domingo, 16 de agosto de 2015

ASSUNÇÃO DE NOSSA SENHORA. SOLENIDADE.

 
Neste terceiro domingo do mês de agosto, em que celebramos a Assunção de Nossa Senhora ao céu, celebramos também a vocação à vida religiosa. Pessoas chamadas por Deus para formar uma comunidade de fé, seguindo os princípios do evangelho e o carisma de um(a) fundador(a). As leituras de hoje iluminam o papel de Maria na história da salvação e o dogma de fé na assunção de Maria. Qual o significado da assunção para os cristãos católicos? Por que a Igreja transformou em dogma de fé a tradição popular e apócrifa sobre a assunção de Maria?
É nos evangelhos apócrifos que encontramos a tradição sobre a assunção de Maria. Três anos antes de morrer, ela recebeu de Jesus o anúncio de sua morte, no monte das Oliveiras. Em sua casa, em Jerusalém, ela dormiu – daí, a tradição da Dormição de Maria. Jesus veio ao seu encontro nesse momento. Ele pede aos apóstolos que preparem o corpo e o levem até um lugar indicado por ele, no vale de Josafá. Quando ali chegam, eles depositam o corpo de Maria e se sentam à porta do sepulcro. Jesus aparece rodeado de anjos, saúda-os com o desejo de paz, reafirma a escolha de Maria para que dela ele pudesse nascer e pede aos anjos que levem a sua alma para o céu. Jesus ressuscita o seu corpo. Quando o corpo chega ao céu, Jesus coloca a alma novamente no corpo glorioso e a coroa como rainha do céu (cf. a tradição apócrifa sobre Maria, agrupada com base em 15 evangelhos apócrifos, em nosso livro História de Maria, mãe e apóstola de seu Filho, nos evangelhos apócrifos - 2006b).
A Dormição de Maria nasce da fé em que Maria não morreu, mas dormiu. E, por ter sido levada ao céu, assunta, nasceu a terminologia Assunção, usada a partir do século VIII. Essa festa começou a ser celebrada liturgicamente na Igreja do Oriente, no século VI, isto é, entre os anos 600 e 700, propriamente no dia 15 de agosto, a mando do imperador Maurício. A Roma, a festa chegou no século VII.
O dogma da Assunção de Maria, diferentemente da maioria dos dogmas da Igreja Católica, foi proclamado recentemente, em 1950, pelo papa Pio XII, com a bula Munificentíssimo Deus. O texto diz o seguinte: “Definimos ser dogma divinamente revelado: que a imaculada mãe de Deus, sempre virgem Maria, cumprindo o curso de sua vida terrena, foi assunta em corpo e alma à glória celestial”.
Mesmo que não esteja dito expressamente no dogma, a Assunção de Maria é o mais apócrifo dos dogmas. Para a fé, acreditar que Maria foi assunta ao céu de corpo e alma significa crer, como afirma Afonso Murad, que “Maria não precisou esperar o fim dos tempos para receber um corpo glorificado. Depois de sua vida terrena, ela já está junto de Deus com o corpo transformado, cheio de graça e de luz. Deus antecipou nela o que vai dar a todas as pessoas de bem, no final dos tempos” (cf. citado por Faria, 2006b, p.181).
1ª leitura (Ap. 11,19a; 12,1.3-6a.10ab)
A mulher vestida com o sol.
Escrito por volta do ano 95 da nossa era, o livro do Apocalipse não tem nada a ver como “fim dos tempos”, visto de modo trágico e terrível, mas, sim, com a “esperança” dita de forma figurada, velada. A perseguição romana era grande. Imagine que à época desse texto, Nero, o imperador romano, mandava queimar cristãos para iluminar as noites romanas. Os cristãos não tinham outro caminho que não fosse dizer e celebrar de forma velada e figurada a esperança que os animava na caminhada. A mulher que aparece vestida com o sol (Deus) representa a nova Eva, a Igreja e também Maria, que deu à luz Jesus, o novo Moisés e libertador do novo povo de cristãos, simbolizado pela coroa de 12 estrelas sobre a sua cabeça. O dragão é a “antiga serpente” que cresceu até tornar-se um imenso dragão, isto é, o império romano que oprimia os seguidores de Jesus. O dragão é também a famosa besta do Apocalipse (Ap. 13), cunhada com o número 666, que provém da soma das letras hebraicas de César e Nero, simbolizando, portanto, tais imperadores; a força do mal. O dragão quis devorar o filho da mulher, o que simboliza a opressão vivida pelos cristãos. A mulher foge para o deserto, lugar de refúgio e da presença de Deus. Uma mulher, Maria, na memória e na resistência dos cristãos, é sinal de libertação. O fraco se tornava forte. Era nisso que as comunidades precisavam acreditar. Jesus e Maria estavam presentes na vida deles, encorajando-os a vencer as forças do mal, o dragão.
Evangelho (Lc. 1,39-56)
Naqueles dias, 39Maria partiu para a região montanhosa, dirigindo-se, apressadamente, a uma cidade da Judeia. 40Entrou na casa de Zacarias e cumprimentou Isabel. 41Quando Isabel ouviu a saudação de Maria, a criança pulou no seu ventre e Isabel ficou cheia do Espírito Santo. 42Com um grande grito, exclamou: “Bendita és tu entre as mulheres e bendito é o fruto do teu ventre! 43Como posso merecer que a mãe do meu Senhor me venha visitar? 44Logo que a tua saudação chegou aos meus ouvidos, a criança pulou de alegria no meu ventre. 45Bem-aventurada aquela que acreditou, porque será cumprido o que o Senhor lhe prometeu”.
46Então Maria disse: “A minha alma engrandece o Senhor, 47e o meu espírito se alegra em Deus, meu Salvador, 48porque olhou para a humildade de sua serva. Doravante todas as gerações me chamarão bem-aventurada, 49porque o Todo-poderoso fez grandes coisas em meu favor. O seu nome é santo, 50e sua misericórdia se estende, de geração em geração, a todos os que o respeitam. 51Ele mostrou a força de seu braço: dispersou os soberbos de coração. 52Derrubou do trono os poderosos e elevou os humildes. 53Encheu de bens os famintos, e despediu os ricos de mãos vazias. 54Socorreu Israel, seu servo, lembrando-se de sua misericórdia, 55conforme prometera aos nossos pais, em favor de Abraão e de sua descendência, para sempre”. 56Maria ficou três meses com Isabel; depois voltou para casa.
 
