Palavras do Papa Francisco a bispos recém-nomeados.
Por Iacopo Scaramuzzi
Aos novos bispos do curso anual de formação, o papa afirma que fazer
pastoral da misericórdia não é fazer liquidação de pérolas. “Não poupem
esforços para ir ao encontro do povo de Deus, estejam perto das famílias
com fragilidade. Nos seminários, apontem para a qualidade, não para a
quantidade. Desconfiem dos seminaristas que se refugiam na rigidez.”
“O mundo está cansado de encantadores mentirosos… e, eu me permito
dizer, de padres ou bispos na moda. As pessoas ‘farejam’ e se afastam
quando reconhecem os narcisistas, os manipuladores, os defensores das
causas próprias, os arautos de cruzadas vãs.”
O Papa Francisco dirigiu um longo discurso aos bispos recém-nomeados,
em Roma, para um curso de formação, tocando diversas questões do seu
ministério, a partir da necessidade de tornar pastoral – “isto é,
acessível, tangível, encontrável” – a misericórdia, que é o “resumo
daquilo que Deus oferece ao mundo”.
Os bispos, disse Jorge Mario Bergoglio, devem ser capazes de encantar
e de atrair os homens e as mulheres do nosso tempo a Deus, sem
“lamentações”, sem “deixar nada de não tentado a fim de alcançá-los” ou
“recuperá-los”, e graças aos percursos de iniciação (“Hoje, pedem-se
frutos demais de árvores que não foram cultivadas o suficiente”).
Além disso, é necessário vigiar a formação dos futuros sacerdotes,
apontando para a “qualidade do discipulado”, e não para a “quantidade”
de seminaristas, e usando “cautela e responsabilidade” ao acolher
sacerdotes na diocese. Francisco também convidou os novos bispos a
estarem perto do seu clero, àqueles que Deus coloca “por acaso” no seu
caminho e às famílias com as suas “fragilidades”.
“Perguntem a Deus, que é rico em misericórdia – disse o papa aos 154
novos bispos (16 dos territórios de missão) que participaram do curso
anual de formação promovido conjuntamente pela Congregação para os
Bispos e pela Congregação para as Igrejas Orientais – o segredo para
tornar pastoral a Sua misericórdia nas suas dioceses. De fato, é preciso
que a misericórdia forme e informe as estruturas pastorais das nossas
Igrejas. Não se trata de rebaixar as exigências ou vender barato as
nossas pérolas. Ou, melhor, a única condição que a pérola preciosa dá
àqueles que a encontram é a de não poder reivindicar menos do que tudo.
Não tenham medo de propor a Misericórdia como resumo daquilo que Deus
oferece ao mundo, porque o coração do homem não pode aspirar a nada
maior”, disse Francisco, que, sobre a misericórdia como “limite para o
mal”, citou Bento XVI, acrescentando duas perguntas retóricas: “Por
acaso, as nossas inseguranças e desconfianças são capazes de suscitar
doçura e consolação na solidão e no abandono?”.
Para tornar a misericórdia “acessível, tangível, encontrável”, acima
de tudo, o papa recordou que “um Deus distante e indiferente pode ser
ignorado, mas não resistimos facilmente a um Deus tão próximo e, além
disso, ferido por amor. A bondade, a beleza, a verdade, o amor, o bem –
eis o que podemos oferecer a este mundo mendicante, ainda que em vasos
meio quebrados. No entanto, não se trata de atrair a si mesmos. O mundo –
disse Francisco – está cansado de encantadores mentirosos… e, eu me
permito dizer, de padres ou bispos na moda. As pessoas ‘farejam’ e se
afastam quando reconhecem os narcisistas, os manipuladores, os
defensores de causas próprias, os arautos de cruzadas vãs. Em vez disso,
tentem ajudar a Deus, que já Se introduz antes ainda da chegada de
vocês”.
Nesse sentido, “Deus não se rende nunca! Somos nós, que, acostumados
ao rendimento, muitas vezes nos acomodamos, preferindo nos deixar
convencer que realmente puderam eliminá-Lo e inventamos discursos
amargos para justificar a preguiça que nos bloqueia no som imóvel das
lamentações vãs: as lamentações de um bispo são coisas feias”.
