segunda-feira, 18 de março de 2024

5ª Semana da Quaresma - O pecado da presunção.

 O pecado não deixou de ser pecado

Tende pena e compaixão de mim, ó Deus, pois há tantos que me calcam sob os pés, e agressores me oprimem todo dia! (Sl 55,2)

O amor misericordioso de Jesus levou a mulher adúltera a se converter, com a possibilidade de começar vida nova. Neste caminho quaresmal, peçamos a graça de sermos mais misericordiosos com todos e de renunciar a toda comunicação distorcida e maldosa, que desrespeita a dignidade dos nossos irmãos e irmãs.

Primeira Leitura: Daniel 13,1-9.15-17.19-30.33-62 ou 41-62

[A forma breve está entre colchetes.]

Leitura da profecia de Daniel[Naqueles dias,] 1na Babilônia vivia um homem chamado Joaquim. 2Estava casado com uma mulher chamada Susana, filha de Helcias, que era muito bonita e temente a Deus. 3Também os pais dela eram pessoas justas e tinham educado a filha de acordo com a Lei de Moisés. 4Joaquim era muito rico e possuía um pomar junto à sua casa. Muitos judeus costumavam visitá-lo, pois era o mais respeitado de todos. 5Ora, naquele ano, tinham sido nomeados juízes dois anciãos do povo, a respeito dos quais o Senhor havia dito: “Da Babilônia brotou a maldade de anciãos-juízes, que passavam por condutores do povo”. 6Eles frequentavam a casa de Joaquim, e todos os que tinham alguma questão se dirigiam a eles. 7Ora, pelo meio-dia, quando o povo se dispersava, Susana costumava entrar e passear no pomar de seu marido. 8Os dois anciãos viam-na todos os dias entrar e passear e acabaram por se apaixonar por ela. 9Ficaram desnorteados, a ponto de desviarem os olhos para não olharem para o céu, e se esqueceram dos seus justos julgamentos. 15Assim, enquanto os dois estavam à espera de uma ocasião favorável, certo dia, Susana entrou no pomar como de costume, acompanhada apenas por duas empregadas. E sentiu vontade de tomar banho, por causa do calor. 16Não havia ali ninguém, exceto os dois velhos, que estavam escondidos e a espreitavam. 17Então ela disse às empregadas: “Por favor, ide buscar-me óleo e perfumes e trancai as portas do pomar, para que eu possa tomar banho”. 19Apenas as empregadas tinham saído, os dois velhos levantaram-se e correram para Susana, dizendo: 20“Olha, as portas do pomar estão trancadas e ninguém nos está vendo. Estamos apaixonados por ti: concorda conosco e entrega-te a nós! 21Caso contrário, deporemos contra ti que um moço esteve aqui e que foi por isso que mandaste embora as empregadas”. 22Gemeu Susana, dizendo: “Estou cercada de todos os lados! Se eu fizer isso, espera-me a morte; e, se não o fizer, também não escaparei das vossas mãos; 23mas é melhor para mim, não o fazendo, cair nas vossas mãos do que pecar diante do Senhor!” 24Então, ela pôs-se a gritar em alta voz, mas também os dois velhos gritaram contra ela. 25Um deles correu para as portas do pomar e as abriu. 26As pessoas da casa ouviram a gritaria no pomar e precipitaram-se pela porta do fundo, para ver o que estava acontecendo. 27Quando os velhos apresentaram sua versão dos fatos, os empregados ficaram muito constrangidos, porque jamais se dissera coisa semelhante a respeito de Susana. 28No dia seguinte, o povo veio reunir-se em casa de Joaquim, seu marido. Os dois anciãos vieram também, com a intenção criminosa de conseguir sua condenação à morte. Por isso, assim falaram ao povo reunido: 29“Mandai chamar Susana, filha de Helcias, mulher de Joaquim!” E foram chamá-la. 30Ela compareceu em companhia dos pais, dos filhos e de todos os seus parentes. 33Os que estavam com ela e todos os que a viam, choravam. 