quinta-feira, 27 de junho de 2013

DEUS NÃO EXISTE, SÓ EXISTE O QUE SE PODE PROVAR! SERÁ?

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O maior drama do ateísmo não é a sua impossibilidade de demonstrar a inexistência de Deus, mas sim a de estar estruturalmente impedido de conseguir os seus objectivos: erradicar a religião. Porque das duas, uma: ou tece críticas inteligentes, objectivas e fundamentadas à religião, e nesse caso só pode ser benéfico para ela; ou as suas críticas não são nem inteligentes, nem objectivas, nem fundamentadas e, nesse caso, elas não beliscam a religião.

Equívoco ateísta:
“Se uma afirmação é digna de crédito, então ela pode ser formulada como uma hipótese empiricamente testável pela metodologia científica. A existência de Deus não é formulável como uma hipótese empiricamente testável pela metodologia científica. Logo, a afirmação da existência de Deus não é digna de crédito. ”
Resposta:

1. Qualquer pessoa que tenha conhecimentos mínimos de lógica reconhecerá aqui facilmente um argumento válido da forma modus tollens. Um argumento logicamente válido não é, porém, um argumento inatacável. Os melhores argumentos, como este, são dedutivos, o que significa que a conclusão sai necessariamente das premissas e, por isso mesmo, depende inteiramente delas. Isto significa que se alguma das premissas do argumento é discutível, também o será a sua conclusão. É o que se passa com este argumento.
A sua primeira premissa encerra um equívoco: o de que os seres humanos baseiam a sua existência única e exclusivamente sobre afirmações não só empiricamente testáveis mas também empiricamente testadas segundo a metodologia científica. Segundo os não crentes, as crenças humanas têm que ser racionais e a racionalidade científica é a única de que faz sentido falar. Não se fundamentando na racionalidade científica, as crenças religiosas são irracionais e, por conseguinte, não são dignas de crédito.

2. Ora, não é verdade que a racionalidade humana se reduz à racionalidade científica nem, por conseguinte, que as crenças humanas dignas de crédito são as que se baseiam neste gênero de racionalidade. Muitas das crenças humanas nas quais se fundamenta a vida das pessoas comuns baseiam-se no testemunho e no crédito que elas se atribuem umas às outras. Não são o resultado positivo de qualquer teste científico a que essas crenças são submetidas.

3. Não tenho nenhuma prova científica de que a minha mãe me amou desde que fui concebido no seu seio. Não tenho nenhuma prova científica de que sou o fruto de uma relação de amor autêntico entre o meu pai e a minha mãe. Não tenho nenhuma prova filosófica ou científica de que Picasso foi um pintor excepcional, ou de que a música de Beethoven é superior à de Wagner, ou de que a poesia de Herberto Helder tem um valor excepcional.
Não há nenhuma prova científica de que a vida humana começa no ‘momento’ da concepção, ou de que a eutanásia é a opção mais humana para quem quer terminar a sua vida em determinadas circunstâncias. Poderíamos continuar a enumerar as áreas da vida humana nas quais a racionalidade científica não tem nem a única nem a última palavra. Os críticos de arte não fazem qualquer apelo a testes empíricos realizados segundo a metodologia científica quando têm que atribuir um prêmio ao melhor filme no festival de Veneza, ou ao melhor romance, ou livro de poemas num concurso literário.

4. A vida humana vive-se numa complexa rede de relações interpessoais no interior da qual se estabelecem relações de confiança pelas quais acreditamos em muitas coisas que não são demonstráveis nem filosófica nem cientificamente. O cristianismo surgiu precisamente de uma teia de relações que se estabeleceu entre os primeiros cristãos com base em experiências factuais dos contemporâneos de Jesus. Os cristãos não têm, pois, outro acesso a Deus a não ser a partir da experiência dos primeiros cristãos no seu contacto com Cristo que se apresentou como Deus em forma humana.

5. A história do cristianismo, tomada no seu conjunto de luzes e sombras, é fundamentalmente – e continua a ser hoje -, uma história de testemunho, um testemunho que se revelou credível ao longo de dois mil anos, e que tem sido transmitido de geração em geração. Em vez de tomarem a história do cristianismo no seu conjunto, os não crentes preferem fixar-se apenas nas suas sombras. Este constitui um outro equívoco e corresponde a uma metodologia que permite aparentemente justificar uma tese e a sua contrária, segundo se considera apenas um ou outro conjunto de elementos (luzes ou sombras).

6. Os não crentes continuarão a pedir aos crentes não apenas uma prova da existência de Deus mas uma prova que seja científica. Como se Deus fosse necessariamente semelhante a um campo gravitacional ou a uma galáxia.
Continuarão a perguntar como sabemos cientificamente que os primeiros cristãos não se enganaram a respeito de Cristo. Como se eu devesse fornecer uma prova científica do amor que me têm os meus pais. O valor do testemunho não se mede pela racionalidade científica, a única que os não crentes em geral aceitam.

7. Há contudo algumas excepções. Desidério Murcho, um não crente, não reduz a racionalidade humana à sua vertente científica, como afirmou no Dererumnatura (20.12.07): “É um erro reduzir a racionalidade ao mero cálculo, à prova ou à experimentação. A racionalidade é mais vasta… Procurar justificar a crença na existência de Deus só não faz sentido se entendermos a justificação nessa acepção restrita e caricatural de justificação que tem o cientificista.

8. Conclusão: o argumento acima citado e que nega fundamento à crença na existência de Deus, sendo embora válido, não é convincente, uma vez que a sua premissa maior carece ela mesma de fundamento.



 
Alfredo Dinis,sj

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