segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

PECADO IMPERDOÁVEL - PARTE I

Os pecados contra o Espírito Santo são seis:
1º. Desesperação da salvação;
2º. Presunção de se salvar sem merecimento;
3º. Negar a verdade conhecida como tal;
4º. Ter inveja das mercês que Deus faz a outrem;
5º. Obstinação no pecado; 6º. Impenitência final.


um problema clássico da teologia, que decorre da célebre frase do Evangelho de São Mateus (cap. 12, 31-32): “Todo pecado e blasfêmia será perdoado aos homens, porém a blasfêmia contra o Espírito Santo não será perdoada. E todo aquele que disser uma palavra contra o Filho do homem [Jesus Cristo], lhe será perdoado; porém o que a disser contra o Espírito Santo, não lhe será perdoado, nem neste século nem no futuro”. São Marcos (3, 28-30) e São Lucas (12, 10) têm expressões equivalentes. São Marcos especifica que quem cometer tal ato “será réu de um eterno pecado”, o que permite estabelecer a equivalência entre as expressões “blasfêmia contra o Espírito Santo” e “pecado contra o Espírito Santo”.

Essa é uma das frases mais terríveis pronunciadas pelo Divino Salvador. Tal severidade se explica: ela se situa no contexto do incrível comentário dos fariseus (como diz São Mateus) ou dos escribas (como diz São Marcos), de que Jesus Cristo expulsava os demônios em nome de Belzebu. Jesus Cristo qualificou esse comentário de “blasfêmia contra o Espírito Santo”, pecado imperdoável.

Santo Agostinho chegou a dizer que “talvez, em todas as Santas Escrituras, não se encontre nenhuma questão maior, nenhuma mais difícil” (Sermão 71 de verbis Domini). O problema está em que, no mesmo trecho, são feitas duas afirmações aparentemente contraditórias: a primeira é que todos os pecados são perdoados; a segunda, que o pecado contra o Espírito Santo não tem perdão.

Plinio Corrêa de Oliveira costumava observar que, sempre que na doutrina católica se apresenta uma questão difícil, podemos ter certeza de que a solução será luminosa, e tanto mais bela quanto mais difícil for a questão. É o que ocorre neste caso, que ocupou a mente dos maiores pensadores da Igreja desde os primórdios. Santo Tomás, em quatro artigos da Suma Teológica (II-II, q.14; cfr. também quatro artigos da I-II, q. 78), sintetiza as diversas soluções apresentadas; e, como de costume, esclarece brilhantemente o problema teológico. Tentaremos resumir o seu pensamento para transmitir ao leitor o essencial da argumentação.

Quais são os pecados contra o Espírito Santo?

Para melhor compreensão da matéria, convém dizer desde logo quais são os pecados contra o Espírito Santo, segundo o Livro das Sentenças de Pedro Lombardo (2 d.43), que Santo Tomás recolhe e analisa, e antigamente se ensinavam nas aulas de Catecismo (cfr. Segundo Catecismo da Doutrina Cristã, Vozes, Petrópolis, 52ª ed., 1953, p. 60):

Os pecados contra o Espírito Santo são seis: 1º. Desesperação da salvação; 2º. Presunção de se salvar sem merecimento; 3º. Negar a verdade conhecida como tal; 4º. Ter inveja das mercês que Deus faz a outrem; 5º. Obstinação no pecado; 6º. Impenitência final.

O referido Catecismo acrescenta que se chamam pecados contra o Espírito Santo “porque se cometem por pura malícia, o que diretamente repugna à bondade divina, que se atribui ao Espírito Santo”.

Expliquemos.

Ignorância, paixão, pura malícia

Santo Tomás observa que a vontade se inclina ao mal de diversas maneiras: “Às vezes por defeito da razão, como aquele que peca por ignorância; às vezes também por impulso do apetite sensitivo, como aquele que peca por paixão. Mas nenhuma destas coisas é pecar por pura malícia; alguém peca por pura malícia só quando a própria vontade por si mesma se volta para o mal” (II-II, q.78 a.3 c.).

Aqui está o que define os pecados contra o Espírito Santo: como diz o Catecismo, são os que “se cometem por pura malícia”, não simplesmente por ignorância ou paixão.

Como este é um conceito fundamental para a compreensão da matéria, convém esmiuçá-lo.

