Os acenos frenéticos, a gritaria e a agitação vistos na televisão não têm nada a ver com um afogamento de verdade.
O novo mestre pula da lancha de pesca esportiva direto para a água,
totalmente vestido. Dispara em meio às marolas suaves, os olhos fixos no
seu destino enquanto se aproxima dos donos, que nadam entre o barco e a
praia.
– Ele deve achar que você está se afogando — diz o homem para sua esposa.
Os dois haviam atirado água um no outro e ela havia gritado, mas agora eles estão simplesmente em pé, mergulhados até o pescoço.
– Está tudo bem… O que ele está fazendo? — pergunta ela, levemente aborrecida.
O marido faz sinal com as mãos para que volte, e grita:
– Estamos bem!
Mas nada detém as braçadas do capitão:
– Saia do caminho! — diz o mestre ao patrão atônito.
Segundos depois, uma menina de uns nove anos surge das águas, explode em lágrimas, berra pelo pai.
Ela ia se afogando a menos de 5 metros dele.
Como o mestre, que estava a 15 metros deles, sabia o que estava acontecendo, e o pai, não?
O marinheiro tinha treino e experiência para reconhecer um afogamento
real — ao passo que o pai tinha do afogar-se a ideia que lhe deram os
filmes e as novelas.
A Resposta Instintiva ao Afogamento — nome dado por Francesco A. Pia,
Ph.D. — é o conjunto de ações que as pessoas realizam para evitar
sufocamento real ou imaginário na água. E ela não corresponde às
expectativas da maioria de nós. Os acenos frenéticos, a gritaria e a
agitação vistos na televisão são coisa rara na vida real.
O afogamento é, quase sempre, um evento despido de drama exterior ou
estrépito. Para dar uma ideia do quanto, considere as seguintes
informações do Centro de Controle de Doenças dos EUA:
- É a segunda causa de morte de menores de 15 anos (a primeira é o trânsito);
- Das 750 crianças que vão se afogar nos próximos 12 meses, metade perecerá a menos de 25 metros de um pai ou outro adulto.
- Em 10% desses 750 afogamentos, o adulto verá o afogamento se desenrolar diante dele, sem ter a menor ideia do que está de fato ocorrendo.
O afogamento não se parece com afogamento. Em um artigo para a edição
do terceiro trimestre de 2006 da revista On Scene, da Guarda Costeira
dos Estados Unidos, Magazine, o Dr. Pia descreveu a reação instintiva ao
afogamento como segue:
- Exceto em circunstâncias incomuns, pessoas sofrendo afogamento estão fisiologicamente incapacitadas de gritar pedindo ajuda. O sistema respiratório foi projetado para a respiração. A fala é uma função secundária ou associada. A respiração deve ser possível, antes que a fala ocorra.
- A boca de quem se afoga ora fica sob, ora sobre a superfície da água. Infelizmente, a boca não fica acima da linha d’água por tempo suficiente para permitir à vítima expirar, inspirar e pedir ajuda antes que volte a submergir.
- Pessoas em afogamento não acenam pedindo auxílio. O instinto natural leva-as a estender os braços lateralmente e fazer força com eles para baixo sobre a superfície da água, num esforço para erguer o corpo de modo a levantar a boca para poder respirar.
- Durante todo o tempo da resposta instintiva ao afogamento, quem está se afogando não consegue controlar o movimento de seus braços. Fisiologicamente, afogandos que se debatem na superfície da água não conseguem parar de se afogar para executar movimentos voluntários como acenar, mover-se em direção ao resgate ou alcançar algum equipamento de resgate.
- Do começo ao final da reação ao afogamento, o corpo da vítima permanece vertical na água, sem evidência de que use pernadas para manter essa posição. A menos que um salva-vidas a auxilie, a pessoa submergirá em um período de tempo entre 20 e 60 segundos.
Isto não equivale a dizer que uma pessoa que esteja a gritar por
ajuda e se debater não esteja com problemas sérios — eles estão passando
por uma situação de extremo estresse aquático, reação nem sempre
presente antes da reação de afogamento. O estresse aquático extremo não
dura muito, mas ainda não é o afogamento, e isso permite que as vítimas
ainda possam ajudar no próprio salvamento agarrando cabos de resgate,
por exemplo.
Outros indícios de que um afogamento está ocorrendo são:
- Cabeça baixa na água com a boca na superfície da água
- Cabeça para trás com a boca aberta
- Olhar vítreo, vazio, sem foco
- Olhos fechados
- Cabelo na frente da teste ou dos olhos
- Posição vertical na água sem o uso das pernas
- Hiperventilação ou engasgamento
- Braçadas em uma determinada direção, sem deslocamento naquela direção
- Tentativa de rolar sobre as costas
- Movimento da escalada, mas raramente para fora da água
Portanto, se um tripulante ou passageiro cai na água e tudo parece
bem, é melhor desconfiar. Às vezes, o sinal mais comum de que alguém
está a se afogar é… que ela não parece estar se afogando. Pode ocorrer
que, aparentemente, esteja apenas boiando e olhando para o convés.
Como eliminar a dúvida? Um modo é perguntar se está tudo em ordem. Se
houver alguma resposta, provavelmente está mesmo. Mas se a resposta for
um olhar sem expressão, corra — você pode ter menos de 30 segundos para
salvá-la.
Um último aviso, este para aos pais: criança faz barulho quando
brinca na água. Se a sua ficar quieta, vá até ela e descubra o que há.
(Adaptado de “Drowning doesn’t look like drowning”; originalmente publicado no Blog da Arca de Noé. Via Azul Sete Zero)
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