O tema fundamental que a liturgia
nos convida a refletir, neste domingo, é o tema da oração. Ao colocar
diante dos nossos olhos os exemplos de Abraão e de Jesus, a Palavra de
Deus mostra-nos a importância da oração e ensina-nos a atitude que os
crentes devem assumir no seu diálogo com Deus.
A primeira leitura sugere que
a verdadeira oração é um diálogo “face a face”, no qual o homem – com
humildade, reverência, respeito, mas também com ousadia e confiança –
apresenta a Deus as suas inquietações, as suas dúvidas, os seus anseios e
tenta perceber os projetos de Deus para o mundo e para os homens.
O Evangelho senta-nos no
banco da “escola de oração” de Jesus. Ensina que a oração do crente deve
ser um diálogo confiante de uma criança com o seu “papá”. Com Jesus, o
crente é convidado a descobrir em Deus “o Pai” e a dialogar
frequentemente com Ele acerca desse mundo novo que o Pai/Deus quer
oferecer aos homens.
A segunda leitura, sem aludir
diretamente ao tema da oração, convida a fazer de Cristo a referência
fundamental (neste contexto de reflexão sobre a oração, podemos dizer
que Cristo tem de ser a referência e o modelo do crente que reza: quer
na frequência com que se dirige ao Pai, quer na forma como dialoga com o
Pai).
LEITURA I – Gen 18,20-32
Leitura do Livro do Génesis
Naqueles dias, disse o Senhor: «O clamor contra Sodoma e Gomorra é tão forte, o seu pecado é tão grave que Eu vou descer para verificar se o clamor que chegou até Mim corresponde inteiramente às suas obras.
Se sim ou não, hei-de sabê-lo».
Os homens que tinham vindo à residência de Abraão dirigiram-se então para Sodoma, enquanto o Senhor continuava junto de Abraão.
Este aproximou-se e disse: «Irás destruir o justo com o pecador?
Talvez haja cinquenta justos na cidade.
Matá-los-ás a todos?
Não perdoarás a essa cidade, por causa dos cinquenta justos que nela residem?
Longe de Ti fazer tal coisa: dar a morte ao justo e ao pecador, de modo que o justo e o pecador tenham a mesma sorte!
Longe de Ti!
O juiz de toda a terra não fará justiça?»
O Senhor respondeu-lhe: «Se encontrar em Sodoma cinquenta justos, perdoarei a toda a cidade por causa deles».
Abraão insistiu: «Atrevo-me a falar ao meu Senhor, eu que não passo de pó e cinza: talvez para cinquenta justos faltem cinco.
Por causa de cinco, destruirás toda a cidade?»
O Senhor respondeu: «Não a destruirei se lá encontrar quarenta e cinco justos».
Abraão insistiu mais uma vez: «Talvez não se encontrem nela mais de quarenta».
O Senhor respondeu: «Não a destruirei em atenção a esses quarenta».
Abraão disse ainda: «Se o meu Senhor não levar a mal, falarei mais uma vez: talvez haja lá trinta justos».
O Senhor respondeu: «Não farei a destruição, se lá encontrar esses trinta».
Abraão insistiu novamente: «Atrevo-me ainda a falar ao meu Senhor: talvez não se encontrem lá mais de vinte justos».
O Senhor respondeu: «Não destruirei a cidade em atenção a esses vinte».
Abraão prosseguiu: «Se o meu Senhor não levar a mal, falarei ainda esta vez: talvez lá não se encontrem senão dez».
O Senhor respondeu: «Em atenção a esses dez, não destruirei a cidade».
AMBIENTE
Este texto do Livro do Génesis vem
na sequência da primeira leitura do passado domingo. Depois de terem
deixado a tenda de Abraão, os três personagens dirigiram-se para a
cidade de Sodoma, a fim de constatar “in loco” o pecado dos habitantes
da cidade. Abraão acompanhou os seus visitantes divinos durante algum
tempo. O autor jahwista situa num lugar alto, a Este de Hebron – de onde
se avista Sodoma (cf. Gn 19,27) – esse diálogo entre Abraão e Deus que o
texto nos apresenta.
