sábado, 1 de novembro de 2014

EU RECEBI O QUE VOS TRANSMITI.

Um dia, prestaremos contas a Deus do que fizemos com a mensagem que d’Ele mesmo recebemos.

Em qualquer tradição, a fidelidade à mensagem recebida é fundamental, seja em reverência àquele que anuncia a mensagem – e não quer vê-la distorcida ou modificada –, seja em respeito a quem ouve a palavra – e não quer, obviamente, ser enganado. Se não se procede assim, tudo se torna uma brincadeira de “telefone sem fio” e, no final, ao invés de comunicação, edifica-se uma torre de Babel, repleta de erros e confusão.
Ora, tudo isso é muito mais verdadeiro quando se trata da revelação de Deus, “o qual não pode enganar-se nem enganar” [1]. Alguém duvida da grande responsabilidade dos Apóstolos, que receberam de Cristo o encargo de “fazer discípulos entre todas as nações” e ensinar-lhes “a observar tudo o que vos tenho ordenado” [2], sabendo que de sua fidelidade dependia, por assim dizer, a eficácia da visita de Deus ao mundo? Qual também não é o tamanho da missão confiada a todos os cristãos, chamados a “ordenar segundo Deus as realidades temporais e impregnar o mundo com a força do Evangelho” [3]? Em nossas palavras e obras, ou deixamos transparecer o Deus verdadeiro ou exibimos um simulacro, moldado impiedosamente por nossas próprias mãos.
Por isso, hoje, mais do que nunca, as palavras do Apóstolo são importantes: “ Ego enim accepi a Domino quod et tradidi vobis – Eu recebi do Senhor o que também vos transmiti” [4]. O Papa Bento XVI comenta que, mesmo para São Paulo, “originariamente chamado por Cristo com uma vocação pessoal, (...) conta sobretudo a fidelidade a quanto recebeu. Ele não queria ‘inventar’ um novo cristianismo, por assim dizer ‘paulino’” [5], mas tão somente transmitir aquilo que ele mesmo tinha encontrado. É essa atitude que nos dá “a garantia de que cremos na mensagem originária de Cristo, transmitida pelos Apóstolos” [6].
Este ponto é particularmente importante: da integridade e autenticidade da mensagem passada depende a própria salvação eterna das almas, que encontram em perigo de perder-se por conta de mensageiros infiéis.
Foi com coragem que o Papa Paulo VI denunciou a cultura de morte na encíclica Humanae Vitae, enfrentando uma dura oposição do mundo e de prelados em conluio com o mundo. A sua resposta aos que pretendiam atenuar a doutrina moral da Igreja em favor de certa “abertura” era bem clara: “Não minimizar em nada a doutrina salutar de Cristo é forma de caridade eminente para com as almas” [7].
O santo Papa Pio X também enfrentou dificuldades quando decidiu combater com pulso firme a heresia modernista. Mesmo depois da encíclica Pascendi e da instituição do juramento antimodernista, grande foi a resistência das pessoas, às vezes dentro da própria Igreja.
Um fato significativo com relação a um padre, de nome João Semeria, merece nota. Esse sacerdote, “antes e depois da ‘Pascendi’, mantinha estreita relação com os mais insignes modernistas” e a sua obra “deixava entrever que no seu afecto ao modernismo talvez houvesse uma parte de convicção pessoal”. Conta-se que “Pio X censurou-o um dia, porque ‘tendo recebido tantos dons de Deus para fazer o bem, os empregava em escrever livros não conformes com os ensinamentos da Igreja’. Semeria respondeu que o fazia para pôr a religião ao alcance de todos. O Papa acrescentou: – Alargais as portas para que entrem os que estão de fora, mas entretanto obrigais a sair os que estão dentro” [8].
Não importa que o número de fiéis pareça pequeno, mas que se ensine a verdadeira fé e se evangelize com destemor. Sem proselitismo, pois não se pode trair a Nosso Senhor, trocando-o pelos aplausos do mundo ou por alguns trocados, como fez Judas. Não foi o próprio Cristo quem comparou o Reino dos céus a um “grão de mostarda” [9]?
Além disso, não só o Deus Todo-Poderoso não se engana e não engana a ninguém, como não pode ser enganado. Quando alguém escuta a palavra do Evangelho mas prefere modificá-la e adaptá-la aos seus próprios gostos antes de passá-la adiante, não só está enganando as pessoas, como tentando enganar o próprio Deus. E d’Ele – lembra São Paulo – não se zomba: nolite errare Deus non inridetur [10]. Um dia, todos prestaremos contas a Deus do que fizemos com a mensagem que d’Ele mesmo recebemos. 










Por Equipe Christo Nihil Praeponere

Referências

  1. Concílio Vaticano I, Constituição dogmática Dei Filius sobre a fé católica, 24 de abril de 1870:DS 3008
  2. Mt 27, 19.20
  3. Catecismo da Igreja Católica, 929
  4. 1 Cor 11, 23
  5. Audiência Geral, 3 de maio de 2006
  6. Papa Bento XVI, Audiência Geral, 31 de outubro de 2012
  7. Humanae Vitae, 29
  8. José Maria Javierre. Pio X. Editorial Aster: Lisboa, 1959, p. 299
  9. Cf. Mt 13, 31-32
  10. Gl 6, 7

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