quarta-feira, 27 de abril de 2011

O DIA SEM OCASO.

Na tarde desse mesmo dia [domingo], que era o primeiro da semana, estando as portas da casa em que se achavam os discípulos trancadas por medo dos judeus, Jesus veio, pôs-se no meio deles e lhes disse: ‘Paz a vós’(...). Tendo assim falado, soprou sobre eles e lhes disse: ‘Recebei o Espírito Santo'[1].
Na visão de João, a aparição de Jesus ressuscitado aos apóstolos no cenáculo é a nova criação do homem: Em Gn 2,7 Deus plasma o homem do barro da terra e insufla nas suas narinas o hálito de vida; aqui o Ressuscitado sopra sobre os apóstolos e comunica-lhes o Espírito Santo, dando-lhes a nova vida. Na primeira criação o homem foi o último ser criado, aqui ele é o primeiro, porque a nova criação é também a redenção do homem e, através dele, de toda a criação.

Jesus ressuscitado aparece aos discípulos no primeiro dia após o sábado, ou seja, no dia que está acima da ordem dos dias da semana. É o oitavo dia. Sobre isto escreve S. Agostinho: “Por isso, o Senhor também imprimiu o seu selo no seu dia, que é o terceiro após a paixão. Porém, no ciclo semanal, aquele é o oitavo depois do sétimo, isto é, depois do sábado, e o primeiro da semana”[2]. O oitavo dia é o dia sem ocaso, o dia sem fim, que nos introduz, portanto, na eternidade.

Na Carta Apostólica Dies Domini, João Paulo II comenta:

“O fato de o sábado ser o sétimo dia da semana fez considerar o dia do Senhor à luz de um simbolismo complementar, muito apreciado pelos Padres: o domingo, além de ser o primeiro dia, é também ‘o oitavo dia’, ou seja, situado relativamente à sucessão septenária dos dias, numa posição única e transcendentes evocadora, não só do início do tempo, mas também do seu fim no ‘século futuro’. S. Basílio explica que o domingo significa o dia realmente único que virá após o tempo atual, o dia sem fim, que não conhecerá tarde nem manhã, o século imorredouro que não poderá envelhecer; o domingo é o prenuncio incessante da vida sem fim, que reanima a esperança dos cristãos e os estimula no seu caminho”[3].


As aparições de Cristo Ressuscitado aos seus discípulos aconteceram no domingo, por isso este dia passou a ser, a Páscoa semanal dos cristãos: é memorial da morte e gloriosa ressurreição do Senhor.

“Nós celebramos o domingo, devido à venerável ressurreição de nosso Senhor Jesus Cristo, não só na Páscoa, mas inclusive em cada ciclo semanal”: assim escrevia o Papa Inocêncio I, nos começos do século V, testemunhando um costume já consolidado, que se tinha vindo a desenvolver logo desde os primeiros anos após a ressurreição do Senhor. S. Basílio fala do ‘santo domingo, honrado pela ressurreição do Senhor, primícia de todos os outros dias’. S. Agostinho chama o domingo “sacramento da Páscoa”[4].
No ano 304, o imperador Diocleciano proibiu aos cristãos, sob pena de morte, de possuir as Escrituras, de se reunirem aos domingos para celebrar a Eucaristia e de construir lugares para as suas assembléias; neste período, alguns cristãos de Abitinas (atual Tunísia), foram surpreendidos na celebração eucarística dominical, que estava proibida, e foram conduzidos perante o juiz, que lhes perguntou por que, no domingo, haviam celebrado a função religiosa cristã, sabendo que isso implicava castigo de morte, ao que responderam: ‘Sine dominico non possumus’, ou seja, “sem o domingo não podemos viver"[5].
“Pôs-se no meio deles...”

O dia da ressurreição é o inicio absoluto que nos transfere no mundo de Deus. Ou seja, a aparição de Jesus não dá apenas a certeza da sua ressurreição, mas também da sua presença em meio aos seus. A comunicação da paz e a sua presença dissipam o medo e lhes enche de alegria: “Vendo o Senhor, os discípulos ficaram tomados de intensa alegria”.

É importante notarmos que narrando este grande acontecimento o Evangelista João não diz que Jesus ‘apareceu’, mas que ‘veio e pôs-se’ no meio deles. Ele que prometeu permanecer conosco até o fim dos tempos, veio glorioso, vencedor da morte e Senhor da vida e ‘pôs-se no meio deles’, comunicando-lhes a sua paz. “Ele está no meio de nós”, respondemos na santa Missa, mas esta resposta não é apenas parte de um rito, trata-se de uma verdade que está no fundamento da nossa fé. Sim, Ele está no meio de nós! Permanece conosco! E com Ele tudo se faz novo, a morte e a dor já não são as últimas palavras. Cristo ressuscitou, sim, é a vitória do Amor! Aleluia!



[1] Jo 20,19.22.

[2] Sermo 8 in octava Paschalis, 1,4.

[3] Dies Domini, 26.

[4] DD 19.

[5] Cfr. DD 46.




por
Formação Shalom

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