Sodoma era uma cidade antiga, que se
supõe ter existido nas margens do Mar Morto, ao sul da península de
El-Lisan. De acordo com as lendas, foi uma das cidades destruídas (as
outras teriam sido Gomorra, Adama, Seboim e Segor) por um cataclismo que
ficou na memória do povo bíblico. Alguns estudiosos modernos têm
procurado uma explicação para a lenda na geologia da área: a região fica
situada na falha do vale do Jordão, numa zona sujeita a terremotos e a
atividades vulcânicas. Depósitos de betume e de petróleo têm sido
descobertos nesta região; e alguns escritores antigos atestam a presença
de gases que, uma vez inflamados, poderiam causar uma terrível
destruição, do tipo relatado em Gn 19. Terá sido isso que aconteceu
nessa zona?
É, provavelmente, essa recordação de
um antigo cataclismo que, em tempos imemoriais, destruiu a área, que
originou a reflexão que esta leitura nos apresenta. Poder-se-ia pensar
que um acontecimento pré-histórico muito remoto, cujos traços
enigmáticos eram ainda visíveis no tempo de Abraão (como o são ainda
hoje), tenha excitado a fantasia religiosa, no sentido de procurar as
causas de uma tão terrível catástrofe.
O diálogo que a primeira leitura de
hoje nos propõe é um texto de transição que serve para ligar a lenda de
Mambré com as lendas que relatam a destruição de Sodoma e das cidades
vizinhas. Os autores jahwistas aproveitaram o ensejo para propor uma
catequese sobre o peso que o justo e o pecador têm diante de Deus.
MENSAGEM
Deus prepara-se para iniciar a
“investigação”, a fim de constatar da culpabilidade ou da não
culpabilidade de Sodoma. É precisamente aí que o autor jahwista resolve
inserir essa pergunta fundamental que o inquieta: que acontecerá se essa
“investigação” revelar a existência na cidade de um pequeno grupo de
justos? Deus vai castigar toda a comunidade? Será que um punhado de
justos vale tanto que, por amor deles, Deus esteja disposto a perdoar o
castigo a uma multidão de culpados?
A ideia de que um punhado de
“justos” possa salvar a cidade pecadora é, em pleno séc. X a.C. (a época
do jahwista), uma ideia revolucionária. Para a mentalidade religiosa
dos israelitas desta altura, todos os membros de uma comunidade
(família, cidade, nação) eram solidários no bem e no mal; se alguém
falhasse, o castigo devia, invariavelmente, derramar-se sobre o grupo.
No entanto, os catequistas jahwistas atrevem-se a sugerir que talvez
a “justiça” de uns tantos seja, para Deus, mais importante do que o
pecado da maioria. Apesar de tudo, ainda estamos longe da perspectiva da
retribuição e da responsabilidade individuais: essas ideias só serão
consagradas pela catequese de Israel a partir do séc. VI a.C. (época do
exílio na Babilônia).
O problema que Abraão procura
resolver é, portanto, se aos olhos de Deus um grupo de “justos” tem tal
peso que, por amor deles, Deus esteja disposto a suspender o castigo que
pesa sobre toda a coletividade. Os números sucessivamente avançados
por Abraão (em forma descendente, de 50 até 10) fazem parte do folclore
do “regateio” oriental; mas servem, também, para pôr em relevo a
misericórdia e a “justiça de Deus”: a descida até aos dez “justos” e as
sucessivas manifestações da vontade de Deus em suspender o castigo
mostram que, n’Ele, a misericórdia é maior do que vontade de castigar,
que a vontade de salvar é infinitamente maior do que a vontade de
perder.
Definida a questão fundamental que o
jahwista quer abordar, detenhamo-nos agora um pouco na forma como se
desenrola a “conversa” entre Abraão e Deus. É um diálogo “face a face”
no qual Abraão se apresenta com humildade, com respeito, pois sente-se
“pó e cinza” diante da onipotência de Deus. No entanto, à medida que o
diálogo avança e que Abraão se confronta com a benevolência de Deus, vai
surgindo a confiança. Abraão chega a ser importuno na sua insistência e
ousado no seu regateio. Recordando a Deus os seus compromissos, ele
aparece como o “intercessor”, que consegue da misericórdia de Deus que
um número insignificante de justos tenha mais peso do que um número
muito elevado de culpados.