Maria: símbolo da ação libertadora de Deus
Celebrando, hoje, a Assunção de Maria, nada melhor que recordar o famoso canto do Magnificat, atribuído a Maria, e entoado no momento em que ela se encontra com a prima Isabel, nas montanhas de Ein Karen, nome que significa “fonte da vinha”, e que hoje é um bairro judeu de Jerusalém. Já não existem cristãos nessa região que um dia foi berço do cristianismo. Encravado nas montanhas, esse lugarejo preserva a memória de João Batista, o precursor do Messias. Perto da casa de João Batista, no alto de uma montanha, está a memória do encontro de Isabel com Maria, que viera de Nazaré para visitar a prima. Os evangelhos narram que Isabel aclamou Maria como bem-aventurada por ser ela a escolhida para ser a mãe do Messias. Nesse contexto, Maria entoa o cântico do Magnificat, obra literária de rara beleza teológica (Faria, 2010c, p. 74-75).
Duas mulheres se encontram. Uma (Isabel) louva a grandeza da outra (Maria) – que se vê pequena diante do grande mistério que toma conta de sua vida. O cântico pode ser dividido em duas partes: a) Maria, que se vê como a serva bem-aventurada; b) dois grupos, os orgulhosos e ricos e os que temem a Deus. Os fatos se desenrolam em duas ações: a) como o povo de Deus, Maria é sua serva; b) Deus, o poderoso, derruba os poderosos e ricos de seus tronos. Maria torna-se o símbolo da ação libertadora de Deus no Egito. Séculos mais tarde, depois da morte e ressurreição de Jesus, a comunidade reivindicou da Igreja o reconhecimento do papel de Maria como Nossa Senhora e Rainha poderosa. Dessa intuição nasceram literaturas apócrifas, segundo as quais, à sua chegada ao céu, foi coroada rainha por Jesus. A tradição popular perpetuou essa devoção com as celebrações marianas no mês de maio.
2ª leitura (1Cor. 15,20-27a)
Deus venceu a morte
Paulo, escrevendo aos coríntios, faz uma bela teologia da vitória da vida sobre a morte. Membros da comunidade de Corinto não acreditavam na ressurreição dos mortos (15,12). Ainda hoje muitos se perguntam: como o nosso corpo há de ressuscitar? Isso é possível? Paulo fala de um corpo espiritual, tal como o Cristo ressuscitado.
Mais do que aprofundar, neste momento homilético, o grande significado da ressurreição para o cristão, vale ligar a leitura à festa da assunção de Maria. Como dissemos anteriormente, o grande mérito da tradição popular em relação à Assunção de Maria, transformada em dogma pela Igreja, foi demonstrar pela fé que Maria foi a primeira dos mortais que encontrou a ressurreição do corpo, levado para o céu pelo seu próprio Filho e nosso salvador, Jesus Cristo.
 
 
 
frei Jacir de Freitas Faria, ofm

Nenhum comentário: