sexta-feira, 8 de abril de 2011

O ÚLTIMO DOS ANJOS.

De todos os anjos ele era o último.


Dentre milhares e milhares de puros espíritos que Deus criou — imensamente mais numerosos que o conjunto de todos os seres humanos que existirão até o fim do mundo —, distribuídos em uma imensa hierarquia composta de nove coros angélicos, ele se encontrava no lugar mais baixo. Todos os anjos, sem exceção, eram-lhe superiores. Abaixo dele, bem distantes, não havia senão nós, os homens.

Mas não imagines que por isso ele concebesse qualquer amargura ou decepção. Ao contrário, era um anjo particularmente alegre e feliz.

Por exemplo, ele não quis nem de longe aderir à revolta de Lúcifer, que havia procurado convencê-lo, em primeiro lugar pensando poder suscitar nele um sentimento de injustiça.

— Siga-me — cochichou-lhe o tentador — e de último entre os últimos tornar-te-ás semelhante a Deus.

Ele teria dado uma gargalhada e encolhido os ombros (se os tivesse, mas estes são dois modos de agir que pertencem a nós, humanos). Então o anjo colocou uma simples questão, que foi ouvida de um limite a outro da abóbada celeste:

— Quem, então, é como Deus!?

Sua frase foi retomada pelo arcanjo São Miguel, que fez dela o seu grito de guerra, com o sucesso que se conhece; pois, sob sua direção, dois terços da milícia celeste lançaram no inferno os demônios revoltados, depois de um gigantesco combate. Os anjos passaram então a gozar da visão beatífica.

Já antes da criação dos homens, o último dos anjos passou a fazer o bem sobre a Terra.

Sendo um puro espírito, não tinha corpo. Mas possuía uma inteligência imensamente superior à nossa, uma vontade livre de entraves e um poder sobre todo o mundo material. Poder ao qual só os desígnios da Providência Divina punham limites.

Além disso, fora do conhecimento sobrenatural de Deus, o anjo jamais tivera necessidade de aprender: todos os seus conhecimentos naturais foram-lhe comunicados por Deus no instante de sua criação. Sua ciência, sua força, seu discernimento, ele os utilizava para influenciar as condições materiais de nossa vida quotidiana.

Por onde passava, o ar tornava-se mais leve, os pássaros cantavam com mais alegria, as flores deitavam seus perfumes e os homens sentiam-se inclinados a ser melhores.

Ele era o anjo que restabelecia a paz na natureza depois das grandes tempestades; que tornava tão agradável o retorno da primavera; que conservava fresca a vasta sala de pedras onde vinham repousar os ceifeiros; que velava pela abundância dos frutos na colheita do outono; e que criava aquele ambiente reconfortante ao redor da lareira, com a lenha a crepitar, quando a neve recobria os campos.

Ele patrulhava a Terra para suavizar os efeitos da natureza selvagem, para tornar mais suportável a vida dos pobres humanos e encorajá-los a praticar a virtude.

Sua intervenção sobre os elementos procurava fazer renascer a esperança nos corações dos homens. Era uma ação humilde, que ele efetuava com engenho e discrição, mas tinha a intuição de que não enchia a medida do que era chamado a realizar.

Amante de conjecturas, pensava que um dia Deus lhe confiaria talvez uma missão especial.

— Quem sabe serei o anjo da guarda de alguém; sendo eu o último dos anjos, será provavelmente do mais fraco dos homens — disse ele a alguns dos grandes arcanjos do paraíso celeste, que sabiam mais do que ele. Mas eles contentaram-se em contemplá-lo em silêncio.

* * *
Anjo da Paz

Certa vez, sem estar a par de nada, notou entretanto uma movimentação inusitada na esfera celeste.

Porém, como nenhum dos anjos superiores, em seus movimentos incessantes para a manutenção da ordem da Criação, se detivesse para explicar-lhe o que se passava, continuou a percorrer o mundo.

Já fazia milhares de anos que ele cumpria seu ofício — o que parece muito para nós, mas não é senão um tantinho de eternidade na existência angélica —, quando em certa noite um dos magníficos serafins que servem junto ao Trono de Deus veio procurá-lo:

— Nosso Soberano Criador tem uma missão para ti: vá depressa exercer teus talentos junto à pobre gente, no lugar que te indicarei.

Apressando-se em percorrer a imensa distância que o separava da aldeia para onde fora enviado, ele entrou num recinto mal iluminado, sem saber o que iria encontrar.

O anjo olhou em torno de si e viu… o menor, o mais fraco, o mais pobre dos filhos dos homens. Então uma luz maravilhosa inundou a rude gruta onde se encontrava. Voltando-se, ele viu toda a corte celeste ali presente: milhares e milhares de anjos, subindo e descendo, entoavam um cântico novo, de excelsa suavidade.

— Apressa-te! Não vês que ele está com frio? — disse o serafim.

Só então o anjo compreendeu que Deus se fizera homem, e que sua missão era a de proteger aquele pequeno Menino e sua Mãe, a Santíssima Virgem Maria, e ainda seu pai adotivo, São José.

Rapidamente ele fez vir o asno e o boi que dormiam ao fundo, para que aquecessem com seu bafo o recém-nascido; suavizou a aspereza da palha, para evitar que viesse a incomodar o Divino Infante, e espalhou pelo ar um aroma de Natal, feito de resina de pinheiro, de cera quente, de flor de laranjeira e de especiarias diversas.

O Menino o vê… e lhe sorri. Ele é o último, mas o mais feliz dos anjos!

Depois dessa Noite Santa, todos os anos ele percorre a Terra para fazer sentir às almas de boa vontade a suavidade, o perfume, o espírito do Natal.

Então, por favor, olha bem em torno de ti, e sê sensível à sua presença. Perceberás talvez que ele acaba de passar, vendo a chama vacilante de uma vela diante do presépio, contemplando o brilho de um enfeite de Natal suspenso num pinheiro, ou enlevando-te com a doçura dos cânticos da Missa do galo.

* * *

Por Benoît Bemelmans

OBSERVAÇÃO — Esta história não é senão um conto de Natal. Mas o último dos anjos existe realmente. Não sei como se chama (se ele mo tivesse dito, eu me alegraria em escrever seu nome; mas a Igreja proíbe aos homens dar nome aos anjos, exceto àqueles que aparecem na Bíblia). De qualquer modo, nossa pobre inteligência humana não chegaria a compreender bem o significado e a beleza do nome de um anjo.

Para dizer a verdade, foi ele quem me sugeriu escrever este conto. Quando objetei que talvez nem tudo fosse inteiramente exato, ele riu, deu de ombros e disse: Basta colocares uma observação no fim.


Aqueles que tiverem conservado o melhor de sua inocência dos tempos da infância regozijar-se-ão. Os outros…

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