É possível dialogar com Deus desta
forma familiar, confiante, insistente, ousada? Certamente, pois o Deus
de Abraão é esse Deus que veio ao encontro do homem, que entrou na sua
tenda, que Se sentou à sua mesa, que estabeleceu com ele comunhão, que
realizou os sonhos desse homem que O acolheu, que aceitou partilhar com
Ele os seus projetos. Um Deus que Se revela dessa forma é um Deus com
quem o homem pode dialogar, com amor e sem temor.
ATUALIZAÇÃO
Considerar, para a reflexão, os seguintes dados:
¨ O
diálogo entre Abraão e Deus a propósito de Sodoma confirma esse Deus da
comunhão, que vem ao encontro do homem, que entra na sua casa, que Se
senta à mesa com ele, que escuta os seus anseios e que lhes dá resposta;
e mostra, além disso, um Deus cheio de bondade e de misericórdia, cuja
vontade de salvar é infinitamente maior do que a vontade de condenar. É
esse Deus “próximo”, cheio de amor, que quer vir ao nosso encontro e
partilhar a nossa vida que temos de encontrar: só será possível rezar,
se antes tivermos descoberto este “rosto” de Deus.
¨ A
“oração” de Abraão é paradigmática da “oração” do crente: é um diálogo
com Deus – um diálogo humilde, reverente, respeitoso, mas também cheio
de confiança, de ousadia e de esperança. Não é uma repetição de palavras
ocas, gravadas e repetidas por um gravador ou um papagaio, mas um
diálogo espontâneo e sincero, no qual o crente se expõe e coloca diante
de Deus tudo aquilo que lhe enche o coração. A minha oração é este
diálogo espontâneo, vivo, confiante com Deus, ou é uma repetição
fastidiosa de fórmulas feitas, mastigadas à pressa e sem significado?
SALMO RESPONSORIAL – Salmo 137 (138)
Refrão: Quando Vos invoco, sempre me atendeis, Senhor.
De todo o coração, Senhor, eu Vos dou graças,
porque ouvistes as palavras da minha boca.
Na presença dos Anjos hei-de cantar-Vos
e adorar-Vos, voltando para o vosso templo santo.
Hei-de louvar o vosso nome pela vossa bondade e fidelidade,
porque exaltastes acima de tudo o vosso nome e a vossa promessa.
Quando Vos invoquei, me respondestes,
aumentastes a fortaleza da minha alma.
O Senhor é excelso e olha para o humilde,
ao soberbo conhece-o de longe.
No meio da tribulação Vós me conservais a vida,
Vós me ajudais contra os meus inimigos.
A vossa mão direita me salvará,
o Senhor completará o que em meu auxílio começou.
Senhor, a vossa bondade é eterna,
não abandoneis a obra das vossas mãos.
LEITURA II – Col 2,12-14
Leitura da Epístola do apóstolo São Paulo aos Colossenses
Irmãos: Sepultados com Cristo no baptismo, também com Ele fostes ressuscitados pela fé que tivestes no poder de Deus que O ressuscitou dos mortos.
Quando estáveis mortos nos vossos pecados e na incircuncisão da vossa carne, Deus fez que voltásseis à vida com Cristo e perdoou-nos todas as nossas faltas.
Anulou o documento da nossa dívida, com as suas disposições contra nós; suprimiu-o, cravando-o na cruz.
AMBIENTE
Pela terceira semana consecutiva,
temos como segunda leitura um trecho dessa Carta aos Colossenses em que
Paulo defende a absoluta suficiência de Cristo para a salvação do homem.
O texto que hoje nos é proposto
integra uma perícopa em que Paulo polemiza contra os “falsos doutores”
que confundiam os cristãos de Colossos com exigências acerca de anjos,
de ritos e de práticas ascéticas (cf. Col 2,4-3,4). Depois de exortar os
Colossenses à firmeza na fé frente aos erros dos “falsos doutores” (cf.
Col 2,4-8), Paulo afirma que Cristo basta, pois é n’Ele que reside a
plenitude da divindade; Ele é a cabeça de todo o principado e potestade e
foi Ele que nos redimiu com a sua morte (cf. Col 2,9-15).
