quinta-feira, 19 de novembro de 2015

O BOM USO DO TEMPO.

 
No uso do tempo, pode-se pecar por excesso de economia ou por despropositada prodigalidade. No primeiro caso, abuso do tempo que se ganhou; no segundo, dano pelo tempo que se perdeu. De qualquer das formas, perder tempo inutilmente é loucura; mas é sabedoria rara perde-lo utilmente.
O abuso do tempo
Conta-se que certo literato muito ocupado (e que por acaso produziu pouco), tinha sobre a porta estas legendas pouco convidativas: “O meu tempo é tão precioso como o teu; se gostas de perder o teu tempo, pensa no dos outros”. Um importante industrial de Chicago tinha no escritório um grande cartaz com as seguintes indicações: “Visitantes, sede breves; o meu tempo é precioso, e eu respondo adiantadamente a todas as vossas perguntas inúteis…”
“Se estou bem?” – Obrigado.
“Se o tempo está bom?” – Não me interessa.
“Se está calor ou frio?” – Não quero saber.
“Se li o jornal?” – Só leio os câmbios e preços das mercadorias.
“Se minha família está bem?” – Sou solteiro.
“Adeus, adeus!”
Uma “americanice” se dirá. Já há duzentos anos dizia uma autêntica francesa, Madame du Deffand: “Os que me visitam, honram-me; os que não me visitam, dão- me prazer.” É claro que o exagero, por pequeno que seja, neste sentido, mata as relações de amizade e o encanto das conversas em que nada se diz e algo se aprende.
Quem não procura senão o útil, não se arriscará a perder o que na vida é mais que o útil? E, o que é pior, arriscar-se-á a faltar aos mais elementares deveres para com os vivos, e até para com os mortos.
O autor dos Conselhos de um velho americano e um jovem francês – livro em que há picantes observações, algumas das quais mereciam de ser recordadas -, censura os mortos por matarem os vivos, exigindo-lhes que deixem as ocupações diárias para assistirem aos seus funerais. Esta é um pouco forte!…
Justa medida
 Mas, uma vez estabelecidas as reservas impostas pelo bom senso, pela religião e pelas justas conveniências, não se pode impedir os que querem desembaraçar a nossa vida desse nunca acabar artificial de visitas sem encanto nem finalidade, meramente protocolares, tão insuportáveis para quem as faz como para quem os recebe.
Da troca de correspondência, cujo único benefício evidente é enriquecer as Finanças e os Correios; de todas as despóticas exigências de modas, seguramente inventadas por quem desconhece o verdadeiro valor do tempo.


Pode dizer-se que o mundo assenta sobre a mentira das convenções, admitida por todos. Mas isso merecerá que alguém se obstine em perpetuar tal mentira? Não creio.
Usar de amável delicadeza por motivo de verdadeira caridade, está muito bem, e nunca será demais; frio protocolo, a pretexto de pseudo-obrigações mundanas, sobre isso estamos conversados. Que ao tempo mais precioso se roubem duas ou três horas para consolar um sofrimento ou aliviar uma doença, está bem; mas que se roube tempo – coisa tão valiosa como fecunda – para ir contar bagatelas, aborrecendo-se e aborrecendo os outros, francamente, para que serve?
Efetivamente, se pensarmos bem, nada prejudica tanto a atividade útil como essas dissipações. Se, ao menos, a vida fosse longa! Mas, quando poderemos trabalhar, concentrar-nos, se inúmeras pessoas e insuportáveis convenções nos roubam o melhor ou uma parte notável do descanso em silêncio, que torna a vida fecunda?

