domingo, 8 de setembro de 2013

XXIII DOMINGO DO TEMPO COMUM - JESUS EXIGE NOSSA RENÚNCIA!

 
Primeira leitura: Sabedoria 9,13-19
 
PRECE PARA OBTER A SABEDORIA E A PRUDÊNCIA
Este é, na ordem cronológica, o último livro do Antigo Testamento. Foi escrito em grego provavelmente na segunda metade do século II a.C. Seu autor é um judeu piedoso da Alexandria, capital cultural do helenismo e grande reduto dos judeus dispersos. Esta comunidade sentiu necessidade de inculturar a fé judaica, assimilando os valores positivos da cultura grega, sem abandonar o núcleo central da fé professada.
 O livro da Sabedoria é fruto deste desejo. Ele é atribuído a Salomão, mas não passa de um artifício, pois busca basear o repensamento da fé naquele que era considerado o protótipo da sabedoria, para que a busca dela fosse um estímulo e um encorajamento para a comunidade.
Quando este livro surgiu havia influências filosóficas e cosmopolitas do helenismo. Daí o desejo da comunidade hebraica da diáspora de conciliar as idéias tradicionais da Torá com as perspectivas do saber humano helenista. Conseguiria a comunidade judaica de Alexandria, vivendo num contexto de valores tão diferentes dos seus, longe das mediações religiosas que lhe eram próprias, manter-se fiel ao núcleo central da fé judaica? O texto nos expõe as dificuldades, critica o endeusamento da filosofia grega e aponta sua incapacidade de perscrutar o que existe no céu (vv.15-16). Era difícil discernir o projeto de Deus nesta situação tão diversificada.
O autor fala da dificuldade e incapacidade da filosofia de perscrutar as coisas do céu e afirma que a sabedoria que vem de Deus, e que é fundamentalmente a Lei, tem força para conhecer os desígnios de Deus e dar a salvação. Porém, o autor vai além da simples sabedoria identificada com a Lei de Moisés e fala do Espírito derramado nos corações e de uma nova Aliança já anunciada por Ezequiel 36,26-29 e Jeremias 31,31ss.
 
Todo o capítulo 9 deste livro se inspira em um texto do Antigo Testamento muito apreciado pela piedade judaica, ou seja, a oração que Salomão fez a Deus no início do seu reinado. Os hebreus liam esta oração em 1Reis 3, 6-9, onde se reconhece que a sabedoria é um dom de Deus, é a origem de toda a obra divina da criação e só ela pode guiar o homem para entender a vontade de Deus.
Salomão, que nasceu como um simples mortal (Sabedoria 7,1-6), foi enriquecido pela sabedoria porque a pediu a Deus (Sabedoria 7,7-12). Ele pede para conhecer tudo aquilo que é conforme aos mandamentos de Deus e cumpri-lo. O homem, com suas capacidades, não consegue conhecer o pensamento e a vontade de Deus e por isso cai na perdição, mas pode ser salvo se Deus lhe conceder sua sabedoria, ou seja, se lhe enviar o seu Espírito. A oração de Salomão, começando com duas perguntas retóricas, afirma que ninguém pode conhecer o desígnio de Deus (Isaías 40,12-14; Jeremias 23,18; Jó 15,8).
 
Segunda leitura: Filémon 1,9b-10.12-17
 
INTERCESSÃO DE PAULO EM FAVOR DE ONÉSIMO
Este trecho faz parte do livro mais curto do Novo Testamento. Filêmon foi convertido por Paulo em Colossos, onde morava e tinha sua casa como uma pequena igreja onde os fiéis se reuniam (v.2). Ele tinha um escravo chamado Onésimo, nome que significa útil. Este fugiu para Roma e ali se encontrou com Paulo. Dali Onésimo saiu convertido por Paulo. O apóstolo o mandou de volta para seu patrão com um bilhete, no qual explicitou as exigências cristãs. O bilhete é breve: tem apenas 25 versículos. Este escrito paulino não foi levado em consideração pelos antigos comentaristas. São Jerônimo chegou a afirmar que ele não tem nada que “aedificare possit”. Nos últimos tempos foi muito valorizado, porque mostra a força da libertação da escravidão.
 