MENSAGEM
A questão fundamental é, neste texto
breve, a afirmação da supremacia de Cristo e da sua suficiência na
salvação do crente. Pelo Baptismo, o crente aderiu a Cristo e
identificou-se com Cristo; a vida de Cristo passou a circular nele: por
isso, o crente – revivificado por Cristo – morreu para o pecado e nasceu
para a vida nova do Homem Novo. Em Cristo encontramos, portanto, a vida
em plenitude, sem que seja necessário recorrer a mais nada (poderes
angélicos, ritos, práticas) para ter acesso à salvação.
Para representar, de forma mais
explícita, o que significa este “morrer” e “ressuscitar”, Paulo
refere-se a um “documento de dívida” que a morte de Cristo teria
“anulado”. Este “documento” em que se reconhece a nossa dívida para com
Deus pode designar aqui, quer a Lei de Moisés (com as suas leis,
exigências, prescrições, impossíveis de cumprir na totalidade e
constituindo, portanto, um documento de acusação contra as falhas dos
homens), quer o “registro” onde, de acordo com as tradições judaicas da
época, Deus inscreve as contas da humanidade (cf. Sal 139,16). De uma
forma ou de outra, não interessa acentuar demasiado esta imagem do
“documento de dívida”: ela é, apenas, uma linguagem, utilizada para
significar que Cristo anulou os nossos débitos (no sentido em que o
nosso egoísmo e o nosso pecado morreram, no instante em que Ele nos
libertou); e, através de Cristo, começou para nós uma vida nova, liberta
de tudo o que nos oprime, nos escraviza, nos rouba a felicidade, nos
impede o acesso à vida plena.
ATUALIZAÇÃO
Para a reflexão e atualização da Palavra, considerar os seguintes elementos:
¨ Mais
uma vez, a Palavra de Deus afirma a absoluta centralidade de Cristo na
nossa experiência cristã. É por Ele – e apenas por Ele – que o nosso
pecado e o nosso egoísmo são saneados e que temos acesso à salvação –
quer dizer, à vida nova do Homem Novo. É nisto que reside o fundamental
da nossa fé e é à volta de Cristo (da sua vida feita doação, entrega,
amor até à morte) que se deve centralizar a nossa existência de
cristãos. Ao denunciar a atitude dos Colossenses (mais preocupados com
os poderes dos anjos e com certas práticas e ritos do que com Cristo),
Paulo adverte-nos para não nos deixarmos afastar do essencial por
aspectos secundários. O critério fundamental, no que diz respeito à
vivência da nossa fé, deve ser este: tudo o que contribui para nos levar
até Cristo é bom; tudo o que nos distrai de Cristo é dispensável.
¨ É
necessário ter consciência de que o Batismo, identificando-nos com
Jesus, constitui um ponto de partida para uma vida vivida ao jeito de
Jesus, na doação, no serviço, na entrega da vida por amor. É este
“caminho” que temos vindo a percorrer? A minha vida caminha,
decisivamente, em direção ao Homem Novo, ou mantém-me fossilizado no
homem velho do egoísmo, do orgulho e do pecado?
ALELUIA – Rom 8,15bc
Aleluia. Aleluia.
Recebestes o espírito de adopção filial;
nele clamamos: «Abba, ó Pai».
EVANGELHO – Lc 11,1-13
Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Lucas
Naquele tempo, Estava Jesus em oração em certo lugar.
Ao terminar, disse-Lhe um dos discípulos: «Senhor, ensina-nos a orar, como João Baptista ensinou também os seus discípulos».
Disse-lhes Jesus: «Quando orardes, dizei: ‘Pai, santificado seja o vosso nome; venha o vosso reino; dai-nos em cada dia o pão da nossa subsistência; perdoai-nos os nossos pecados, porque também nós perdoamos a todo aquele que nos ofende;
e não nos deixeis cair em tentação’».
Disse-lhes ainda: «Se algum de vós tiver um amigo, poderá ter de ir a sua casa à meia-noite, para lhe dizer: ‘Amigo, empresta-me três pães, porque chegou de viagem um dos meus amigos e não tenho nada para lhe dar’.
Ele poderá responder lá de dentro: ‘Não me incomodes; a porta está fechada, eu e os meus filhos estamos deitados e não posso levantar-me para te dar os pães’.
Eu vos digo:Se ele não se levantar por ser amigo, ao menos, por causa da sua insistência, levantar-se-á para lhe dar tudo aquilo de que precisa.
