São Boaventura entendeu cedo que esta vida não serve para outra coisa senão para preparar nossa morada definitiva no Céu.
Após o tempestuoso "século obscuro", no qual tantas almas se perderam pela impiedade e mau exemplo de muitos sacerdotes, a reforma impulsionada pelos monges de Cluny
deu novo fôlego à espiritualidade cristã, suscitando numerosas e santas
vocações no seio da Igreja — vocações que mudaram não somente a
história do cristianismo, mas também a própria história da humanidade.
O século XIII, filho inconteste desse movimento de renovação
espiritual, viu nascer uma geração profundamente enraizada na fé cristã,
como jamais se viu desde os primórdios da Igreja. É nesse período que surgem São Domingos de Gusmão e São Francisco de Assis, fundando duas das maiores e mais importantes famílias espirituais do mundo: a Ordem dos Pregadores e a Ordem dos Frades Menores.
Com o apelo à missão apostólica e a fidelidade aos três conselhos
evangélicos — obediência, pobreza e castidade —, dominicanos e
franciscanos construíram a grande civilização cristã da Idade Média sobre o desejo e a busca da santidade.
Dentre os filhos de São Francisco, um nome que não pode passar
despercebido é o de São Boaventura, que, com seu trabalho espiritual e
teológico, ajudou Santo Tomás de Aquino, herdeiro de São Domingos, a defender e ensinar a verdade católica em sua época.
São Boaventura nasceu em Bagnoregio, na província italiana de Viterbo,
no ano de 1217. Pouco se sabe sobre sua infância, a não ser o episódio
marcante que teria influenciado a escolha de seu nome religioso. Tendo
caído numa forte doença, sua mãe pediu a intercessão de São Francisco,
há pouco canonizado, para que o salvasse. Foi haurindo do santo a "boa
ventura" que começou a simpatia do até então João Fidanza pelo
impressionante testemunho do Poverello, como conta o Papa Bento XVI:
"A figura do Pobrezinho de Assis tornou-se-lhe ainda mais familiar alguns anos mais tarde, quando se encontrava em Paris, aonde tinha ido para estudar. Obtivera o diploma de Mestre de Artes, que poderíamos comparar com o de um Liceu prestigioso dos nossos tempos. Nesta altura, como muitos jovens de ontem e também de hoje, João formulou uma pergunta crucial: 'O que devo fazer da minha vida?'" [1]
São Boaventura, por sua vez, entendeu cedo que a verdadeira vida não é
aquela dedicada à obtenção de um diploma, à conquista de uma namorada
"bonitinha" ou à persecução de um cargo importante. A vida não pode ser decidida por escolhas apenas temporais.
Neste sentido, o filho de São Francisco decidiu-se pelo cumprimento
fiel de sua vocação à santidade, abraçando a cruz que teria de carregar
até o dia da redenção e tomando, em 1243, o hábito franciscano:
"Confesso diante de Deus que a razão que me fez amar mais a vida do
Beato Francisco é que ela se assemelha aos inícios e ao crescimento da
Igreja. A Igreja começou com simples pescadores e em seguida
enriqueceu-se de doutores muito ilustres e sábios" [2]. Trata-se de um
exemplo valioso para a geração atual, que, infelizmente, quase não
entende mais o valor do sacrifício e das escolhas definitivas.
Terminados os estudos na Universidade de Paris, São Boaventura ganhou
uma cátedra na mesma instituição para ensinar teologia, ofício que
cumpriu com heroica dedicação, apesar das dificuldades. Havia, naquela
época, uma antipatia dos padres seculares pelas ordens mendicantes, de
modo que muito se contestou a presença de seus membros dentro do
ambiente acadêmico. Questionava-se quase tudo: o seu estilo de vida, a
fidelidade à doutrina e até a própria vocação deles. Para responder aos
críticos e defender os seus, Boaventura redigiu um texto exemplar que,
dada a sua profundidade, ainda hoje pode ser lido com proveito por todos
os cristãos. No livro A perfeição evangélica, o santo mostra que a Igreja é mais bela e luminosa quando seus filhos e filhas são fieis à vocação para a qual Deus os chamou e, vivendo-a exemplarmente, tornam-se "testemunho de que o Evangelho é nascente de alegria e de perfeição" [3].
A missão de São Boaventura, porém, não se resumiu aos debates
teológicos da academia. Logo teve de assumir também o governo dos
franciscanos, o que o obrigou a afastar-se definitivamente da
universidade para que pudesse entregar-se aos cuidados da fundação de
seu pai espiritual. Tal foi a sua dedicação que alguns chegam a
atribuir-lhe o título de segundo fundador dos Frades Menores.
