruz de Jesus
e O segue no seu caminho de entrega e de dom da vida (“se alguém quer vir após
Mim, negue-se a si mesmo, tome a sua cruz dia após dia e siga-Me” – Lc. 9,23;
cf. 14,27).
ATUALIZAÇÃO
Celebrar a paixão e morte de Jesus é abismar-se na contemplação de um
Deus a quem o amor tornou frágil… Por amor, Ele veio ao nosso encontro, assumiu
os nossos limites, experimentou a fome, o sono, o cansaço, conheceu a mordedura
das tentações, tremeu perante a morte, suou sangue antes de aceitar a vontade
do Pai; e, estendido no chão, esmagado contra a terra, atraiçoado, abandonado,
incompreendido, continuou a amar. Desse amor resultou vida plena, que Ele quis
repartir conosco “até ao fim dos tempos”: esta é a mais espantosa história de
amor que é possível contar; ela é a boa notícia que enche de alegria o coração
dos crentes.
Contemplar a cruz onde se manifesta o amor e a entrega de Jesus
significa assumir a mesma atitude e solidarizar-se com aqueles que são
crucificados neste mundo: os que sofrem violência, os que são explorados, os
que são excluídos, os que são privados de direitos e de dignidade… Significa
denunciar tudo o que gera ódio, divisão, medo, em termos de estruturas,
valores, práticas, ideologias. Significa evitar que os homens continuem a
crucificar outros homens. Significa aprender com Jesus a entregar a vida por
amor… Viver deste jeito pode conduzir à morte; mas o cristão sabe que amar como
Jesus é viver a partir de um dinâmica que a morte não pode vencer: o amor gera
vida nova e introduz na nossa carne os dinamismos da ressurreição.
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