Também vos digo:Pedi e dar-se-vos-á;procurai e encontrareis;
batei à porta e abrir-se-vos-á.
Porque quem pede recebe; Quem procura encontra
e a quem bate à porta, abrir-se-á.
Se um de vós for pai e um filho lhe pedir peixe,em vez de peixe dar-lhe-á uma serpente?
E se lhe pedir um ovo, dar-lhe-á um escorpião?
Se vós, que sois maus, sabeis dar coisas boas aos vossos filhos,
quanto mais o Pai do Céu dará o Espírito Santo àqueles que Lho pedem!».
AMBIENTE
Continuamos, ainda, nesse “caminho
de Jerusalém” – quer dizer, a percorrer esse caminho espiritual que
prepara os discípulos para se assumirem, plenamente, como testemunhas do
Reino. A catequese que, neste contexto, Jesus apresenta aos discípulos
é, hoje, sobre a forma de dialogar com Deus.
Lucas é o evangelista da oração de
Jesus. Ele refere a oração de Jesus no Batismo (cf. Lc 3,21), antes da
eleição dos Doze (cf. Lc 6,12), antes do primeiro anúncio da paixão (cf.
Lc 9,18), no contexto da transfiguração (cf. Lc 9,28-29), após o
regresso dos discípulos da missão (cf. Lc 10,21), na última ceia (cf. Lc
22,32), no Getsemani (cf. Lc 22,40-46), na cruz (cf. Lc 23,34.46). Em
geral, a oração é o espaço de encontro de Jesus com o Pai, o momento do
discernimento do projeto do Pai.
O texto que hoje nos é proposto
apresenta-nos Jesus a orar ao Pai e a ensinar aos discípulos como orar
ao Pai. Não se trata tanto de ensinar uma fórmula fixa, que os
discípulos devem repetir de memória, mas mais de propor um “modelo”. De
resto, o “Pai nosso” conservado por Lucas é um tanto diferente do “Pai
nosso” conservado por Mateus (cf. Mt 6,9-13) – o que pode explicar-se
por tradições litúrgicas distintas. A versão de Mateus condiz com um
meio judeo-cristão, enquanto que a de Lucas – mais breve e com menos
embelezamentos litúrgicos – está mais próxima (provavelmente) da oração
original. Nenhuma destas versões pretende, na realidade, reproduzir
literalmente as palavras de Jesus, mas mostrar às comunidades cristãs
qual a atitude que se deve assumir no diálogo com Deus.
MENSAGEM
Como é que os discípulos devem,
então, rezar? Lucas refere-se a dois aspectos que devem ser considerados
no diálogo com Deus. O primeiro diz respeito à “forma”: deve ser um
diálogo de um filho com o Pai; o segundo diz respeito ao “assunto”: o
diálogo incidirá na realização do plano do Pai, no advento do mundo
novo.
Tratar Deus como “Pai” não é
novidade nenhuma. No Antigo Testamento, Deus é “como um pai” que
manifesta amor e solicitude pelo seu Povo (cf. Os 11,1-9). No entanto,
na boca de Jesus, a palavra “Pai” referida a Deus não é usada em sentido
simbólico, mas em sentido real: para Jesus, Deus não é “como um pai”,
mas é “o Pai”.
A própria linguagem com que Jesus Se
dirige a Deus mostra isto: a expressão “Pai” usada por Jesus traduz o
original aramaico “abba” (cf. Mc 14,36), tomada da maneira comum e
familiar como as crianças chamavam o seu “papá”. Ao referir-se a Deus
desta forma, Jesus manifesta a intimidade, o amor, a comunhão de vida,
que o ligam a Deus.
No entanto, o aspecto mais
surpreendente reside no facto de Jesus ter aconselhado os seus
discípulos a tratarem a Deus da mesma forma, admitindo-os à comunhão que
existe entre Ele e Deus. Porque é que os discípulos podem chamar “Pai” a
Deus? Porque, ao identificarem-se com Jesus e ao acolherem as propostas
de Jesus, eles estabelecem uma relação íntima com Deus (a mesma relação
de comunhão, de intimidade, de familiaridade que unem Jesus e o Pai).
Tornam-se, portanto, “filhos de Deus”.
