segunda-feira, 9 de fevereiro de 2015

QUAL DEVE SER A MEDIDA DO AMOR PRÓPRIO?

Nosso Senhor mandou que amássemos ao próximo como a nós mesmos. Muita gente, no entanto, se perde, porque se ama mal. 


 
Nosso Senhor, perguntado pelos fariseus sobre qual era o maior mandamento da Lei, foi taxativo: "'Amarás o Senhor teu Deus de todo o teu coração, de toda a tua alma, de todo o teu entendimento!' Esse é o maior e o primeiro mandamento" ( Mt 22, 37-38). Com isso, Ele recordava a vocação do ser humano sobre a terra: este foi chamado não para gozar de prazeres, acumular riquezas ou ser elevado aos olhos do mundo, mas tão somente para amar a Deus e cumprir com a Sua santa vontade, de modo que se pode dizer – com referência à parábola da figueira estéril – que o homem que não vive para Deus "está ocupando inutilmente a terra" (Lc 13, 7).
O segundo mandamento, acrescentou ainda Jesus, "é semelhante a esse: 'Amarás ao teu próximo como a ti mesmo'" ( Mt 22, 39). Os mandamentos são semelhantes porque também o homem foi criado à imagem e semelhança de Deus (cf. Gn 1, 26) – e, por isso, deve ser amado. São, pois, dois mandamentos, mas, curiosamente, três objetos a amar: Deus, a si mesmo, e ao próximo. Santo Agostinho, questionando-se sobre a diferença desses números, oferece uma resposta valiosa e ensina com qual medida deve o homem amar-se a si mesmo:
"Mas, se há três objetos do nosso amor, porque há apenas dois mandamentos? Vou dizer-te: Deus não julgou necessário encarregar-te de te amares a ti próprio porque não há ninguém que não se ame a si mesmo. Mas muita gente se perde porque se ama mal. Ao mandar-te amá-Lo com todo o teu ser, Deus deu-te a regra segundo a qual deves amar. Queres amar-te? Então ama a Deus com todo o teu ser. Com efeito é nele que te encontrarás, evitando assim perderes-te em ti. […] Deste modo é-te dada a regra segundo a qual deves amar-te: ama Aquele que é maior do que tu e amar-te-ás a ti mesmo." [1]
O amor a si mesmo não é mandamento porque, escreve Agostinho, "não há ninguém que não se ame a si mesmo". As palavras do santo de Hipona são convenientemente explicadas por Santo Tomás de Aquino, que, ao responder se "os pecadores amam-se a si mesmos", esclarece: "Todos os homens, bons e maus, amam-se a si mesmos, na medida em que amam a própria conservação" [2]. Não há virtude nessa espécie de amor, já que até os animais agem de modo semelhante: quando veem alguma ameaça à sua vida ou à sua integridade física, eles fogem, pois "amam", por assim dizer, "a si mesmos", agem buscando "a própria conservação".
Quando Santo Agostinho adverte, porém, que "muita gente se perde porque se ama mal", está fazendo referência aos pecadores, que amam a si mesmos desordenadamente. Santo Tomás diz, com acerto, que:
"Nem todos os homens pensam ser o que eles são, pois o principal no homem é a alma racional e o que é secundário é a natureza sensível e corporal: a primeira é chamada pelo Apóstolo de 'homem interior', e a segunda de 'homem exterior' (cf. 2 Cor 4, 16). Os bons apreciam em si mesmos, como principal, a natureza racional, ou o homem interior, e por isso consideram-se como sendo o que são. Mas os maus creem que o principal neles é a natureza sensível e corporal, ou o homem exterior. Por essa razão, não se conhecendo bem a si mesmos, eles não se amam verdadeiramente, mas amam somente o que julgam ser. Ao contrário, os bons, conhecendo-se verdadeiramente a si mesmos, amam-se de verdade." [3].
Os maus invertem a realidade e se preocupam apenas com o "homem exterior", em detrimento de suas almas e de sua salvação eterna. Eles querem a felicidade, mas procuram-na nos lugares errados. Abandonam a Deus, "fonte de água viva, para cavar cisternas, cisternas fendidas que não retêm a água" ( Jr 2, 13). O seu amor próprio, então, não é amor coisíssima nenhuma, porque, ignorando o que realmente são, eles acabam por lançar a sua alma no inferno. Com razão, pois, diz o salmista que "aquele que ama a iniquidade odeia a sua alma" (Sl 10, 6).
Quem vive, por exemplo, no pecado da fornicação, normalmente acha que está fazendo bem para si mesmo, pois está sentindo prazer, agradando a sua carne e, afinal, "a gente se ama tanto, qual o problema?" A realidade, no entanto, é que, violando o sexto mandamento, ele não está só condenando a si mesmo, mas também a alma daquela pessoa a quem tanto diz amar (e, no entanto, não está disposto nem ao compromisso, nem à família, nem aos filhos, mas tão somente à sua satisfação sexual). Ora, que espécie de amor é esse, que prefere o próprio prazer ao bem eterno do próximo, que joga o destino e a vida seus e do outro na lata de lixo?
Algumas pessoas, por outro lado, querem fazer bem a si mesmos comprando tudo o que veem pela frente, como se a sua felicidade estivesse em uma casa na praia, em um carro importado ou em um prêmio de loteria. A verdade é que, tendo tudo isso, muitas se esquecem de Deus e perdem a própria salvação. Por isso, adverte Nosso Senhor: "Que aproveitará ao homem ganhar o mundo inteiro, se vier a perder a sua vida?" ( Mc 8, 36).
Como, então, amar direito a si mesmo? Santo Agostinho ensina a real medida do amor próprio ordenado: " Queres amar-te? Então ama a Deus com todo o teu ser". Nesta terra, o que de mais valioso o ser humano possui é a sua alma; e a vontade de Deus, que é a de "que todos se salvem e cheguem ao conhecimento da verdade" (1 Tm 2, 3-4), é a única que pode nos salvar de nós mesmos.
Se um louco, andando na rua, começasse a cortar partes do próprio corpo, imediatamente alguém chamaria um médico e com razão aquele indivíduo seria colocado totalmente aos seus cuidados, para que não mais se destruísse. O homem, com seu amor próprio desordenado, é semelhante a esse louco que se mutila e se destrói, sem sequer perceber o que está fazendo. Para que seja curado, é preciso que ele se entregue – "com todo o seu ser" – a quem sabe o que é bom para ele. Se aos médicos humanos as pessoas se confiam com segurança, pois sabem que eles vão fazer o melhor, quanto mais devem confiar em Deus, que, não precisando, deu provas mais do que suficientes de Seu grande amor para conosco!
Confiemos n'Ele e entreguemo-nos à Sua divina vontade, seguindo o conselho de Santo Agostinho: "Ama Aquele que é maior do que tu e amar-te-ás a ti mesmo." 













Por Equipe Christo Nihil Praeponere

Referências:

  1. Santo Agostinho, Sermão inédito sobre a carta de São Tiago, apud Evangelho Quotidiano
  2. Suma Teológica, II-II, q. 25, a. 7
  3. Idem

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