domingo, 27 de julho de 2014

O REINO: TESOURO, PÉROLA E REDE.


As leituras de hoje se entrelaçam na dinâmica da sabedoria divina a ser usufruída com o desejo incansável de um pescador e de alguém que busca pérolas preciosas. O reino pregado por Jesus exige decisão, empenho e discernimento. Caso contrário, cada um deverá pagar pela sua opção, sendo rejeitado ao separar as coisas boas das ruins, assim como o joio e o trigo, sobre os quais refletimos na semana anterior. A primeira leitura e o evangelho, complementados pela segunda leitura, são de grande simplicidade e trazem profunda mensagem de fé e esperança. Vejamos.
1ª leitura (1Rs. 3,5.7-12)
A sabedoria que Salomão não soube usar
Salomão ficou famoso por causa de sua sabedoria. É muito conhecido o episódio das duas mulheres prostitutas que brigavam por um mesmo filho (1Rs 3,16-28). Salomão solucionou o caso, mandando partir a criança ao meio e dividi-la entre as duas mulheres. Quando uma das mães reagiu, dizendo que ele poderia dar o filho à outra, e esta prontamente aceitou a proposta do rei, Salomão logo concluiu que a primeira era a verdadeira e ordenou que fosse considerada a mãe legítima. E o rei foi louvado pela sua sabedoria ao julgar. Na leitura de hoje, Salomão pede a Deus sabedoria para governar, julgar com equidade e bom senso ao discernir. Deus lhe concede além do pedido: um coração sábio e inteligente, como ninguém teve antes dele e ninguém terá depois dele (v. 12). No mundo bíblico, o coração é a sede do pensar e do conhecimento. É isso que Deus esperava de Salomão: sabedoria para governar. O leitor menos avisado logo pensará que Salomão, fazendo uso da sabedoria divina, terá feito um ótimo governo em Israel. Não é bem assim. Salomão explorou o povo com duros trabalhos, tirou o povo da roça e o levou para Jerusalém, de modo que pudesse, por meio de trabalhos pesados, construir um suntuoso templo em Jerusalém. Ademais, impôs-lhe um jugo pesado de impostos (1Rs. 5,12-12,11). Quando ele morreu, o país foi dividido em dois reinos, entre o norte e o sul, Israel e Judá, respectivamente. O povo clamou por alívio, mas seu filho e sucessor, Roboão, prometeu governar com dureza ainda maior: “Meu pai vos castigou com açoites, e eu vos açoitarei com escorpiões”, respondeu-lhes. Diante disso, surge a pergunta: por que, então, a nossa primeira leitura de hoje, 1Rs 3,5.7-12, enaltece tanto a Salomão? A resposta é simples: o texto se refere ao início de sua atividade governamental.
Ainda em nossos dias, muitos governos iniciam bem o mandato, mas acabam se corrompendo e explorando o povo. “Nada há de novo debaixo do sol”, já registrou a sabedoria de Eclesiastes 1,9. Salomão não soube usar a sabedoria que Deus lhe deu. A sabedoria de Deus é coisa boa, mas o ser humano, assim como tantos Salomões de hoje, desvia-a para o mal, pois não sabe discernir entre o bem e o mal. Para que isso aconteça, é preciso muita sabedoria. É o que vemos, na sequência, no evangelho de hoje.
Evangelho (Mt. 13,44-52)
Naquele tempo, disse Jesus a seus discípulos: 44“O Reino dos Céus é como um tesouro escondido no campo. Um homem o encontra e o mantém escondido. Cheio de alegria, ele vai, vende todos os seus bens e compra aquele campo.
45O Reino dos Céus é também como um comprador que procura pérolas preciosas. 46Quando encontra uma pérola de grande valor, ele vai, vende todos os seus bens e compra aquela pérola.
47O Reino dos Céus é ainda como uma rede lançada ao mar e que apanha peixes de todo tipo. 48Quando está cheia, os pescadores puxam a rede para a praia, sentam-se e recolhem os peixes bons em cestos e jogam fora os que não prestam.
49Assim acontecerá no fim dos tempos: os anjos virão para separar os homens maus dos que são justos, 50e lançarão os maus na fornalha de fogo. E aí haverá choro e ranger de dentes.
51Compreendestes tudo isso?” Eles responderam: “Sim”.
52Então Jesus acrescentou: “Assim, pois, todo o mestre da Lei, que se torna discípulo do Reino dos Céus, é como um pai de família que tira do seu tesouro coisas novas e velhas”.
 