Quem quiser tirar bom rendimento da sua atividade, deve saber não perder o tempo. Carlos Peguy tem oito anos. Em dia de Carnaval passa por debaixo da sua janela, com o ruído que pode imaginar-se, um cortejo.
De pé, em cima de um pequeno banco, desenhava ele um mapa de geografia. Convidam-no a ir ver o cortejo que passa na rua. “Isso não me interessa”, respondeu, “não tenho tempo senão para fazer o mapa da França”.
Neste episódio descobre-se o homem que, mais tarde, pôde com verdade declarar: “Sempre levei tudo a sério, e por isso cheguei longe”. Mas s Carlos Peguy são raros! Não falamos do talento extraordinário, mas do cuidado de economizar o tempo.
Quando somos jovens, afigura-se que sempre haverá folgas. Passeamos ou damo-nos à contemplação sem um objetivo explícito. Não se trata aqui das digressões à La Fontaine, das quais saíram obras-primas, mas de passeios sem finalidade, fruto da preguiça e da inércia. No seu regulamento de vida Mons. De Ségur, no princípio do seu sacerdócio, havia escrito: “Trabalho contínuo; não facilitar nunca; não estar ocioso no meu quarto”.
Alguns se ocupam com grande maestria a perder faustosamente o seu tempo. Esses nunca farão nada. “Devo todos os meus sucessos na vida”, dizia Nelson, “ao fato de sempre e em tudo andar um quarto de hora adiantado”. Verdadeira fórmula para ficar vitorioso em Trafalgar!
Quando era embaixador em Paris, Donoso Cortês lastimava o emprego do seu tempo. Costumava dizer: “Quando Deus me julgar, nada mais terei a responder-lhe senão isto: fiz visitas”. E, no entanto, as visitas faziam parte os seus deveres de estado.
Quantos, se tivessem presentes seus deveres de estados – e os dos outros -, renunciariam à maior partes das suas “amáveis visitas”! O padre Lancício, de quem já falamos, era um grande trabalhador.
Gostava tão pouco de perder o seu tempo que, para recompensar, parece que Deus lhe concedera esta graça: sempre que tinha necessidade de procurar um pormenor, um texto ou uma referencia, o livro abria-se por si próprio no lugar desejado.
O comum dos homens não merece semelhante graça. Estamos reduzidos aos nossos próprios meios. No entanto, para quem quer emprega-los e economizar o seu tempo, são possíveis verdadeiros “milagres”. O jesuíta Petau emprega todos os momentos livres na tradução dos Salmos em versos gregos.
Conta-se que o ilustre chanceler d’Aguesseau, não encontrando muitas vezes o almoço feito a horas, apresentou um dia a sua mulher, à maneira de aperitivo, um livro escrito durante os quartos de hora que teve de esperar para sentar-se à mesa…
Mencionemos alguns episódios mais sérios.
M. Doimier, que saiu do nada e chegou a desempenhar altos cargos, dá-nos um exemplo característico de sucesso, devido ao trabalho persistente. Modesto empregado prepara sozinho em cursos noturnos o seu bacharelado e depois a licenciatura… O resto é conhecido. Ramsay Mac Donald e Lloyd George, ambos primeiros-ministro de Inglaterra, foram também incansáveis trabalhadores.
Lloyd George, ainda jovem, gostava de estudar Napoleão, admirava a sua lendária resistência à fadiga intelectual e procurava rivalizar com ele. A sorte não faz tudo.
O trabalho, um trabalho por vezes violento, ajuda a sorte. Luís XIV, Lyautey e Poincaré – de propósito juntamos as mais dessemelhantes figuras – foram formidáveis trabalhadores.
Um dos biógrafos de Luís XIV diz que ele, quando era novo, trabalhava seis a oito horas por dia nas suas ocupações de rei, e que, cinquenta e quatro anos mais tarde, trabalhava ainda mais tempo.
Raymon Poincaré deitava-se às vinte e três horas, tendo trabalhado no seu gabinete desde as sete da manhã, com um método que auxiliava a sua rara inteligência e assombrosa memoria.
Quando ainda era presidente da República, ia certo dia de Paris para Sampigny, de automóvel. O carro, já gasto, dava constantes solavancos. “É a ultima vez que viajo nele”, diz, “porque não pude trabalhar nem um só instante”.
Perguntaram-lhe: “Então, contava trabalhar?”; “Evidentemente, pois nunca, como daquela vez, perdi cinco horas na minha vida”. Poucos homens trabalharam tão ativamente como os chefes do bolchevismo, apostados durante vinte ou trinta anos sem perder um minuto em preparar um golpe de estado, autênticos escravos do trabalho antes de serem os chefes que se sabe, escreve um dos seus historiadores: “Nunca os bolchevistas poderiam realizar o esforço necessário para chegarem ao poder e manter-se nele, se fossem apenas simples homens de barricada, salteadores, revolucionários, e não notáveis eruditos, heróis do espirito, trabalhavam normalmente catorze a dezesseis horas por dia. Tchicherine mandou colocar uma cama no seu gabinete, e trabalhava desde as cinco horas da tarde até às onze da manhã – o que deu origem ao seu extremo nervosismo. A loucura de que no fim da vida foi acometido Lenine, explica-se pelo excesso de um trabalho obstinado.





Texto retirado do livro: Virtudes Raras, Raul Plus

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