O núcleo central do bilhete são os versículos 8-20. Neles Paulo pede a Filêmon que não apenas poupe Onésimo da punição, mas o receba não como um escravo, mas como um irmão caríssimo. No versículo 15, Paulo acena com muita delicadeza para a fuga de Onésimo: “Separou-se de você por um momento”. Parece que Paulo considerava aquela fuga um acontecimento que reverteu em um bem para todos. Assim, o apóstolo se comporta numa dimensão distante da sociologia e do direito da época, superando a estrutura social da escravidão. Aceitar Onésimo como irmão implicava que Filêmon fizesse refeições com ele, rezasse em comum e desse o beijo da fraternidade nas celebrações eucarísticas, ou seja, perdesse um escravo e ganhasse um irmão.
 
Evangelho: Lucas  14,25-33
 
RENUNCIAR A TUDO PARA SEGUIR JESUS
O trecho faz parte da grande viagem de Jesus a Jerusalém (Lucas 9,51-19,28), onde consumará a sua missão. É neste caminho que as pessoas vão se posicionando a favor de Jesus ou contra ele. O trecho mostra que para seguir Jesus é preciso sair do anonimato e comprometer-se com sua pessoa. É uma resposta ao afrouxamento de algumas comunidades cristãs, que julgavam que bastava pertencer à comunidade para estar comprometido com Jesus. Seguir Jesus exige disposição para as provações: “O Filho do homem não tem uma pedra para pousar a cabeça” (Lucas 9,57-58). É preciso estar disposto a deixar tudo (Lucas 9,59-60), fazer uma opção para sempre. “Quem coloca a mão no arado e olha para trás não é apto para o reino de Deus” (Lucas 9,62). Fazer uma opção por Deus: “Vocês não podem servir a Deus e ao dinheiro” (Lucas 16,13).
Nosso texto continua apresentando as exigências de seu seguimento. Deve-se romper os laços que ligam a certos interesses, por mais nobres que sejam.
Mateus 10,37 tem uma sentença semelhante à de Lucas, mas a expressa com uma linguagem menos áspera: “Quem amar o pai, a mãe, o filho ou a filha mais do que a mim não é digno de mim”. Lucas, ao invés, fala que quem não odiar “pai, mãe, mulher, filhos, irmãos, irmãs e por fim a própria vida não pode ser meu discípulo”. Odiar, no sentido semítico, significa amar menos. Com isso Jesus não pretende abolir o 4º mandamento, mas estabelecer uma hierarquia de valores, pondo o primado em sua pessoa.
 
Na segunda sentença, Jesus fala em “carregar a própria cruz”. Mateus 10,38 fala: “Quem não toma sua cruz e não me segue não é digno de mim”. Lucas 14,27, ao invés, diz: “Quem não carrega sua própria cruz e me segue não pode ser meu discípulo”. Carregar implica uma situação de padecimento muito maior que tomar.
Em seguida são narradas duas parábolas: a da torre a ser construída e a da guerra que pode terminar em derrota. Elas procuram prolongar a reflexão sobre a seriedade do seguimento de Cristo, pois segui-lo é fruto de uma decisão ponderada e coerente até o fim. Quem decide segui-lo deve ser realista como o arquiteto e prudente como o rei, evitar ilusões fáceis, acreditando que basta a boa vontade. Por outro lado, precisa ser suficientemente sábio e criativo para apostar tudo e enfrentar os riscos que esse compromisso comporta. Por isso, ser cristão comporta decisões e riscos que determinam toda a vida de quem fez esta opção.
 
REFLEXÃO
A sabedoria é um dom que vem de Deus. Ela pertence à esfera do amor, da gratuidade e da amizade. Por isso é preciso pedi-la, como fez Salomão.
Até pouco tempo a palavra “cristão” era usada como sinônimo de “pessoa humana”, com uma nuança de afeto e respeito. Dizia-se “comportar-se como cristão”, ou seja, corretamente. Esta palavra percorreu um longo caminho desde que foi cunhada em Antioquia, na Síria (Atos dos Apóstolos 11,16). No período das perseguições romanas, “christianus” era sinônimo de perseguição aos cristãos, e estes o exibiam como um titulo de glória muito alta. Quando as perseguições terminaram expandiu-se rapidamente, perdendo primeiro o sentido negativo e mais tarde também o positivo, quando se acreditava que todo mundo podia ser cristão.
 