Quando São Boaventura tornou-se ministro-geral da Ordem, os
franciscanos viviam uma tensão por causa da influência de um frade
cisterciense chamado Joaquim de Fiore. Morto em 1202, este frade defendia uma teologia da história
que se dividia trinitariamente. Haveria, nesse sentido, uma época do
Pai (o Antigo Testamento), uma época do Filho (o Novo Testamento) e uma
época do Espírito, consolidada pelo fim das instituições e pelo
surgimento de "uma comunidade carismática de homens livres guiados
interiormente pelo Espírito" [4]. A corrente dos chamados "franciscanos
espirituais" acreditava ser São Francisco o fundador dessa "comunidade
carismática". Vendo o risco de que a mensagem do Poverello degenerasse
em anarquia, São Boaventura apressou-se em estudar os escritos de
Joaquim de Fiore e toda a documentação possível acerca de São Francisco
de Assis.
Apesar de exaustivo e, muitas vezes, constrangedor, o trabalho de São
Boaventura para purificar sua Ordem rendeu uma obra teológica
inigualável, a começar pela sua biografia de São Francisco, em que
demonstra toda a fidelidade dele à mensagem de Cristo e da Igreja. São
Francisco não foi um hippie amante de Gaia, como sugerem algumas malfadadas interpretações, mas um "alter Christus, um
homem que procurou Cristo apaixonadamente, que se conformou totalmente a
Ele". Com isso, Boaventura provou que "a Ordem franciscana (...)
pertence à Igreja de Jesus Cristo, à Igreja Apostólica, e não pode
construir-se num espiritualismo utópico". Ao contrário, a sua missão é a
de "estar presente em toda a parte para anunciar o Evangelho" — essa é a
verdadeira novidade em relação ao monaquismo comum que, "a favor de uma
nova flexibilidade, restituiu à Igreja o dinamismo missionário" [5].
Vale ainda um comentário breve sobre a visão espiritual de São
Boaventura acerca do relacionamento de Deus com o homem. Com uma
linguagem semelhante à que Santa Teresa d'Ávila usaria alguns séculos
mais tarde, São Boaventura fala de um "itinerário", uma peregrinação que
todos devem percorrer até chegarem ao fim definitivo que é Deus. Nesta
peregrinação, haveria nove graus ou estágios de perfeição — assim como
nove são as ordens angélicas —, que, com a graça de Deus, o homem iria
galgando pouco a pouco. Para São Boaventura, os santos mais generosos,
como São Francisco de Assis, pertenceriam à ordem seráfica, na qual o homem se converte em "puro fogo de amor".
Boaventura, porém, não deixa de lembrar que a santidade é dom de Deus e que, portanto, ninguém pode alcançá-la somente com forças humanas.
Ela é sobretudo fruto da comunhão com o amor divino, comunhão que se
desenvolve na oração. O que se pode tirar da teologia de São Boaventura é
uma firme confiança no amor de Deus, no amor que se manifesta
precisamente naquela noite escura da razão, "onde a razão já não vê",
mas o amor: "Se agora desejas saber como isto acontece (ou seja, a
escalada para Deus), interroga a graça, não a doutrina; o desejo, não o
intelecto; não a luz, mas o fogo, que tudo inflama e transporta em Deus"
[6].
Antes de partir para a casa do Pai, onde teria o encontro definitivo
com esse amor de que tanto falava, São Boaventura prestou um último
serviço à Igreja aqui na terra, participando do II Concílio Ecumênico de
Lião. Morreu em 1274 como bispo e cardeal. Os testemunhos de sua época
diziam que Deus lhe havia concedido tal graça "que todos aqueles que o
viam permaneciam imbuídos de um amor que o coração não podia ocultar"
[7]. De fato, Boaventura entrou na pátria celeste para, como gostava de
repetir, entrar na alegria de Deus. E assim encontrou a vida eterna que
havia arduamente buscado e preparado já aqui nesta nossa pousada. Hoje
somos favorecidos pela sua intercessão.
Oxalá todos os jovens sigam o exemplo de São Boaventura e façam de suas
vidas um itinerário seguro para a casa do Pai, onde há muitas moradas
(cf. Jo 14, 2).
São Boaventura de Bagnoregio,
rogai por nós!
Por Equipe Christo Nihil Praeponere
Notas e referências
- Papa Bento XVI, Audiência Geral (3 de março de 2010).
- São Boaventura, Epistula de tribus quaestionibus ad magistrum innominatum, in: Opere di San Bonaventura. Introduzione generale, Roma, 1990, p. 29.
- Papa Bento XVI, Audiência Geral (3 de março de 2010).
- Id., Audiência Geral (10 de março de 2010).
- Papa Bento XVI, Audiência Geral (3 de março de 2010). Cf., também, Papa Francisco condena "caricatura" de São Francisco de Assis.
- São Boaventura, Itinerário da mente a Deus, VII, 6.
- J. G. Bougerol, Bonaventura, in: A. Vauchez (org.), Storia dei Santi e della Santità Cristiana, vol. 6. "L'epoca del rinnovamento evangelico". Milão, 1991, p. 91.
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