34Os dois velhos levantaram-se no meio do povo e puseram as mãos sobre a cabeça de Susana. 35Ela, entre lágrimas, olhou para o céu, pois seu coração tinha confiança no Senhor. 36Entretanto, os dois anciãos deram este depoimento: “Enquanto estávamos passeando a sós no pomar, esta mulher entrou com duas empregadas. Depois, fechou as portas do pomar e mandou as servas embora. 37Então, veio ter com ela um moço, que estava escondido, e com ela se deitou. 38Nós, que estávamos num canto do pomar, vimos essa infâmia. Corremos para eles e os surpreendemos juntos. 39Quanto ao jovem, não conseguimos agarrá-lo, porque era mais forte do que nós e, abrindo as portas, fugiu. 40A ela, porém, agarramos e perguntamos quem era aquele moço. Ela, porém, não quis dizer. Disso nós somos testemunhas”. [41A assembleia acreditou neles, pois eram anciãos do povo e juízes. E condenaram Susana à morte. 42Susana, porém, chorando, disse em voz alta: “Ó Deus eterno, que conheces as coisas escondidas e sabes tudo de antemão, antes que aconteça! 43Tu sabes que é falso o testemunho que levantaram contra mim! Estou condenada a morrer, quando nada fiz do que estes maldosamente inventaram a meu respeito!” 44O Senhor escutou sua voz. 45Enquanto a levavam para a execução, Deus excitou o santo espírito de um adolescente de nome Daniel. 46E ele clamou em alta voz: “Sou inocente do sangue dessa mulher!” 47Todo o povo, então, voltou-se para ele e perguntou: “Que palavra é essa que acabas de dizer?” 48De pé, no meio deles, Daniel respondeu: “Sois tão insensatos, filhos de Israel? Sem julgamento e sem conhecimento da causa verdadeira, vós condenais uma filha de Israel? 49Voltai a repetir o julgamento, pois é falso o testemunho que levantaram contra ela!” 50Todo o povo voltou apressadamente, e outros anciãos disseram ao jovem: “Senta-te no meio de nós e dá-nos o teu parecer, pois Deus te deu a honra da velhice”. 51Falou então Daniel: “Mantende os dois separados, longe um do outro, e eu os julgarei”. 52Tendo sido separados, Daniel chamou um deles e lhe disse: “Velho encarquilhado no mal! Agora aparecem os pecados que estavas habituado a praticar. 53Fazias julgamentos injustos, condenando inocentes e absolvendo culpados, quando o Senhor ordena: ‘Tu não farás morrer o inocente e o justo!’ 54Pois bem, se é que viste, dize-me à sombra de que árvore os viste abraçados?” Ele respondeu: “À sombra de uma aroeira”. 55Daniel replicou: “Mentiste com perfeição contra a tua própria cabeça. Por isso o anjo de Deus, tendo recebido já a sentença divina, vai rachar-te pelo meio!” 56Mandando sair este, ordenou que trouxessem o outro: “Raça de Canaã e não de Judá, a beleza fascinou-te e a paixão perverteu o teu coração. 57Era assim que procedíeis com as filhas de Israel, e elas, por medo, sujeitavam-se a vós. Mas uma filha de Judá não se submeteu a essa iniquidade. 58Agora, pois, dize-me debaixo de que árvore os surpreendeste juntos?” Ele respondeu: “Debaixo de uma azinheira”. 59Daniel retrucou: “Também tu mentiste com perfeição contra a tua própria cabeça. Por isso o anjo de Deus já está à espera, com a espada na mão, para cortar-te ao meio e para te exterminar!” 60Toda a assistência pôs-se a gritar com força, bendizendo a Deus, que salva os que nele esperam. 61E voltaram-se contra os dois velhos, pois Daniel os tinha convencido, por suas próprias palavras, de que eram falsas testemunhas. E, agindo segundo a Lei de Moisés, fizeram com eles aquilo que haviam tramado perversamente contra o próximo. 62E assim os mataram, enquanto, naquele dia, era salva uma vida inocente.]Palavra do Senhor.