Jesus nos pede para “carregar a cruz e ir atrás dele” no sentido de dizer não a tudo que pode tornar menor nossa liberdade. Como diz João Paulo II nas encíclicas “Vanitatis esplendor” e “Evangelium vitae”, nenhum mandamento “negativo” tem por objetivo a mortificação da vida. Ao contrário, cada proibição, cada “não” contido em um mandamento deve ser lido como um “sim”, como um passo autêntico em direção à própria realização.
Jesus nos adverte que para segui-lo é necessária uma decisão consciente. Ser cristão não é uma questão de nascimento, cultura ou ambiente, mas de opção. Hoje existem cristãos incoerentes que defendem o aborto, o divórcio, a exploração, a eutanásia, que não hesitam em poluir a biosfera, contanto que isso satisfaça as exigências do consumismo.
 
Muitos concílios regulamentaram a escravidão na Igreja, até que foi proibida por um decreto de Gregório XVI no ano 40 do século XIX. Porém muitos lutaram em defesa dos oprimidos, como os dominicanos São Domingos e Bartolomeu de Las Casas, o jesuíta Pedro Claver...
Não faltaram no século XVII muitos teóricos da escravidão, apresentando-a como um bem. Basta lembrar Malovet em “Mémoire sur l’esclavage des nègres e Linguet em Theories des lois civiles”. Eles sustentaram que antes do Colonialismo reinava na África o caos social, e com a chegada dos brancos o estilo de vida da população melhorou. Escreveram que seu traslado para a América foi um progresso.
 
Jesus nos ensina no Evangelho de hoje que quando se assume uma tarefa é preciso avaliar as possibilidades e os recursos disponíveis para levá-la adiante. Ser discípulo de Jesus é um grande empreendimento na vida. Para isso precisamos conhecer bem os meios que possuímos, como os bons empresários, que fazem com freqüência um balanço de seus negócios, examinando lucros e perdas, identificando as causas de um mau negócio.
Para isso é útil fazer no final do dia um balanço de nossas atividades e atitudes, um exame de consciência, não buscando uma visão superficial e rotineira, mas uma revisão igual à de um “bom banqueiro que computa todos os dias suas perdas e ganhos. Ele não pode fazer isso com detalhe se não registrar tudo num livro de contabilidade e assim um olhar a todas e a cada uma das anotações lhe mostra a situação de todo dia” (são João Clímaco).
 
Para construir a torre que Deus espera de nós, para travar a batalha contra o inimigo da alma, devemos ter consciência de nossos recursos, das ajudas de que precisamos, dos flancos que deixamos desguarnecidos à mercê do inimigo, dos defeitos que conhecemos e devemos corrigir, das inspirações que nos convidam a fazer o bem e servir o outro e que ficaram sem resposta, da mediocridade espiritual etc. Devemos estar prevenidos contra o demônio, que tentará nos fechar as portas da verdade para que não vejamos nossas fraquezas, encarando-as como detalhes de pouca importância, e assim caiamos nas malhas da apatia ou da tibieza.
 
Para sair desta situação nebulosa precisamos ter a coragem de perguntar: Onde está o meu coração? Quais são as razões que me levam a comportar-me assim? Em que coisas a minha mente e imaginação está habitualmente? Por isso, nosso exame de consciência diário deve ser um diálogo entre nossa alma e Deus e não uma simples reflexão sobre nosso comportamento durante o dia. Portanto, para fazê-lo são necessários recolhimento e espírito de oração, pedindo ao Senhor: “Domine, ut videam!” - “Senhor, que eu veja!”.
 
Pedir ao Senhor luzes para perceber nossos erros, para ver o que deve ser arrancado de nossa vida e o que deve ser melhorado: caráter, trabalho, otimismo, apostolado, alegria, compreensão...
Depois disso é preciso contrição pelos pecados e daí brotarão alguns propósitos, obras de retificação que agradarão a Deus, propostas concretas como sorrir para alguém que é antipático, fazer uma pequena mortificação, rezar com mais atenção, guardar melhor a vista. Serão propósitos decididos para os quais se deve pedir a ajuda de Deus, porque, sendo pequenos, sem sua ajuda nada conseguiremos. Só assim teremos nossa alma cheia de paz e alegria e o entusiasmo de progredir no nosso caminho em direção a Deus e ao nosso próximo.
 
 
 
 
padre José Antonio Bertolin, OSJ

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