O reino de Deus é como um tesouro, uma pérola e uma rede
A comunidade de Mateus termina o discurso de Jesus em parábolas com três outras comparações: o reino é como o tesouro, a pérola e a rede. Todas elas procuram ligar a sabedoria com a busca incessante do reino de Deus. Destaque, no entanto, para a última, explicada alegoricamente, associando o ato do pescador de separar os peixes com o fim do mundo.
O reino de Deus, na primeira parábola, é comparado ao tesouro encontrado no campo por um trabalhador. Encontrá-lo, assim como uma pérola, leva-o a comprar a terra, onde ele decide esconder o precioso achado. Fato semelhante ocorre em nossos dias: basta encontrar minério ou gás em terras outrora desvalorizadas, como ocorreu recentemente com o norte de Minas Gerais, que as terras se tornam supervalorizadas da noite para o dia. O tesouro encontrado é sinal de vida. A terra também. O sacrifício torna-se justificável na aquisição da terra. Jesus alude à sabedoria de quem busca incansavelmente o reino pregado por ele. Na tradição do Primeiro Testamento, o livro dos Provérbios diz: “Feliz o homem que encontrou a sabedoria..., mais feliz ainda é quem a retém” (Pr. 3,13-18). Reter o reino é considerá-lo como uma pérola preciosa que o comerciante sai à procura até encontrar. Não medindo esforços, ele vende tudo para comprá-la. O historiador Flávio Josefo, em Guerra judaica VII, 115, informa-nos que os romanos, depois da guerra de 70 que assolou Jerusalém, encontraram enterrados ouro, prata e objetos preciosos que pertenciam aos judeus. Esse fato ocorreu não somente com os romanos, pois era costume entre judeus, ante uma invasão estrangeira, enterrar os bens. O povo simples almejava encontrá-los. Imagine, então, a repercussão da fala parabólica de Jesus? O ensinamento de Jesus provoca encantamento no povo e desejo de deixar tudo para sair à procura do reino.
Os rabinos contavam uma parábola parecida. Havia um mestre que guardava em seu turbante uma pérola preciosa. Passando em uma ponte, deixou-a cair no rio e um peixe a engoliu. O mestre, então, passou a comprar todos os peixes na feira de sua cidade até encontrar novamente a sua pérola.
A terceira e última comparação com o reino de Deus é a rede que o pescador lança ao mar. Mar e rede se encontram nas mãos de pescadores. O mar é o símbolo do mal. Dele emanava tudo que não prestava. Nele morava o Leviatã, a força do mal opositora de Deus. Para ele se atiraram os porcos da cidade de Gerasa, os quais receberam os demônios que Jesus tinha expulsado (Mt 8,30-32). No episódio dos porcos, trata-se de uma linguagem apocalíptica: os porcos representam a legião romana – o mal que devia voltar de onde veio, o mar. Não por menos, a pesca exige separar o que presta do que não presta. Assim será no fim dos tempos: Deus julgará a todos pelas suas ações más e justas. Quem em vida foi sábio, procurou o reino e sua justiça, será considerado justo e se encontrará com Deus. Para quem não agiu assim restará a fornalha ardente e o ranger de dentes.
O evangelho termina citando uma personagem importante na sociedade daquela época, o escriba. A comunidade judaico-cristã de Mateus lhe confere a autoridade de seguidor do reino e de sábio que sabe distinguir entre as coisas da tradição judaica e aquelas que Jesus ensinava. Em outras palavras: o escriba judeu é o novo mestre dos ensinamentos de Jesus à luz da tradição judaica. Como ele, somos chamados a ler e atualizar sempre a palavra de Deus à luz dos acontecimentos do nosso tempo.
2ª leitura (Rm 8,28-30)
Ser imagem do Filho e pertencer ao reino de Deus
Complementando o que foi dito nas leituras acima, esse pequeno trecho da carta aos Romanos, ao tratar do ser imagem do Filho, remete-nos a um tema referencial de nossa fé judaico-cristã, nossa criação como imagem e semelhança de Deus (Gn 1,26). Imagem é ser igual a Deus, e semelhança, um vir a ser. Nessa perspectiva, Paulo afirma que aos que Deus chamou e ama, ele lhes confere o ser imagem do seu Filho e nele recuperar a glória perdida.
Jesus e o reino de Deus das leituras anteriores são, na pregação paulina, a filiação divina do ser humano e a fraternidade universal do mundo com Deus, na justiça.
PISTAS PARA REFLEXÃO
1. A procura pela sabedoria é um constante desafio para cada um de nós. Uma faina diária que exige persistência. Um caminho sempre aberto. Nessa mesma linha de pensamento, não basta aderir ao reino pregado por Jesus. É preciso assumir com responsabilidade a sua causa, o que implica decidir sempre.
2. Procurar demonstrar para a comunidade que ser cristão é ser ético em todas as condições da vida. Muitos se dizem cristãos e compactuam com a injustiça no trabalho, na vida social, na política etc. Humanamente, estamos todos sujeitos ao erro, mas perpetuar-se nele é perder a dinâmica do agricultor que faz de tudo para comprar o campo do tesouro e do comerciante que procura pérolas preciosas.
3. Demonstrar para os fiéis que quem participa da comunidade tem a sua vida mudada para melhor, pois ela, como espaço de construção do reino, é um bem, um tesouro para quem a encontra.
 
 
 
 
freiJacir de Freitas Faria, ofm

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