Salmo Responsorial: 22(23)

Mesmo que eu passe pelo vale tenebroso, / nenhum mal eu temerei, estais comigo.

1. O Senhor é o pastor que me conduz; / não me falta coisa alguma. / Pelos prados e campinas verdejantes, / ele me leva a descansar. / Para as águas repousantes me encaminha / e restaura as minhas forças. – R.

2. Ele me guia no caminho mais seguro, / pela honra do seu nome. / Mesmo que eu passe pelo vale tenebroso, / nenhum mal eu temerei. / Estais comigo com bastão e com cajado, / eles me dão a segurança! – R.

3. Preparais à minha frente uma mesa, / bem à vista do inimigo; / com óleo vós ungis minha cabeça, / e o meu cálice transborda. – R.

4. Felicidade e todo bem hão de seguir-me / por toda a minha vida; / e na casa do Senhor habitarei / pelos tempos infinitos. – R.

Evangelho: João 8,1-11

Glória a vós, Senhor Jesus, / primogênito dentre os mortos!

Não quero a morte do pecador, diz o Senhor, / mas que ele volte, se converta e tenha vida (Ez 33,11). – R.

Proclamação do Evangelho de Jesus Cristo segundo João – Naquele tempo, 1Jesus foi para o monte das Oliveiras. 2De madrugada, voltou de novo ao templo. Todo o povo se reuniu em volta dele. Sentando-se, começou a ensiná-los. 3Entretanto, os mestres da Lei e os fariseus trouxeram uma mulher surpreendida em adultério. Colocando-a no meio deles, 4disseram a Jesus: “Mestre, esta mulher foi surpreendida em flagrante adultério. 5Moisés na Lei mandou apedrejar tais mulheres. Que dizes tu?” 6Perguntavam isso para experimentar Jesus e para terem motivo de o acusar. Mas Jesus, inclinando-se, começou a escrever com o dedo no chão. 7Como persistissem em interrogá-lo, Jesus ergueu-se e disse: “Quem dentre vós não tiver pecado seja o primeiro a atirar-lhe uma pedra”. 8E, tornando a inclinar-se, continuou a escrever no chão. 9E eles, ouvindo o que Jesus falou, foram saindo um a um, a começar pelos mais velhos; e Jesus ficou sozinho com a mulher, que estava lá, no meio, em pé. 10Então Jesus se levantou e disse: “Mulher, onde estão eles? Ninguém te condenou?” 11Ela respondeu: “Ninguém, Senhor”. Então Jesus lhe disse: “Eu também não te condeno. Podes ir e, de agora em diante, não peques mais”. – Palavra da salvação.