Em segundo lugar, é necessário, segundo o papa, “iniciar” aqueles que
são confiados aos pastores: “Eu lhes peço para não terem outra
perspectiva para olhar os seus fiéis do que a da sua unicidade, de não
deixarem nada de não tentado a fim de alcançá-los, de não poupar
qualquer esforço para recuperá-los. Sejam bispos capazes de iniciar as
suas Igrejas nesse abismo de amor. Hoje – disse Francisco – pedem-se
frutos demais de árvores que não foram cultivadas o suficiente.
Perdeu-se o sentido da iniciação, e, no entanto, nas coisas realmente
essenciais da vida, tem-se acesso apenas mediante a iniciação. Pensem na
emergência educativa, na transmissão tanto dos conteúdos quanto dos
valores, no analfabetismo afetivo, nos percursos vocacionais, no
discernimento nas famílias, na busca da paz: tudo isso requer iniciação e
percursos guiados, com perseverança, paciência e constância, que são os
sinais que distinguem o bom pastor do mercenário”.
Francisco se debruçou com atenção particular sobre o tema da formação
dos futuros padres: “Peço-lhes que cuidem com especial solicitude as
estruturas de iniciação das suas Igrejas, em particular os seminários.
Não os deixem ser tentados pelos números e pela quantidade das vocações,
mas busquem a qualidade do discipulado. Não privem os seminaristas da
sua firme e terna paternidade. Façam-nos crescer a ponto de adquirir a
liberdade de estar em Deus ‘tranquilos’ e serenos como crianças
desmamadas nos braços da sua mãe”; não como presas dos próprios
caprichos e escravos das próprias fragilidades, mas livres para abraçar
aquilo que Deus lhes pede, mesmo quando isso não parece tão doce quanto o
seio materno era no início. E fiquem atentos quando alguns seminaristas
se refugiam na rigidez; por baixo, sempre há algo de feio”.
E ainda: “Eu lhes peço também para agirem com grande prudência e
responsabilidade ao acolher candidatos ou incardinar sacerdotes nas suas
Igrejas locais. Por favor, prudência e responsabilidade nisso.
Lembrem-se de que, desde o início, quis-se como inseparável a relação
entre uma Igreja local e os seus sacerdotes, e nunca se aceitou um clero
vagante ou em trânsito de um lugar para outro. E essa é uma doença dos
nossos tempos”.
Por fim, o papa pediu que os bispos sejam “capazes de acompanhar”,
citando, a esse respeito, a parábola do bom samaritano: “Sejam bispos
com o coração ferido por tal misericórdia e, portanto, incansável na
humilde tarefa de acompanhar o homem que, ‘por acaso’, Deus colocou no
seu caminho”.
E, ainda, recomendou o papa aos novos bispos, “acompanhem por
primeiro, e com paciente solicitude, o seu clero” e “reservem um
acompanhamento especial para todas as famílias, regozijando-se com o seu
amor generoso e encorajando o imenso bem que elas dispensam neste
mundo. Acompanhem sobretudo as mais feridas. Não ‘passem ao largo’
diante da sua fragilidade”.
“Fico alegre por acolhê-los e por poder compartilhar com vocês alguns
pensamentos que vêm ao coração do sucessor de Pedro, quando vejo diante
de mim aqueles que foram ‘pescados’ pelo coração de Deus para guiar o
Seu povo santo”, tinha iniciado o papa.
“Deus os livre de tornar vão tal frêmito, de domesticá-lo e
esvaziá-lo da sua potência ‘desestabilizadora’. Deixem-se
desestabilizar, é bom para um bispo”, disse Francisco.
“Muitos, hoje, se mascaram e se escondem. Eles gostam de construir
personagens e inventar perfis. Tornam-se escravos dos parcos recursos
que recolhem e aos quais se agarram como se bastassem para comprar o
amor que não tem preço. Não suportam o frêmito de se saberem conhecidos
por Alguém que é maior e não despreza o nosso pouco, é mais Santo e não
culpa a nossa fraqueza, é realmente bom e não se escandaliza com as
nossas chagas. Não seja assim para vocês”, concluiu: “Deixem que tal
frêmito percorra vocês. Não removam-nos nem o silenciem”.
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