Santo Tomás usa, em latim, a expressão certa malitia, que o Catecismo traduz bem por pura malícia. Com efeito, o primeiro sentido da palavra certa, em latim, indica aquilo que está perfeitamente decidido, resolvido e determinado em nosso espírito. Portanto, o pecado cometido com certa malitia não é o pecado cometido por fraqueza, ignorância ou paixão, mas o que é cometido com perfeita adesão da vontade ao mal que envolve o pecado.

Queira o leitor reler a frase de Santo Tomás citada no início deste tópico, para ver se lhe ficou claro. Esclareço apenas, colateralmente, que a ignorância nem sempre escusa de pecado, pois ela pode ser culposa, e neste caso teremos o que Santo Tomás chama de pecado por ignorância.

Bem compreendida, pois, a noção de certa malitia ou pura malícia, podemos mostrar como ela está presente nos seis pecados que o Catecismo nos apresenta como sendo pecados contra o Espírito Santo.

A malícia dos pecados contra o Espírito Santo

Os pecados contra o Espírito Santo são seis: 1º. Desesperação da salvação; 2º. Presunção de se salvar sem merecimento; 3º. Negar a verdade conhecida como tal; 4º. Ter inveja das mercês que Deus faz a outrem; 5º. Obstinação no pecado; 6º. Impenitência final.

1º. Desesperação da salvação; 2º. Presunção de se salvar sem merecimento — Diz Santo Tomás: “O homem se abstém de optar pelo pecado pela consideração do juízo divino, o qual se exerce com justiça e misericórdia, e pela esperança, que brota da consideração da misericórdia divina, a qual perdoa os pecados e premia as boas obras; ora, esta [a esperança] é supressa pela desesperação. Também se afasta do pecado pelo temor, que nasce da consideração da divina justiça que pune os pecados; e este [o temor] é supresso pela presunção da salvação, quando alguém presume alcançar a glória sem méritos ou o perdão sem penitência” (II-II, q.14 a.2 c.). Essa rejeição da justiça e misericórdia divinas implica uma pura malícia certa, pois são dois atributos divinos que ninguém desconhece.

3º. Negar a verdade conhecida como tal; 4º. Ter inveja das mercês que Deus faz a outrem — Diz Santo Tomás: “Dois são os dons de Deus que nos afastam do pecado: um é o conhecimento da verdade, contra o qual se põe a impugnação da verdade conhecida quando, por exemplo, alguém impugna a verdade conhecida para pecar mais livremente. Outro é o auxílio da graça interior, ao que se opõe a inveja da graça fraterna quando alguém inveja não só o irmão em sua pessoa, mas inveja também o crescimento da graça no mundo” (loc. cit.). Posições de alma que, mais uma vez, implicam evidentemente em malícia certa.

5º. Obstinação no pecado; 6º. Impenitência final — Diz Santo Tomás: “Por parte do próprio pecado, duas são as coisas que podem afastar o homem do pecado: Uma é a desordem e a torpeza da ação, cuja consideração costuma induzir à penitência pelo pecado cometido. E contra isto se coloca a impenitência, não enquanto significa a permanência no pecado até à morte, [...] pois neste caso não seria um pecado especial, mas uma circunstância do pecado; mas é tomada aqui a impenitência enquanto implica o propósito de não se arrepender; Outra é a inanidade e a brevidade do bem que se busca no pecado, segundo observa o Apóstolo: ‘Que fruto tivestes naquilo de que agora vos envergonhais?’ (Rom. 6,21). E esta consideração costuma induzir o homem a não amarrar sua vontade no pecado. E tudo isto é removido pela obstinação, quando o homem firma seu propósito de aderir ao pecado” (loc. cit.).

Explicadas assim as diversas formas que assumem os pecados contra o Espírito Santo, restaria mostrar em que sentido se diz que eles são imperdoáveis. Mas o espaço acabou... e fica para o próximo mês.

Entrementes, peçamos a Nossa Senhora, Mãe de Misericórdia, Auxiliadora dos cristãos e Refúgio dos pecadores, que nos dê a graça de não cair em qualquer desses pecados monstruosos que, como advertiu Nosso Senhor Jesus Cristo, são imperdoáveis. São para a alma, conforme explica Santo Tomás, como as doenças incuráveis são para o corpo: não têm cura, salvo um milagre espiritual, que no entanto Deus pode fazer!
Autor:Monsenhor José Luiz
E-mail do autor: monsenhorjoseluiz@catolicismo.com.br

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