Reflexão
 
Com o 5.º Domingo da Quaresma, iniciamos uma nova fase: o Tempo da Paixão. Tanto o 5.º Domingo da Quaresma como o Domingo de Ramos são “domingos da Paixão” e, segundo uma antiga tradição, é possível, embora não obrigatório, cobrir as imagens e crucifixos até que o crucifixo seja desvelado na Sexta-Feira Santa e as imagens, na Vigília Pascal. Entramos, pois, num tempo de ascese do olhar, em que nos voltamos mais para o coração, recolhidos para contemplar o amor com que Deus nos amou. O Evangelho de hoje, por sua vez, nos fala da mulher pega em flagrante adultério. Jesus está no Templo ensinando; de repente, a mulher é trazida por fariseus que querem apedrejá-la. Mas eles põem uma armadilha para Jesus: devemos ou não apedrejar essa mulher? Se Jesus disser que sim, será condenado pelos romanos porque, naquela época, os judeus não podiam executar a pena de morte; se Ele disser que não, os fariseus poderão dizer: “Ele se diz mestre em Israel, mas não segue a Lei de Moisés!” Diante disso, Jesus inverte o jogo, dizendo: “Quem não tiver pecado, que atire a primeira pedra”. Então todos começam a sair, a começar pelos mais velhos. Por quê? Porque Jesus os fez encontrar-se com a própria consciência, isto é, com o fato de que, por mais justos que fossem, todos dependemos da misericórdia de Deus: se, portanto, querem pedir a justiça divina contra aquela mulher, devem pedi-la também contra si mesmos. Então se desenrola aquela cena maravilhosa em que os fariseus vão embora e lá, no centro da aglomeração, permanecem somente Jesus e a mulher. S. Agostinho descreve a cena como o encontro da miséria e da misericórdia: Jesus é a misericórdia; a mulher, a miséria — é o momento do perdão dos pecados e da salvação. Jesus pergunta-lhe: “Ninguém te condenou?”, ao que ela responde: “Ninguém, Senhor”. “Também eu”, sentencia Cristo, “não te condeno. Vai e não peques mais”. Lembremos: as duas partes da frase são importantes! Há quem celebre esse Evangelho, dizendo: “Vejam só como Deus perdoa tudo! Não há por que se preocupar com o pecado”. Deus perdoa, sim, mas Jesus esclarece que é necessário não pecar mais. É importante precaver-se contra essa armadilha, muito usada pelo diabo, que distorce o sentido da misericórdia. S. Agostinho observa que, quando se está em graça, é preciso lembrar-se da justiça antes do pecado, isto é, lembrar que Deus condena ao inferno os que pecam. É isso o que nos vai deter e frear. Mas se, por desgraça alguém já caiu, então é preciso lembrar-se da misericórdia, isto é, ter confiança no perdão de Deus. Seria, no entanto, uma perversão começar a pensar na misericórdia antes do pecado, como quem, de caso pensado, por presunção, pecasse já esperando o perdão. A misericórdia, recorda S. Afonso, é salvação para os que pecaram contra a justiça; qual porém será a salvação para os que pecam contra a misericórdia?… Presumir da misericórdia divina é um pecado contra a própria misericórdia! Devemos abandonar esse vício mental, que é uma armadilha do diabo. O diabo inverte as coisas. Antes de pecar, deveríamos lembrar-nos da justiça. Mas o que faz o diabo? Lembra-nos da misericórdia: “Não, Deus vai-te perdoar, sim. Imagina! Vai em frente. Peca!” Depois do pecado, deveríamos lembrar-nos da misericórdia. Mas o que faz o diabo? Lembra-nos da justiça, para nos desesperarmos, abandonado o caminho da santidade. Coloquemos as coisas no lugar. É importante crer em Deus inteiro, não apenas em uma de suas qualidades. É preciso crer que Ele é misericordioso, mas também justo. Devemos ter sempre na memória essas qualidades: antes do pecado, a justiça; depois do pecado, a misericórdia, sem esquecer que a misericórdia só existe para quem que tem o propósito de não voltar a ofender a Deus. É o que Jesus diz à pecadora: “Vai e não peques mais”. Não podemos pedir a Deus misericórdia se já temos em mente, como projeto, os pecados futuros. Não podemos fazer do pecado um projeto de vida. Seria zombar do amor de Deus. Quem pediria perdão por uma ofensa, por exemplo, contra a própria mãe, agredida num momento de fúria, pensando em bater nela de novo? Seria loucura, seria absurdo! Nesse tempo em que meditamos sobre a Paixão de Cristo, refletimos sobre o amor com que Ele nos amou. Não pequemos mais de presunção, não pequemos contra a misericórdia, mas façamos o firme propósito, confiantes na sua misericórdia e dispostos a pedir perdão, de não voltar mais a pecar.

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