Sentir-se “filho” desse Deus que é
“Pai” significa outra coisa: implica reconhecer a fraternidade que nos
liga a uma imensa família de irmãos. Dizer a Deus “Pai” implica sair do
individualismo que aliena, superar as divisões e destruir as barreiras
que impedem de amar e de ser solidários com os irmãos, filhos do mesmo
“Pai”.
Desta forma, Cristo convida os
discípulos a assumirem, na sua relação e no seu diálogo com Deus, a
mesma atitude de Jesus: a atitude de uma criança que, com simplicidade,
se entrega confiadamente nas mãos do pai, acolhe naturalmente a sua
ternura e o seu amor e aceita a proposta de intimidade e de comunhão que
essa relação pai/filho implica; convida, também, os discípulos a
assumirem-se como irmãos e a formarem uma verdadeira família, unida à
volta do amor e do cuidado do “Pai”.
Definida a “atitude”, falta definir o
“assunto” ou o “tema” da oração. Na perspectiva de Jesus, o diálogo do
crente com Deus deve, sobretudo, abordar o tema do advento do Reino, do
nascimento desse mundo novo que Deus nos quer oferecer. A referência à
“santificação do nome” expressa o desejo de que Deus se manifeste como
salvador aos olhos de todos os povos e o reconhecimento por parte dos
homens, da justiça e da bondade do projecto de Deus para o mundo; a
referência à “vinda do Reino” expressa o desejo de que esse mundo novo
que Jesus veio propor se torne uma realidade definitivamente presente na
vida dos homens; a referência ao “pão de cada dia” expressa o desejo de
que Deus não cesse de nos alimentar com a sua vida (na forma do pão
material e na forma do pão espiritual); a referência ao “perdão dos
pecados” pede que a misericórdia de Deus não cesse de derramar-se sobre
as nossas infidelidades e que, a partir de nós, ela atinja também os
outros irmãos que falharam; a referência à “tentação” pede que Deus não
nos deixe seduzir pelo apelo das felicidades ilusórias, mas que nos
ajude a caminhar ao encontro da felicidade duradoura, da vida plena…
Duas parábolas finais completam o
quadro. O acento da primeira (vers. 5-8) não deve ser posto tanto na
insistência do “amigo importuno”, mas mais na acção do amigo que
satisfaz o pedido; o que Jesus pretende dizer é: se os homens são
capazes de escutar o apelo de um amigo importuno, ainda mais Deus
atenderá gratuitamente aqueles que se Lhe dirigem. A segunda parábola
(vers. 9-13) convida à confiança em Deus: Ele conhece-nos bem e sabe do
que necessitamos; em todas as circunstâncias Ele derramará sobre nós o
Espírito, que nos permitirá enfrentar todas as situações da vida com a
força de Deus.
ATUALIZAÇÃO
Considerar, na reflexão, os seguintes desenvolvimentos:
¨ O
Evangelho de Lucas sublinha o espaço significativo que Jesus dava, na
sua vida, ao diálogo com o Pai – nomeadamente, antes de certos momentos
determinantes, nos quais se tornava particularmente importante o
cumprimento do projeto do Pai. Na minha vida, encontro espaço para esse
diálogo com o Pai? Na oração, procuro “sentir o pulso” de Deus a
propósito dos acontecimentos com que me deparo, de forma a conhecer o
seu projecto para mim, para a Igreja e para o mundo?
¨ A
forma como Jesus Se dirige a Deus mostra a existência de uma relação de
intimidade, de amor, de confiança, de comunhão entre Ele e o Pai (de
tal forma que Jesus chama a Deus “papá”); e Ele convida os seus
discípulos a assumirem uma atitude semelhante quando se dirigem a Deus… É
essa a atitude que eu assumo na minha relação com Deus? Ele é o “papá” a
quem amo, a quem confio, a quem recorro, com quem partilho a vida, ou é
o Deus distante, inacessível, indiferente?
¨ A
minha oração é uma oração egoísta, de “pedinchice” ou é, antes de mais,
um encontro, um diálogo, no qual me esforço para escutar Deus, por
estar em comunhão com Ele, por perceber os seus projetos e acolhê-los?
¨ A
minha oração é uma “negociata” entre dois parceiros comerciais (“dou-te
isto, se me deres aquilo”) ou é um encontro com um amigo de quem
preciso, a quem amo e com quem partilho as preocupações, os sonhos e as
esperanças?
Dehonianos
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